Ex-mestre do Estácio tem a difícil missão de trazer de volta os 40,0 pontos para a bateria da Vila Isabel, que não vêm há 12 anos.
Mudar nem sempre é uma tarefa fácil. Algumas vezes é obrigatório, pois simplesmente não há escolha. Mas em outras, quando há opção, ainda é preciso ter muita coragem pra decidir. Principalmente quando se trata de uma decisão que envolve o rompimento de uma relação. Mais especificamente, de uma longa relação: após quase uma década, Mestre Chuvisco trocou a Estácio de Sá pela Vila Isabel. Foram nove anos à frente da bateria Medalha de Ouro, cheios de histórias, alegrias, prêmios e um título.
Foram muitos contatos seguidos da diretoria da Vila Isabel até que Chuvisco finalmente cedesse às investidas da escola e aceitasse o convite para comandar a Swingueira de Noel. Mas ele afirma que sair do Berço do Samba foi uma das decisões mais difíceis de sua vida.
“Foi muito complicado pra mim [sair da Estácio de Sá], passei a minha vida inteira lá. Muita gente me chamou de maluco. Mas se é a vontade de Deus, a gente tem que pegar na alça do caixão e ir”, brincou.
A mudança também não foi difícil apenas para o mestre: muitos ritmistas protestaram contra a saída de Wallan Amaral, que comandava a bateria da Vila Isabel desde 2014 (em 2012 e 2013, ele comandava ao lado de Paulinho Botelho). Em meio a uma chegada conturbada, Chuvisco mostra-se tranquilo, e reconhece que o conflito é normal.
“Sempre vai ter [conflito]. Mas ao mesmo tempo em que teve esse protesto pela permanência do Wallan, muita gente que estava afastada da bateria voltou com a minha chegada. E devagarinho essa galera [que protestou] começou a me aceitar. Eu só procurei mostrar pra eles que nosso método também é legal.”
Aos poucos, o novo comandante parece estar cativando os componentes da Swingueira. Prova disso são os números: a frequência dos ensaios está tão alta que Chuvisco precisou solicitar mais dez fantasias, passando a bateria de 270 para 280 ritmistas.
“Chegou uma galera boa de lá [da bateria da Estácio] também. A bateria tá aberta pra todo mundo, pode tocar o instrumento à vontade. Só que pra se cadastrar, a minha diretoria [de bateria] vai avaliar: quem tem condições, vai entrar e desfilar. Infelizmente não há espaço pra todos, precisamos ir pra Avenida com um time qualificado”, alerta.
Em seu primeiro ano, Chuvisco dá um jeito de encontrar um meio termo em todas as situações para evitar polêmicas ou desgastes desnecessários. Sua diretoria foi composta por oito diretores da Estácio de Sá, que vieram com ele, e oito da Vila Isabel, que foram mantidos. A mescla é uma boa oportunidade para acertar os pontos fracos da Swingueira de Noel, que nos últimos anos vinha tendo problemas com os naipes de chocalho e tamborim.
O andamento da bateria também é um meio termo: enquanto a bateria da escola do Morro de São Carlos desfilava numa média entre 150 e 151 bpm (batidas por minuto), os ritmistas do bairro de Noel tocavam entre 145 e 147 bpm. Agora, Chuvisco quer que a Swingueira desfile a 149 bpm, um pouco mais acelerada do que os últimos quatro anos. Segundo ele, o andamento foi escolhido com base na última nota 40,0 do quesito.
“A Vila vinha trabalhando numa redução nos últimos anos. Mas eu olhei o histórico da escola e peguei a última nota 40,0 da bateria, que foi em 2005 [sob o comando do Mestre Mug]. Em 2006 não foi 40,0, mas a escola foi campeã, com o mesmo andamento. Entre 148 e 149. Além disso, própria escola pediu que botássemos um pouquinho mais pra frente. E a minha característica é essa. Se me contratou, é porque quer acelerar mesmo”, analisa o mestre.
A aceleração do andamento foi uma das maiores preocupações dos ritmistas. Acostumados a desfilar com um ritmo mais pra trás, um pouco mais devagar, os músicos tiveram bastante dificuldade no início dos ensaios. “Está sendo um pouco complicado de assimilar isso na cabeça do pessoal. Por isso começamos os ensaios bem cedo, em abril, e no início praticamos muito com os naipes separados, ensaios só com caixas, depois só com repiques. Tudo pra intensificar o andamento, qualificar a levada, limpar a batida. Agora juntamos todo mundo e botamos o andamento padrão. Semana que vem começa o ensaio de rua e eu já pedi pra ninguém ficar revezando instrumento. Quero todo mundo tocando do início ao fim pra pegar braço e resistência, para que o andamento não caia no meio da Avenida por causa de cansaço.”
Swingueira terá taróis com batida tradicional e retorno do naipe de agogôs
As novidades trazidas por Chuvisco não são exatamente novidades, mas velhas conhecidas do Povo do Samba que estavam sumidas. O mestre reforçou o tradicional naipe de taróis da bateria da Vila Isabel e a boa notícia é que a batida vai ser mesmo a de tarol, e não o convencional partido alto tocado pelas caixas em cima.
“[A batida do tarol] é similar à da caixa de guerra da Estácio. Mas é uma batida com mais variações, bem quebrada. As caixas embaixo, eu pedi ao pessoal pra fazer bem reta, acentuando na primeira, pra dar chão pra bateria, e os taróis dão o swing em cima. Vai dar um tempero legal.”
Até mesmo as caixas de 12 polegadas, que vinham sendo tocadas em cima, vão descer: serão 42 caixas embaixo, de 12 e 14 polegadas, tocando a batida reta da escola. E, em cima, incríveis 65 taróis, número bem superior ao que vinha sendo utilizado.
Já as marcações, outro ponto muito forte da Swingueira, seguem inalteradas: Chuvisco manteve a afinação e a bateria virá com doze surdos de primeira (de 26 polegadas), doze surdos de segunda (de 24’’) e quinze surdos de terceira (de 18’’). O naipe de agogôs, que fez muito sucesso com o Mestre Mug, também está de volta: serão catorze instrumentos.
Bossas mostram a força das caixas e a pressão das marcações
Infelizmente eu cheguei atrasado e a bateria da Vila Isabel já está fechada para o ano que vem. Uma pena, mas vida de ritmista é assim mesmo. Contudo, isso não impediu de ir lá dar uma conferida nos ensaios pra ver o que andam aprontando Mestre Chuvisco e sua trupe. E confesso que me arrepiou.
Aparentemente, serão três bossas. Talvez quatro, se ainda encaixarem mais uma na segunda parte do samba. Como Chuvisco é tocador de caixa e apaixonado pelo instrumento, a bossa do segundo refrão obviamente mostra toda a força do reformulado naipe. Batida ainda um pouco precisa, já que os ritmistas não estavam mais acostumados a desenhar a caixa. Mas já dá pra notar bastante diferença, principalmente com o molho dos taróis, que dão muito mais swing às marcações pesadas. Enquanto aguardava para bater um papo com o mestre, pude acompanhar a diretoria preparando a bossa para a cabeça do samba. Aparentemente será com bastante pressão, pra mostrar a força e o impacto das marcações da Vila Isabel, que é um dos naipes mais fortes da Sapucaí.
Corram que a Swingueira vem aí! Salve, Chuvisco! Bem vindo ao lar.