Convite para o desfile da escola de samba infanto-juvenil Império das Princesas Negras feito à mão pelos alunos - Fonte: O autor, 2019

Escola dá Samba? G.R.E.S. Império das Princesas Negras (RJ), uma escola de muito samba no pé!

Por: Carla Lopes[1]

O Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mirim Império do Futuro riscou o chão da Passarela do Samba, no ano de sua inauguração, em 1984, sendo o primeiro formato de uma escola de samba voltada para crianças e adolescentes e também a primeira a desfilar no palco definitivo dos desfiles das escolas de samba, sendo a primeira a pisar na avenida abrindo a noite do grande espetáculo carnavalesco.

No ambiente das escolas de samba do Rio de Janeiro o feito do artista e sambista Arandir Cardoso dos Santos, o Careca, que também é um dos beneméritos do G.R.E.S. Império Serrano, a escola de samba mirim Império do Futuro é consagrada como a pioneira, não somente por ter sido o primeiro modelo ou por estar juntas das escolas de samba adultas no dia de inauguração do Sambódromo (Passarela Professor Darcy Ribeiro), mas, por ter sido compreendida como forma discursiva e prática de regressar aos princípios fundamentais e característicos das escolas de samba fortalecendo a consciência coletiva (DUKRHEIM, 2010) dos sambistas e de suas respectivas agremiações, justamente por valorizar e transmitir aos mais jovens (crianças e adolescentes) os “verdadeiros valores e conhecimentos de uma escola de samba”, que muitos sambistas acreditavam estarem em vias de desaparecimento.

Mas, alguns sambistas, amantes das escolas de samba e pesquisadores lembram-se de uma outra escola de samba mirim, que teria sido criada antes da Império do Futuro. Então, quem foi a pioneira? E quem seria esta escola de samba mirim? Qual sua origem? Como foi criada?

Estas e muitas outras perguntas levaram-me à busca por esta escola de samba voltada para crianças e adolescentes. Minhas pesquisas levaram-me ao ano de 1982, lá no subúrbio da Central do Brasil, no bairro do Méier, aliás, mais precisamente, no Complexo do Lins de Vasconcelos, quando uma escola infanto-juvenil, de fato fora criada, sendo seu nome “Grêmio Recreativo Império das Princesas Negras”.

Mas, que estranho! Ela havia sido criada dentro de uma escola de ensino formal, na rede municipal de ensino.  

Embora poucos estudiosos sobre escolas de samba mirins conheçam esta agremiação e muitos sambistas sequer tenham ouvido falar dela, é na memória de antigos moradores do bairro Lins de Vasconcelos, muitos deles que estudaram na Escola Municipal Ministro Gama Filho, que vemos e sentimos o amor e o ensino que esta agremiação deixou em seus corações.

E uma dessas pessoas é Claudia Regina Marques, que nos descreveu por meio de entrevista, o ineditismo da escola Império das Princesas Negras, que de acordo com suas lembranças, foi totalmente formada e conduzida por crianças, fato sempre enfatizado por ela em seu relato, e que, ainda segundo a mesma, é oposto ao que hoje está estabelecido na Passarela do Samba e que fora iniciado pela escola de samba mirim Império do Futuro. Pois, todas estas escolas foram fundadas e conduzidas por adultos, ao contrário da sua, além disso, a Império das Princesas Negras tinha sido criada antes da Império do Futuro.

Claudia Regina Marques com seu álbum de recortes de jornal sobre a escola mirim Império das Princesas Negras – Foto: O autor, 2019

Tendo como fio condutor de nossa investigação as memórias de Claudia Regina Marques chegamos até professora Marly Lopes Lima, diretora da Escola Municipal Ministro Gama Filho, que também compartilhou conosco suas lembranças para que entendêssemos o apagamento discursivo que se construiu ao redor da escola Império das Princesas Negras.

Marly Lopes Lima, ex-diretora da escola municipal Ministro Gama Filho – Fonte: O autor, 2019

Um projeto pedagógico de interação entre a unidade escolar e sua comunidade

Segundo a diretora, professora Marly Lopes Lima, a escola de samba infanto-juvenil foi resultado da implementação de um projeto pedagógico para promover a interação entre a unidade escolar, escola municipal Ministro Gama Filho, e sua comunidade de entorno, no bairro do Lins de Vasconcelos, na rua Engenheiro Eufrásio Borges, que fica entre as comunidades do Gambá e da Cachoeira, como uma forma de se combater a evasão escolar e a distorção série-idade, que – entre os anos de 1970 a 1990 – foram identificados como os maiores índices do insucesso escolar na cidade e no estado do Rio de Janeiro.

A unidade escolar foi erguida pelo esforço comunitário, com a participação de moradores e de sua respectiva associação, cabendo à época ao Distrito de Educação e Cultura  de (DEC), equivalente às atuais Coordenadorias Regionais de Educação do Rio de Janeiro (CRE), o provimento de professores, corpo diretivo, serventes, material escolar e merenda para os alunos.

O Ministério da Educação e Cultura (MEC) decidiu colocar em prática uma forma inovadora de ensino, mas que somente foi realizada como projeto-piloto em algumas escolas do país, o chamado “Projeto Interação entre Educação Básica e os Diferentes Contextos Culturais Existentes no País ”, ou simplesmente como ficou mais conhecido,  “Projeto Interação”. A proposta era resultante das articulações da sociedade civil, movimentos populares, partidos políticos, educadores, artistas, dentre outros segmentos da sociedade que criticavam duramente o modelo educacional vigente e que fora elaborado no período do regime militar reivindicando novas formas de processos ensino-aprendizagens com base em diálogos com as comunidades locais (QUINTAS, 1992).

Apesar das memórias de Claudia Marques convergirem para o protagonismo infanto-juvenil na criação da escola de samba, na verdade, a proposta pedagógica foi desenvolvida sob a supervisão de uma equipe composta por artistas e pedagogos designados pelo MEC para implantação do projeto Interação. Esta equipe ficou responsável por realizar um diagnóstico entre alunos, responsáveis e moradores para promover processos de ensino-aprendizagem com centralidade na cultural local, de forma a realizar a “integração entre educação e cultura, através da compatibilização dos planos e programas nos níveis formal e não-formal, tornando a escola centro cultural da comunidade.” (QUINTAS, 1992, p. 4.). O prazo de realização do projeto era de um ano somente.

Escola dá Samba

Diante dos dados coletados, o projeto pedagógico construído coletivamente chamou-se “Escola dá Samba”, que tinha como objetivo principal a criação de uma escola de samba com a realização de um desfile no final do ano, no qual alunos, professores e comunidade seriam os responsáveis pela confecção de fantasias, carros alegóricos e adereços, samba de enredo e tudo mais que fosse necessário.

Muitos dos moradores que eram integrantes ou participantes da escola de samba local Lins Imperial, cuja sede ainda hoje é próxima ao colégio, e tinham filhos, netos e parentes como alunos da escola municipal ministro Gama Filho, se tornaram apoiadores do projeto e auxiliaram a organização da escola de samba infanto-juvenil, orientando professores e alunos desde a formação da bateria até a organização do desfile.

O nome da escola foi decidido por meio de plebiscito, tendo os alunos escolhido o nome Império das Princesas Negras, compondo sua comissão de frente com 10 meninas negras. Integrantes da Sociedade Recreativa Escola de Samba Lins Imperial também participaram de todo o processo desenvolvido na escola municipal, orientando as crianças, participando das entrevistas realizadas pelos alunos e cedendo instrumentos para a bateria da agremiação.

Enredo

O enredo da escola ficou a cargo de uma das alunas da 8ª série, Claudia Regina Ribeiro Marques, de 16 anos, cujas partes se dividiam desta forma:

1ª parte – A influência do negro na Lins de ontem;

2ª parte – A comunidade e sua cultura (costumes, crenças e danças); e

3ª parte – Atualidades.

Samba

A autoria do samba-enredo ficou por conta do aluno Samuel Alves da Silva, aluno da 6ª série, e tendo como “puxadores” (intérpretes) os alunos Alexandre, da 3ª série, e Antônio Carlos, da 8ª série. De fato, a história do lugar e de seus moradores foi expressiva, o que assinala a interação entre escola e comunidade local. A madrinha da agremiação mirim foi a Sociedade Recreativa Escola de Samba Lins Imperial, que já cedia sua quadra para os ensaios.

O fato de terem frequentado de forma assídua a escola de samba Lins Imperial, que abraçou o projeto desenvolvido pela escola municipal, oportunizou Claudia Regina Marques e alguns de seus colegas a se integrarem à escola de samba, mesmo após o término do projeto “Escola dá samba”.

Hoje, após ter vivido essa experiência, ela constata que muitos alunos deram continuidade ao aprendizado adquirido como profissionais dentro de escolas de sambas, ou ainda em outras atividades profissionais que desenvolvem, como é o caso de Claudia Regina, que é servidora da prefeitura do Rio de Janeiro trabalhando na creche Aconchego, situada próxima à escola ministro Gama Filho, desenvolvendo atividades educativas balizadas na história do samba e seus principais sujeitos sociais, bem como de personagens locais, como João Banana, antigo compositor do Sociedade Recreativa Escola de Samba Lins Imperial:

Apesar de o Ministério da Educação ter estipulado um ano para realização deste tipo de projeto em todas as demais instituições do país onde ele ocorreu, a escola de samba infanto-juvenil esteve presente entre alunos e comunidade do Complexo do Lins por três anos, vindo a finalizar seu trabalho pedagógico no ano de 1984. A extensa duração foi muito por conta do entusiasmo e incentivo da comunidade escolar e do entorno, conforme nos disseram a ex-diretora Marly Lima Lopes e a ex-aluna Claudia Regina Marques, que mesmo sem o dinheiro da verba que seria disponibilizada pelo ministério, colocaram a escola de samba para desfilar nos anos de 1983 e 1984.

Primeiro desfile da escola mirim

O primeiro desfile da escola de samba mirim foi realizado nas ruas do bairro do Lins de Vasconcelos, Boca do Mato, Engenho Novo e no Méier, no mês de dezembro, seguindo a metodologia de implementação de projetos políticos pedagógicos (P.P.P.), como assim denomina-se hoje em dia. O produto apresentado pelos alunos foi o desfile onde expuseram suas performances musicais, corporais e decorativas.

Mas, a apresentação de final de ano foi muito mais do que o esperado, pois teve o batizado da escola Império das Princesas Negras, em outra escola municipal, a Escola Bento Ribeiro, localizada próxima a estação de trem do Méier, um local de melhor acesso. Alguns sambistas integrantes de escolas de samba como Estação Primeira de Mangueira, Acadêmicos do Salgueiro, Em Cima da Hora, Arranco do Engenho de Dentro, Mocidade Unida de Jacarepaguá, também se fizeram presentes. Voltando no tempo Claudia Regina Marques lembra-se de que até mesmo Careca (Arandir dos Santos Cardoso) também esteve presente, muito embora, quando indagado sobre este assunto em uma entrevista concedida a nós, ele tenha dito que desconhecia esta escola de samba voltada para o público infantil.

As instituições públicas também manifestaram seu apoio como a Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (RIOTUR), que foi acionada pela diretora da escola para cessão do carro de som. Até mesmo o “bicheiro” José Caruzzo Scafura (Piruinha), reconhecido como um generoso patrono nos bairros do subúrbio carioca nos quais tinha suas “bancas de bicho” foi um colaborador com o desfile e o batizado da escola Império das Princesas Negras, cuja madrinha foi a Sociedade Recreativa Escola de Samba Lins Imperial.

Cartaz confeccionado para divulgação do desfile da escola de samba Império das Princesas Negras – Fonte: Marcelo O’Reilly, 2019

O desenvolvimento do projeto não foi ignorado pela imprensa, o Jornal do Brasil, de 21/11/1983 e de 14/12/1984, divulgou suas ações exaltando o desfile e a nova metodologia empreendida na escola municipal ministro Gama Filho.

O que no passado havia sido uma tentativa de proporcionar aos educandos uma aprendizagem contextualizada em seu cotidiano, e que, infelizmente, não fora a frente tornando-se efetivamente uma política pública educacional, já que o projeto desenvolvido pelo Ministério da Educação e Cultura foi descontinuado, analisando o caso da escola de samba infanto-juvenil Império das Princesas Negras, podemos afirmar seguramente que esta foi a primeira referência oficial de prática pedagógica curricular que rompeu com as visões teóricas tradicionais sobre currículo por considerar que este documento deveria ser um documento identitário (SILVA, 2009) de sua comunidade escolar.

Neste sentido, a escola infanto-juvenil Império das Princesas foi inédita e pioneira, com certeza!

Ambas, Império do Futuro e Império das Princesas Negras, são pioneiras em suas ações de valorização da Cultura Popular e a expressão cultural Escolas de Samba. Se a Império do Futuro se sagrou na Passarela do Samba como uma comunidade de aprendizagem das tradições e elementos de negritude existentes na cultura das escolas de samba se assemelhando aos seus pares; a Império das Princesas Negras promoveu uma mudança de entendimento sobre currículo e processo ensino-aprendizagem formal, levando em conta não somente os sujeitos educativos como protagonistas, mas também a comunidade local com toda sua miríade de tradições, crenças, hábitos e costumes.

Pois é….. Quem diria que nosso querido sambista Noel Rosa estaria tão equivocado ao escrever os seguintes versos no samba “Feitio de Coração”: Batuque é um privilégio / Ninguém aprende samba no colégio. Na verdade, outras agremiações infanto-juvenis surgiram e vários projetos pedagógicos seguem o caminho trilhado pela Império das Princesas Negras de contextualização e valorização cultural dos territórios nos quais estas unidades escolares estão erguidas.

[1] Carla Lopes – Doutora em Artes e Cultura Popular (UERJ), mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPED/2010) e MBA em Educação Corporativa pela Universidade Veiga de Almeida (UVA/2006). Professora de História da rede pública estadual de ensino no Rio de Janeiro. Integrante do Laboratório de Arte Carnavalesca (LAC)/UERJ.

 

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