O Carnaval Carioca pelas lentes de Marcelo O’Reilly

Conheça a trajetória de um dos maiores fotógrafos da Marquês de Sapucaí

“De todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa para sempre o instante preciso e transitório”. (Cartier-Bresson)

Nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, a câmera afiada do carioca Marcelo O’Reilly retrata o Carnaval desde 1999. Oficial da reserva da Marinha, pesquisador e amante do Maior Espetáculo da Terra, O’Reilly é autodidata e completou 23 anos atrás das lentes objetivas na Marquês de Sapucaí. Foi nos desfiles do Grupo de Acesso que Marcelo registrou suas primeiras imagens e trilhou o seu próprio caminho como fotógrafo de Carnaval. Com mais de duas décadas de fotografia, ele nos conta um pouco de sua trajetória e revela o prazer que sente pelo trabalho.

Tudo pelo registro

O trabalho de fotografia no Carnaval está conectado a detalhes que muitas vezes passam despercebidos aos nossos olhos durante os desfiles. Quem vê as fotos impecáveis tomarem os noticiários e as redes sociais nos dias seguintes nem imagina que, misturado à multidão, o fotógrafo fica no maior corre-corre, levando esbarrões e empurrões, sofrendo quedas, e às vezes até tomando chuva. Para conseguir o melhor ângulo, o foco ideal e a foto perfeita, o retratista precisa deitar no meio da passarela, subir em grades e pendurar-se em tudo o que for possível. Assim registra aquilo que será a memória visual do carnaval: grava, em forma de imagem, o momento do espetáculo que poderemos curtir tantos anos depois. E dentre os muitos expoentes da fotografia do mundo do Carnaval, os registros de Marcelo O’Reilly estão aí para confirmar. Eis um cara com excelentes histórias para contar.

Um apaixonado convicto pelo carnaval

Além de ser um dos mais conhecidos fotógrafos do carnaval, Marcelo O’Reilly é, sobretudo, um grande apaixonado pela festa. Aos dez anos de idade, tudo que o pequeno Marcelo fazia era guardar recortes sobre o carnaval retirados de jornais e revistas, e reunir materiais diversos, entre textos, imagens e entrevistas. “Desde muito pequeno, eu gostava de assistir aos desfiles das escolas de samba, e todo material que saía, eu guardava, pois achava importante para a preservação da memória. Não são apenas recortes, são dados”, conta.

Por ser oficial da Marinha, Marcelo passou muitos anos fora do Rio de Janeiro e longe do Carnaval. A distância, porém, ao contrário do que parecia, o aproximou ainda mais do espetáculo. “Eu precisei morar em Belém do Pará, fiquei afastado por cinco anos. Mas continuei atento a tudo o que acontecia com as escolas, seus enredos, sambas e preparativos. E foi justamente nesse período que conheci várias pessoas do carnaval, consegui um contato maior com esse pessoal, através da internet”.

Esse pessoal a que ele se refere nada mais era que um grupo de peso composto por Rachel Valença, Luiz Fernando Reis, Paulo Renato, Felipe Ferreira, Ricardo Lourenço e tantos outros mais que “militavam” pelo samba. Nomes de expressão com os quais O’Reilly construiu fortes laços de amizade.

No retorno ao Rio, em 1999, os encontros virtuais tornaram-se presenciais, entre quadras e bares da cidade. A potência do encontro criou o Prêmio S@mbanet, premiação voltada para as escolas de samba do Grupo de Acesso (Série A), além de personalidades e instituições que realizavam ações em prol do carnaval. E é aí que surge o Marcelo fotógrafo.

“O carnaval de 1999 se aproximava e precisávamos de um fotógrafo para a premiação. Eu me ofereci para fotografar, já que possuía uma câmera digital, algo difícil de se ter naquela época. Fui para a Sapucaí fotografar as escolas de samba do Grupo de Acesso. Aos poucos fui percebendo que registrar aquele momento seria uma forma de expressão da cultura do carnaval.”

De lá pra cá, Marcelo passou a fotografar todos os desfiles na Marquês de Sapucaí – Série A, Grupo Especial, Escolas Mirins e Campeãs –, experimentando técnicas e emoções, sempre tomado por uma inquieta sensibilidade que já beirava o inconsciente. Até que começou a entender como escolher os protagonistas de seus registros e, principalmente, o que o Carnaval realmente significava para ele: “é um hobby, uma grande paixão, um objeto de adoração”, admite. Um apaixonado convicto.

A Academia do Samba

“Fotografando no carnaval, eu comecei a conviver com meus ídolos”

O caso de amor entre Marcelo e o Carnaval resultou num portfólio invejável. Suas fotografias colocam o observador a um só tempo diante da grandeza do espetáculo e da alegria do sambista, e apontam para a intensidade dessa grande festa e para a subversão de sentido protagonizada pelo folião. “Meu trabalho é voltado para o sambista. Eu vou para avenida fotografar o folião anônimo, as personalidades do samba, os fundadores, as baianas, e não as celebridades. Meu foco na avenida é muito diferente de um fotógrafo que está lá, contratado, para fotografar celebridades. Que é pago para fotografar o [esteticamente] ‘belo’.

Ao mesmo tempo em que o amor pela fotografia crescia, a relação com o documental também se acentuou. E foi assim que Marcelo O’Reilly reuniu e preparou grande parte de seu rico acervo para criar um novo projeto: o site Academia do Samba (https://www.facebook.com/PortalAcademiadoSamba). Com o objetivo de fomentar a cultura do carnaval e obstinado a documentar traços da cultura popular, a Academia do Samba vem reunindo trabalhos acadêmicos, discografias, bibliografias, artigos, ensaios, imagens e textos, além de diversos materiais que dizem respeito à história das Escolas de Samba, do carnaval e da cultura popular.

A foto marcante

Para Marcelo, mais do que clicar imagens do carnaval, fotografar é um exercício de contemplação e uma forma de eternizar a festa: “meu objetivo é fotografar a alegria, a naturalidade. A minha foto é feita de foliões evoluindo”. Curiosamente, no entanto, o fotógrafo conta que a imagem mais emblemática para a sua carreira foi registrada no Carnaval de 2017: a queda da porta-bandeira da Unidos de Padre Miguel, Jessica Ferreira.

Jessica torceu o joelho no início da apresentação no 2º módulo e precisou deixar a Sapucaí. Seu par, o mestre sala Vinicius Henrique, teria que continuar sozinho até que a 2ª porta-bandeira da agremiação da Vila Vintém chegasse. A foto de Marcelo foi tirada justamente no momento em que Vinicius apresentou a bandeira da agremiação aos jurados e pediu desculpas por não poder bailar no módulo. Emocionado, O’Reilly conta que quase não conseguiu fazer seu trabalho, por ter ficado tão perplexo e solidário naquele momento. “Foi difícil pra caramba fotografar”, desabafa.

Marcelo é uma personalidade do carnaval. Dedica seu tempo, seu trabalho e sua arte à paixão pelo universo das escolas de samba, contribuindo com o registro da festa para gerações futuras. Hoje, além de trabalhar como fotógrafo, produzindo cliques e mais cliques, também administra o site Academia do Samba e participa como coordenador do Prêmio Sambanet.

Por intermédio da fotografia, Marcelo consegue há anos documentar mais dos foliões. Sua convicção segue firme, de que tirar fotos é uma forma de contribuir para preservar a memória da festa de momo. E esse aficionado, seja fotografando foliões, carros alegóricos ou personalidades anônimas do mundo do samba, vai continuar inspirando muita gente.

 

Conheça alguns trabalhos de Marcelo O’Reilly: