Escultura "Gamboa III", da artista contemporânea Beatriz Milhazes - Foto: Divulgação

Barracão da Grande Rio se transformou em oficina para obra de Beatriz Milhazes

Carnaval e arte contemporânea

Se alguém visitou a Cidade do Samba nos últimos meses, se deparou com um cenário incomum. Devido à pandemia de Covid-19 e às incertezas sobre o próximo Carnaval, que depende de uma série de variantes, como a imunização das vacinas, para efetivamente ocorrer em julho, ainda não se ouvem os barulhos das alegorias sendo construídas nem se observa o fluxo de trabalhadores entrando nas fábricas onde o “Maior Espetáculo da Terra” ganhar vida. Mas o barracão da atual vice-campeã do Carnaval carioca, Acadêmicos do Grande Rio, viu, em silêncio, o nascimento de um trabalho diferente: a construção da escultura “Gamboa III”, da artista contemporânea Beatriz Milhazes, sob a coordenação dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora.

Milhazes visitou o barracão da escola de Caxias ainda durante os preparativos do desfile de 2020, sobre Joãozinho da Gomeia. Na ocasião, conheceu o projeto da escola e discorreu sobre a influência dos desfiles na sua produção estética. Para além das rotulações estilísticas, ela já declarou ser uma “carnavalesca conceitual”, alguém que expressa em suas pinturas, gravuras e colagens uma sobreposição de camadas: flores, rosáceas, arabescos, formas geométricas, tudo minuciosamente estudado. Coube a Bora e a Haddad, a partir da compreensão do sistema simbólico da artista e sob a supervisão permanente dela e da equipe que a acompanha, transformar materiais como flores artificiais, placas de acetato, aljofres e pastilhas, comuns no universo da folia, em um móbile de proporções gigantescas que está exposto no Museu de Arte de São Paulo – Masp, situado na Avenida Paulista.

Para Haddad, foi uma boa oportunidade para empregar, ainda que momentaneamente, a equipe que confeccionou os protótipos das fantasias de alas e as “fantasias especiais” da Grande Rio para o último Carnaval: “Como é uma obra delicada e detalhista, contamos com a equipe liderada pelo Bruno César, acostumada a trabalhar com miudezas. O número reduzido de trabalhadores permitiu que todas as medidas de segurança sanitária fossem respeitadas. Nesse contexto tão grave, tivemos 5 semanas produtivas, vivenciando uma rotina ao mesmo tempo diferente e próxima, porque algumas das técnicas artesanais necessárias para a confecção das peças que compõem a escultura são as mesmas utilizadas para a confecção de fantasias e adereços carnavalescos. A experiência foi muito rica.”

Bora, que está dando aulas na Escola de Belas Artes da UFRJ no formato remoto, destaca que a montagem de “Gamboa III” foi uma “lufada de alegria” nesses tempos tristes, uma vez que acionou memórias carnavalescas e se conectou com a ideia de fazer artístico da dupla, que busca, em todos os trabalhos, diálogos com outras linguagens e esferas artísticas: “Há um dado de memória interessante, porque as primeiras versões da série Gamboa foram produzidas pelo Sérgio Faria, em parceria com a mãe de Beatriz, Glauce Milhazes. Faria foi o aderecista-chefe de Rosa Magalhães durante as décadas de 1990 e 2000. O que eu e Gabriel fizemos, portanto, foi coordenar a feitura de uma obra cuja produção já esteve na mesa dessa figura tão importante para pensarmos a materialização de alguns dos mais belos carnavais das últimas décadas. E foi uma boa oportunidade para pensarmos nos atravessamentos artísticos que podem ocorrer num lugar tão complexo quanto um barracão de escola de samba, que, para nós, é uma oficina, um ateliê sem paredes fixas, um espaço de experimentação. Beatriz é uma artista que entende essas sutilezas e se deixa atravessar pela visualidade das escolas de samba, algo tão singular, que permeia o nosso dia a dia”, declarou o carnavalesco.

A obra “Gamboa III”, de Beatriz Milhazes, pode ser conferida na exposição “Avenida Paulista”, em cartaz, simultaneamente, no Itaú Cultural e no Museu de Arte de São Paulo (Masp), na cidade de São Paulo, até o dia 30 de maio de 2021.

 

 

Números de “Gamboa III”

Para a feitura do móbile, foram utilizados:

– Mais de 40 mil pastilhas de acetato

– 8500 flores artificiais

– 2000 esferas de acetato

– 2880 fios de 80 cm decorados

– 1000 metros de aljofre

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