Monarco - Foto: Marcos Mello

O MONARCA DO SAMBA

A história do sambista de sangue azul (e branco) da Portela

Por Tiago Ribeiro

Um sambista nobre. Essa é a palavra-chave para se referir ao ilustre Monarco da Portela. Incansável lutador dos interesses dos súditos portelenses, usa um chapéu no lugar de coroa e é filho legítimo da linhagem de grandes compositores da azul e branca. E foi através de um bate papo, temperado com os quitutes de dona Olinda – sua esposa -, que, entre uma cantoria e outra, fomos conhecer um pouco mais da trajetória do Monarca do Samba.

Batizado como Hildemar Diniz, nasceu em 17 de agosto de 1933, no bairro carioca de Cavalcanti. Caçula de sete irmãos, Monarco é filho do poeta José Felipe Diniz, de quem acredita ter o legado: “isso ele guardou pra mim, as letras dos poemas. Então dessa parte de rimas, eu sei que eu sou o herdeiro. São três filhos homens. Para o Nilton ele deixou as ferramentas, porque ele era marceneiro; pra mim foi a veia poética; e pro mais velho o gosto pela política”.

Do bairro de origem não se lembra de muita coisa: “Saí de lá com 2 anos de idade. Não conheço, nem sei onde eu nasci. Só sei a rua porque minha mãe falava: Laurindo Filho. Mas a casa, o lugar não. Só fui voltar a Cavalcanti depois de burro velho, quando eu fui trabalhar na feira, vender peixe. Aí eu ia lá e falava: eu nasci aqui.” Lembra, orgulhoso.

Seus tempos de criança foram todos em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, de onde guarda boas lembranças: “aquela infância bonita né? Sem maldade de nada, correndo atrás de pipa, caçando passarinho no meio do mato”.

Foi lá também onde ganhou seu nome artístico, por volta dos 6 anos de idade, quando um amigo chamado Noca (não confundir com o compositor portelense), estava lendo o gibi da Marvel Monako – Príncipe da Mágica, e falou em voz alta o nome do personagem-título. “Não sei porque cargas d’água eu ri. Aí ele me olhou e disse ‘tá rindo do quê? Monako é você’. Os coleguinhas que ouviram ficaram gritando ‘Monako! Monako!’… aí pegou. Meus irmãos também passaram a me chamar assim, até abreviavam para Naco. Só mamãe e minhas irmãs que sempre me chamavam de Hildemar. Aí quando fui morar em Oswaldo Cruz entrou um R que não sei da onde, o K mudou pra C e virou Monarco”. Por conta dessa história, obviamente muitas vezes contada em suas entrevistas, o sambista ganhou de um fã, numa edição da feijoada da Portela, um quadro com a capa do gibi, que Monarco guarda em casa e que fez questão de levantar-se para mostrar, orgulhoso.

Antes, porém, de ir morar em terras portelenses, o ainda Monako compôs seu primeiro samba, O Crioulinho Sabu, aos 8 anos. “Eu andava junto com o Luiz e um negrinho que o nome era Sabu. Ninguém sabe de onde ele veio. Ele era largado no mundo, pedia esmola no trem e desembarcava em Nova Iguaçu. Mamãe não gostava que eu andasse com ele, dizia: ‘esse menino não tem família, é um largado’, aí eu: mamãe ele é um pobre coitado, arruma um pratinho de comida pra ele.” Dessas amizades surgiram os versos “a liga da defesa nacional vai contratar o crioulinho Sabu, para cantar lá no Rio Grande do Sul. Também vai contratar Monako e Luiz, a garotada vai pedir bis”. O mais curioso é que o precoce compositor não fazia ideia do que se tratava a Liga da Defesa Nacional, ou de onde ficava o Rio Grande do Sul: “Eu escutei alguém falar isso e coloquei. O Rio Grande do Sul eu peguei pra rimar.” Mesmo construída de maneira ingênua, a música deu o que falar: “Aquilo correu Nova Iguaçu toda. Falavam ‘Ih! Monako fez um samba. Canta aí’”; ganhou uma segunda parte mais de 30 anos depois: “Poxa, isso é a história da minha vida, merece uma segunda”; e é uma das faixas do mais recente CD do portelense, Passado de Glória – Monarco 80 anos.

Vale dizer que a música em questão foi gravada de maneira surpresa, quando seu filho e arranjador musical, Mauro Diniz, soltou no estúdio a introdução puxada pelos netos do nosso homenageado: “Quase me matou do coração”.
Amante da folia desde garoto, frequentava o bloco de sujo Primavera, em Nova Iguaçu. Na família, apenas os irmãos também eram sambistas: “Eles me levavam junto. Eu era o primeiro a chegar e o último a sair. Era metido a malandrinho”. E foi pelo rádio, ainda na Baixada Fluminense, que ouviu falar, pela primeira vez, naquela que seria sua escola de samba: “Noel Rosa tinha um samba (Palpite Infeliz) que dizia ‘Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Matriz’; tinha um outro que falava no Paulo da Portela (marchinha de carnaval Ninguém Ensaiou) ‘Os professores do morro já foram se apresentar, foi o Paulo da Portela, foi Nonô e Mano Edgar’, cantado por Aracy de Almeida.

E foram esses célebres sambistas que Monarco passou a admirar quando foi morar em Oswaldo Cruz, aos 12 anos. “Eu morava na rua Taubaté, era pertinho. Mas eu ia e tinha medo de entrar. Ficava no muro olhando aqueles caras que depois viraram parceiros meus”. E o amor pela Portela, que a sua mãe chamava de “perdição”, fez com que ele desfilasse pela primeira vez, em 1947, no enredo em homenagem ao Santos Dumont: “foi puxando corda porque não tinha grana. Ficava triste por olhar as fantasias dos outros, mas não podia pagar”. Já em 51, juntou dinheiro com seu trabalho no Sesi e fez sua fantasia para sair na ala Amigo Urso, usando terno de cambraia e chapéu, ao lado de Candeia, que havia acabado de entrar na escola.

Com essa convivência mais próxima dos portelenses, foi crescendo cada vez mais a vontade de compor pra escola: “Eu via aqueles bambas passarem, via Manacéia, aquela turma toda. Pensava: ‘esse cara tem cada samba bonito… e se um dia eu fizesse um samba pra Portela?’ Aí comecei a rabiscar algumas coisas, fiz uns bois com abóbora, até compor o Retumbante Vitória”. Ao mostrar para um amigo, foi encorajado a cantar o inédito samba no botequim que era parada obrigatória da malandragem portelense. Quando Natal, o então presidente, chegou, entrou devagarzinho, ficou ouvindo e sentenciou: “porque não canta mais tarde lá no ensaio?”. Monarco aceitou de pronto: “você tá mandando seu Natal…”, mas, ressabiado perguntou: “disseram que era primeiro pra fazer uns prospectos…” e Natal respondeu: “que prospectos o quê? Eu mandei, vai cantar sem papel sem nada mesmo”. E lá foi Monarco, naquele domingo, apresentar o samba para as pastoras: “Eram elas que decidiam. Quando não gostavam, nem cantavam. Foi o melhor samba que teve ali aquele ano”. O sucesso fez com que a canção fosse usada como esquenta do desfile, no ano seguinte, em 1952, o que ele avalia como a melhor recordação desses tantos anos de avenida.

E Natal estava tão satisfeito com a poesia de Monarco, que anunciou: “tem que aproveitar esses garotos”. E foi assim que o sambista foi “promovido”, passou a fazer parte daquele time, antes mesmo de existir o conceito de ala de compositores. No ano seguinte, a pedido de Alcides, faria sua primeira parceria com um compositor portelense, colocando a segunda parte no samba Amor de Malandro. Em 1954 foi chamado para diretor de harmonia e, ainda na mesma década, em um ano que não mais se lembra, saiu na bateria, tocando tamborim. Mas enquanto Candeia, no seu terceiro ano na escola já vencia a disputa de samba enredo, Monarco não teria a mesma sorte: “com samba-enredo na Portela, eu nunca fui feliz. O meu forte era samba de quadra, que naquela época chamava samba de terreiro”. Certa vez, quase viu seu sonho se tornar realidade, quando chegou com seu samba na final, em uma das duas oportunidades em que entrou pra disputa, mas vivia desistindo de tentar: “quando eu ia fazer, falavam: o enredo é esse, tem até um samba bonito do Candeia… Aí eu falava: ‘Ah! Então eu nem vou me meter”.

Monarco – Foto: Marcos Mello

No início da década de 1960, se afastou da sua escola, ao lado de outros ilustres como Candeia e Paulinho da Viola, por desavenças internas. Mas não deixou de compor. Enquanto isso levava a vida como faxineiro e guardador de carros, trabalhando para empresas como ABI e Jornal do Brasil: “Escovei mesa de bilhar pra Villa-Lobos”, descreve, orgulhoso. Foi nesse período que Monarco conseguiu em outras escolas o que nunca conseguira na Portela: venceu as disputas de samba da Unidos de Padre Miguel em 1966 e na Unidos do Jacarezinho entre 1967 a 69 e 1982 (além de ser o autor dos enredos desta escola de 1981, 82 e 86, respectivamente em homenagem à Paulo da Portela, Geraldo Pereira e Candeia), no período que morou nos bairros que dão nomes a estas agremiações. Hoje, diferente do que o senso comum imagina, não mora em Madureira, mas no Riachuelo, há 16 anos.

Outra detalhe que fazem confusão é sobre a amizade de Monarco com Paulo da Portela, que na verdade não ocorreu: “Eu não convivi com o Paulo, eu vi ele à distância. Por infelicidade, quando eu cheguei na Portela, ele já tinha se afastado. Eu cheguei em 46, ele se afastou em 40, 41… Com Cartola conversei muito, Carlos Cachaça eu ficava horas e horas conversando, mas o Paulo não. Botei três segundas (partes) em sambas dele, parceria póstuma digamos assim. Ele é meu ídolo, número 1”. Outro sambista muito elogiado pelo nosso mestre é Silas de Oliveira: “o maior compositor de todos. Não só de samba-enredo, mais de terreiro também”.

Diferente desses dois ídolos, que também se afastaram de suas agremiações, Monarco não demorou a voltar. Em 1970, quando foi gravado o primeiro disco da velha guarda da Portela e, lançado o segmento para fazer show, ele já estava de volta, porque, mesmo descontente com algumas pessoas na escola, “A Portela não tem nada com isso”. E foi de lá da quadra da escola que germinou o seu primeiro sucesso. Martinho da Vila, antes de ser conhecido, foi na Portela e ouviu o samba Tudo Menos Amor, de Monarco em parceria com Waldir Rosa, feito em 1962. Quando o sambista de Vila Isabel lançou, na década seguinte, um novo disco, lembrou daquele samba e gravou. Isso fez com que a vida de Monarco, no Jornal do Brasil, não fosse mais a mesma. No trabalho, ele tentava esconder a vida de sambista, com medo de ser mandado embora, “o samba ainda era meio que mal visto”, mas foi inevitavelmente reconhecido. Nesse período fez amizade com Juarez Barroso, jornalista do Caderno B, que lhe deu muita força: “isso que você faz é bonito. Teu baú é recheado”. E o tempo mostrou que todas as profecias do amigo deram certo “Pensei: bem que o Juarez falou’.

E a vida logo começou a mudar. O sucesso da música foi tanto que, só com direito autoral, ganhou cerca de três vezes o salário de guardador de carros. “Cheguei em casa cheio de embrulho. Martinho falava: ‘Vai comprar um Mustang’. Eu senti uma coisa do tipo: ‘Monarco, você vai sair dessa vida’”. Antes, o próprio Martinho da Vila já havia gravado outro samba do portelense, O Lenço, mas sem sucesso, mas dessa vez foi diferente. “A partir daí todo mundo passou a me procurar: Clara Nunes, Roberto Ribeiro…” E a lista nunca parou de aumentar. João Nogueira, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Leci Brandão, Zeca Pagodinho, Maria Rita, Péricles, Marisa Monte… a arte de Monarco passou a alcançar uma imensidão de plateias, onde muitos nem sabem que ele é o autor.

Em 1975, gravaria seu primeiro disco solo e, já no ano seguinte, passou a viver exclusivamente de música: “só saí do jornal quando vi que estava dando uma clareada. Já fazia show…”. Nesses 40 anos de carreira profissional, propriamente dita, gravou 6 discos (sendo três para o mercado japonês) e se apresentou em grandes palcos como o Canecão, Oi Casa Grande e Réveillon de Copacabana, sem citar países como Japão, Itália, França e Estados Unidos. Teve músicas como temas de novela e ganhou vários prêmios, tais como melhor cantor, melhor canção, 1° lugar no Concurso de Samba de Quadra, em 2010, e em 2015 foi indicado como intérprete e venceu a categoria de Melhor Álbum de Samba do Prêmio da Música Brasileira, com seu atual CD. Além disso, recebeu a medalha Pedro Ernesto, em 2005, e possui o título de cidadão iguaçuano.

Estudou apenas até o terceiro ano primário, já que teve de começar a trabalhar quando seus pais se separaram. Está em seu terceiro casamento e ainda tem a companhia de dois de seus três filhos: os compositores Mauro e Marcos Diniz. É também avô da atriz e cantora Juliana Diniz, mas garante que seus herdeiros enveredaram pela carreira espontaneamente. Toca um pouco de cavaquinho, tamborim e surdo e acha que compor é mais emocionante que cantar. Por muito tempo não teve o hábito de anotar a letra de seus sambas enquanto compunha: “ficava cantando várias vezes para decorar”. Não faz a menor ideia da quantidade de sambas de sua autoria e avisa que possui uns 50 ainda inéditos: “tem uma porção aí que fico guardando. Às vezes até esqueço”. Ao compor, prefere se deixar levar pela inspiração: “eu nunca penso, ‘vou fazer um samba falando nisso ou naquilo’. Nasce na minha cabeça. Não gosto de fazer nada encomendado”. Famoso por seu porte de gentleman e sua fala mansa, afirma que a única coisa que o tira do sério é “quando fazem sacanagem” com a sua escola.

Torcedor do América “até morrer”, tem como hobby assistir futebol , ver novela com a esposa e bater papo com os amigos no boteco, mas só fica no refrigerante, já que parou com o álcool há 30 anos. Católico, “mas não fanático. Peço que Deus me dê força pra continuar aquilo que estou fazendo, não almejo muita coisa não”. Tem como seu maior sucesso a música Coração em Desalinho, cuja melodia surgiu quando ia fazer um samba para a Unidos do Jacarezinho em enredo homenageando Paulo da Portela, mas que acabou desistindo. “Parece que foi Deus, porque eu tenho certeza que Deus me ajuda muito. Deve ter colocado na minha cabeça: rapaz, sai fora, larga isso pra lá. Se eu botasse o samba, não ia acontecer o Coração em Desalinho”. E afirma que para disputa de samba enredo “pendurou as chuteiras”.

Pela Portela, além das maneiras aqui já citadas, desfilou em comissão de frente na década de 80 (vencedora do Estandarte de Ouro) e em carro alegórico, posição em que também viveu seu pior desfile, em 2005, quando a última alegoria da escola quebrou e fecharam o portão deixando os componentes da velha guarda, lá presentes, para trás. “Pulei do carro e saí correndo quando eu vi aquele clarão. Cheguei lá, passei e fecharam o portão. Todo mundo olhando pra minha cara, aquela tristeza, os repórteres querendo falar comigo, a voz não saía. Só pensava em: minha escola vai descer…”, mas não desceu. Prefere sempre assistir a apuração de casa e diz que só se mete na política da escola quando vê “covardia”.

Monarco o grande homenageado do prêmio Plumas & Paetês Cultural de 2016 – Foto: Marcos Mello

Depois de ser enredo da Unidos do Jacarezinho em 2005 e um dos homenageados da União do Parque Curicica em 2015, foi o grande homenageado do prêmio Plumas & Paetês Cultural de 2016. Além disso, viu sua vida e obra desfilarem, em 2016, na escola-mirim Filhos da Águia (que exaltou também Clara Nunes) e, em 2017, na Lins Imperial, escola que subiu pro grupo B após a apuração. Um monarca que não nasceu em berço de ouro, cujo nome artístico é inspirado em um príncipe de gibi, atual presidente de honra da Portela e que merece toda nossa reverência.

 

Tiago Ribeiro é mestrando em arte, jornalista, carnavalesco da Lins Imperial e editor da revista do prêmio Plumas & Paetês Cultural.
Obs: Este texto (adaptado) foi originalmente publicado na Revista do Plumas & Paetês Cultural, no carnaval de 2016. Através da matéria, seu autor foi convidado a desenvolver o enredo sobre Monarco na Lins Imperial, para 2017, escola onde permanece como carnavalesco.

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