Antes mesmo de a Estação Primeira de Mangueira imbicar na passarela para o desfile de 2019, muitos questionavam a qualidade do projeto desenvolvido pelo carnavalesco Leandro Vieira. O enredo daquele ano, Histórias para ninar gente grande, foi um dos mais difíceis de se realizar, em termos de bastidores e aceitação. Até hoje, muitos que se colocam publicamente como entusiastas do carnaval campeão da Manga, durante a preparação eram contrários a tudo que estava sendo feito. Não enxergavam beleza, tampouco competitividade.
As pessoas também não gostavam do samba, uma estrutura nada ortodoxa, inesperada, que rompia uma série de paradigmas. Chamavam de curto, sem potência por não ter refrão do meio. O temor era apresentar uma estética desconstruída demais junto a um enfrentamento político demais — com citação direta ao nome de Marielle. Eram artigos perigosamente explosivos para o gosto médio aceitar.
Em 2019, a Mangueira entrou com alegorias 40% menores que as da luxuosa Unidos de Vila Isabel e da pirotécnica Unidos do Viradouro. Resultado: com seus carros miudinhos, a Verde e Rosa foi um verdadeiro trator. Campeã com louvor, e seria unânime, não fosse por aqueles que querem o fim do nosso manifesto — e também dos que não dão seus braços a torcer.
A Vila tinha o mais espetacular abre-alas dos últimos anos; a Viradouro tinha a criatividade renascida de Paulo Barros.
A Mangueira tinha uma catarse coletiva.
E a história se repetiu ontem: o desfile do Império Serrano foi um acontecimento, daqueles que a gente vai guardar em algum bálsamo da nossa memória. Reformulada e reinventada, a Serrinha de Mangangá foi a purgação da nossa alegria.
Desfile enxuto e compacto, mas do melhor chão que pisou até agora na Marquês de Sapucaí. Carros pequenos, mas de detalhes riquíssimos e acabamento irretocável, superior a muitas escolas do grupo de cima. Havia quem já comemorasse o ascenso garantido, até o sorriso murchar com a entrada da provável campeã da nova Série Ouro. Ontem, o Império de Leandro, Vitinho, Patrick, Nego e Igor Vianna, Matheus e Verônica, Feital e cia. chegou como escola do acesso; desfilou e saiu como escola do Especial. Impecável, arrebatadora e imponente.
Menos opulenta que suas adversárias; mais quente que todas.
Não tem muita explicação. Nunca tem. Quando uma comunidade se apropria de um enredo, não há nada que nós, meros mortais espectadores, possamos fazer, senão apreciar, extasiados, a explosão indomável.
Leandro gosta do carnaval da estética submetida ao discurso. Dos figurinos como “bandeiras para vestir”, como gosta de dizer. Para ele, se o carnaval não for o mais opulento, o mais agigantado, que seja o mais pertinente. E entre a estética e a pertinência, por mais que muitos não queiram admitir, a pertinência tem sobressaído. De Marielle à Mangangá, sobrevive o grito popular: a garganta chega onde o investimento não pode alcançar.
“O discurso é de contra narrativa, encontra uma estética não normativa para o desfile oficial. São alegorias não normativas para o universo carnavalesco, da beleza pela beleza. Propor coisas que não são necessariamente bonitas, talvez até uma antiestética carnavalesca, é um desdobramento bacana que eu gosto bastante”, afirmou o carnavalesco.
Em 2019, o Brasil precisava do desfile da Mangueira. Ontem, o Brasil também precisava do Império Serrano. E quando as coisas precisam acontecer, parceiro… as forças brotam de um jeito que a gente nem imagina.
Filho de faísca é fogo. Se tem Leandro, vai incendiar. Com ou sem tamanho.
E o povo do Especial que se cuide: hoje ainda vão passar uns certos Angenor, José e Laurindo.