Carnavalesco Paulo Barros - Foto: Cristina Frangelli/ Site Carnavalizados

Série Barracões 2020: cercado de expectativa, Paulo Barros arquiteta os sonhos da Tijuca na Sapucaí

Manda avisar lá no Borel que o “ômi” voltou. Depois de cinco anos, Paulo Barros está de volta à Unidos da Tijuca, escola que o projetou no Carnaval. Após o vice-campeonato com a Viradouro em 2019 — em um desfile muito aclamado pelo público do Sambódromo —, o carnavalesco retorna para sua terceira passagem na escola do pavão, onde conquistou três títulos.

Na última semana, o bem-humorado Paulo Barros abriu seu barracão para a imprensa e concedeu-nos entrevista coletiva. Entre marteladas, barulhos de serras e sirenes, Barros falou um pouco sobre seu regresso, seu trabalho em São Paulo com a Gaviões, e sobre o enredo da Unidos da Tijuca para 2020. Quarta escola a desfilar na segunda-feira de Carnaval, a agremiação azul e amarela levará para a Sapucaí o enredo Onde moram os sonhos, que homenageará a arquitetura e o urbanismo.

Otimismo (e um pouquinho de superstição) marcam a volta do carnavalesco

Não há um tijucano nesse mundo que não saiba que Paulo Barros está de volta à Unidos da Tijuca. E não é pra menos: junto com o carnavalesco, a escola conquistou três de seus quatro títulos no Grupo Especial, motivo que por si só já deixa qualquer torcedor amarrotado de tanta ansiedade. Foram três canecos em cinco anos, o período mais vitorioso da história da Tijuca e também da carreira de Paulo.

A identificação com o estilo “pop” e ousado do carnavalesco também criou um laço especial com a comunidade. Somando isso ao fato de que, com Paulo Barros, a Unidos da Tijuca nunca ficou de fora do Desfile das Campeãs, a expectativa e o otimismo só aumentam, principalmente porque a escola do Borel não fica entre as seis melhores desde 2016. Logo, não é surpresa que todos anseiem por um grande desfile, e esperem que o carnavalesco coloque a escola novamente no trilho dos títulos. Mas Paulo Barros prefere manter distância da alcunha de “salvador da pátria”.

“Eu não posso ser responsabilizado pelo título. Acho que estão colocando a responsabilidade toda nas minhas costas. Podem tirar! Vocês que se virem com as expectativas de vocês. [risos] É tipo técnico de futebol, quando ganha o técnico é ótimo; quando perde, o carnavalesco não presta”, afirma.

Durante toda a entrevista, o carnavalesco frisou que o título não deveria ser visto como único critério de reconhecimento e de sucesso de um trabalho. Para ele, às vezes vale mais o sabor do desfile ovacionado do que o rótulo do título propriamente conquistado.

“Será que [o título] é tão importante assim? É lógico que é, sem dúvida nenhuma. Mas te garanto que o resultado final do trabalho sendo reconhecido é muito mais emocionante. O que eu poderia querer mais, se eu saio de um desfile com todos os elogios possíveis? Eu não vou esquecer o desfile da Viradouro [em 2019] nunca, por exemplo. Eu senti muita gratidão. Nunca vou esquecer isso. Então, eu faço um trabalho para passar alegria. Faço meu enredo para que as pessoas se divirtam, tomem susto, se surpreendam. Essa resposta das pessoas é meu caneco.”

Mesmo driblando as expectativas, Paulo Barros não impede o tijucano de sonhar. Sonhos que moram no Borel que possuem estruturas inabaláveis. Inclusive, para os supersticiosos de plantão, as muitas coincidências que cercam a volta de Paulo Barros à Tijuca em 2020 servem de combustível para ainda mais otimismo.

A começar pelo ano: em 2020 completam-se dez anos do enredo É Segredo, desfile campeão da Unidos da Tijuca, em 2010, marcado pela antológica Comissão de Frente das trocas de figurino. Outra coincidência: todos os títulos de Paulo Barros com a agremiação foram conquistados em anos pares (2010, 2012 e 2014).

“Passados 10 anos, é claro que vem a lembrança daquele desfile de 2010. As datas na minha vida tem sido algo engraçado mesmo. Mas não acredito muito [em coincidências]. Não acredito muito em destino também. Até gostaria de acreditar, pois ganhei Carnaval aqui sempre em ano par. Queria ter ganhado em 2016, porque aí seria mais uma coincidência, a de ano sim, ano não! [risos]

Perguntado sobre a Comissão de Frente de 2010 e as surpresas na apresentação de 2020, o carnavalesco brincou e deu algumas pistas:

“Essa Comissão [de 2010] é um problema que eu arrumei na minha vida, né? [risos] As pessoas acham que todo ano eu tenho que fazer uma coisa cada vez mais maluca que a outra. Eu não tenho uma gaveta onde eu tenha uma porrada de ideia maluca guardada. Até porque Comissão de Frente está ligada ao enredo. Então não adianta criar uma comissão bombástica se ela não se encaixa no enredo. A [Comissão de Frente] desse ano, por exemplo, está ligada diretamente ao enredo. Posso adiantar que é uma comissão que está me dando bastante trabalho. É bem técnica, depende de alguns mecanismos, mas a estética que pretendo causar com ela é mais de beleza que de surpresa. E o Carlinhos de Jesus está tão enlouquecido quanto eu! Se eu estou maluco, ele está mais ainda!”, revela o carnavalesco, gargalhando.

Detalhista, chato, enjoado, porém mais calmo

Aos 57 anos, muita coisa mudou em Paulo Barros desde a sua primeira passagem pela Unidos da Tijuca, onde deu seus primeiros passos como carnavalesco no Grupo Especial. De lá pra cá, Barros assume que o lado brigão está menos evidente, e que a preocupação com os detalhes é algo que só piora (segundo ele, no bom sentido).

“A rabugice está melhorando [risos]. Acho que a idade me trouxe mais calma, mais tranquilidade. Eu estourava muito fácil quando era mais novo. Mas continuo detalhista, chato, enjoado. Meu aprendizado veio exatamente de botar a mão na massa. Porque isso é uma engrenagem que tem que funcionar, então tenho que ficar de olho em tudo.”

Realmente, Paulo Barros está de olho em tudo: durante a conversa, o carnavalesco não parava de olhar para a janela. E, muito provavelmente, foi a tranquilidade que a experiência lhe trouxe que o impediu de descer as escadas quando ouviu o barulho de algo caindo lá embaixo.

“Barracão feio é comigo mesmo”

Assim como em anos anteriores, foi praticamente impossível visualizar no barracão o projeto da Tijuca para 2020. As estruturas erguidas por Barros sempre causam a impressão de que ainda falta alguma coisa, e constantemente são alvo de burburinhos. Porém, é justamente por conhecer o notório trabalho do carnavalesco que as pessoas não se preocupam tanto, pois sabem que há alguma coisa por trás, ainda que não se possa ver.

Questionado justamente sobre os ferros inacabados e o andamento aparentemente atrasado do barracão, Paulo Barros afirmou que isso é normal, pois ninguém consegue ver suas ideias direito nas instalações da Cidade do Samba. Mas quanto mais falarem de seu suposto atraso, melhor.

“A gente não é bobo. A gente sabe que a grande fofoca é que a Tijuca está inacabada, que os carros estão no osso. Mas eu já fiz carro de lata de ferro, de lata de tinta, de jornal… o grande não é prazer. Um carro e uma ala estão sendo montados apenas com lixo. Qualquer enredo meu é assim, ninguém consegue ver o que é no barracão.”

  “O meu barracão sempre é motivo de fofoca antes dos carnavais. Estou acostumado. As pessoas pré-julgam o que elas estão vendo, mas o grande prazer está em engolir esse sapo e fazer um grande desfile. Se você olhar aqui [na Cidade do Samba], o meu barracão é esquisito mesmo. Nossa, é muito esquisito. De 2003 pra 2004 era mais complicado porque não tinha provado p*** nenhuma ainda pra ninguém. Gente, o [carro do] DNA [em 2004] foi assim. Todo mundo fez a mesma cara de ‘que merda é essa?!’. Porém é essa pegada que me traz a confiança das pessoas, que reconhecem que ‘isso é feio pra cacete, mas é algo que presta’.”

Confira outros trechos da coletiva:

Alegorias

 Eu procuro fazer alegorias sempre muito diferentes umas das outras. Cada um sempre tem um carro preferido. São carros muito fortes no design e ficam na memória. Tenho até o problema de não poder usar essas estruturas nunca mais [risos]. As pessoas lembram o que é do ano passado. Lógico que costumo usar algumas fórmulas estruturais: por exemplo, eu faço o desfile para ser visto de lado. Meus carros se repetem de um lado e do outro. Não dou muita confiança para frente de carro. Eu preciso me preocupar com toda uma parafernália para julgamento, mas a minha receita de fazer carro é muito emblemática porque cada carro é muito diferente do outro.

Estou aprendendo muita coisa em São Paulo, montagens de alegorias de maneiras diferentes. Eu tenho condições de fazer carros muito mais facilmente lá do que aqui. Aqui eu tenho um maldito viaduto e uma maldita passarela que me limitam. Aqui é um sofrimento, eu passo por túnel, por árvore, buraco.  A estratégia do Sambódromo [de São Paulo] estar perto da Fábrica do Samba [a Cidade do Samba de SP] também facilita.

O carnaval lá é vertical, eles têm essa tara por altura. Um carro lá chega a 18 metros fácil. Eu tive que convencê-los de que não é bem assim. Mas eu vou tirar o tesão dos caras e fazer um carro baixo? Não, eu fiz o carro alto. Mas fiz dentro da realidade e dentro das possibilidades que eles têm, um projeto possível de terminar. Então é um carnaval da maneira como eles gostam, mas com a minha pegada.

Detalhes Barracão Tijuca- Foto: Cristina Frangelli/ Site Carnavalizados

Detalhes Barracão Tijuca- Foto: Cristina Frangelli/ Site Carnavalizados

Detalhes Barracão Tijuca- Foto: Cristina Frangelli/ Site Carnavalizados

Verba da escola

 — É preciso se adequar à realidade do que se tem. Não adianta criar um projeto para gastar o que não tem. Cada um sabe onde dói sua ferida. Então é preciso fazer carnaval dentro da realidade. Cabe ao carnavalesco criar soluções pra que esse projeto caiba dentro do orçamento que a escola ofereceu. Meu trabalho, de um modo geral, não muda nada. O projeto artístico e plástico da escola permanece o mesmo, porque antes de ir para o papel eu já vou conversar com ele [Fernando Horta, presidente da Tijuca] sobre o que é possível fazer. Então eu não faço adaptação, eu faço apenas criação.

Samba encomendado

(a escola, que sempre se destacou pela qualidade de seus sambas, para 2020 encomendou seu hino; o samba é assinado pelas feras Jorge Aragão, Dudu Nobre, André Diniz, Fadito e Totonho)

Eu não entendo nada [sobre samba]. A minha interferência e capacidade de julgamento musical é zero. A minha função é ler o samba e ver se ele se adequa ao enredo. O samba não precisa ser descritivo, ele deve ser pontual no enredo. O regulamento é muito claro nisso.

Só sei que eu gosto. Pra mim, é o melhor samba que eu já trabalhei. Não sei se ele vai servir para o desfile. A gente tem o samba do disco, da quadra e da Avenida. Quantos sambas julgados belíssimos afundaram no Sambódromo? Espero que não seja o caso. A encomenda do samba é estratégia do presidente Horta, justamente para ter um samba que servisse bem ao desfile.

Os setores do enredo

 O Rio foi eleito a Capital Mundial da Arquitetura. O enredo vai ser levado principalmente a partir disso. Só que, para falar disso, a gente tem que falar um pouco do passado. Então, o primeiro setor vai fazer referência a esses povos milenares que nos deixaram de herança o Partenon, o Coliseu, as pirâmides do Egito, etc. No segundo setor, vamos falar da história da chegada da arquitetura ao Brasil, através dos portugueses. O português trouxe a herança do barroco pra gente, mas o barroco brasileiro tem a característica de ser totalmente diferenciado do barroco do resto do mundo, à exemplo de Aleijadinho. O setor fecha no ápice da modernidade, a partir da obra de Oscar Niemeyer.

 O terceiro setor é uma reflexão acerca do que deu errado na arquitetura. Pois o arquiteto hoje deve estar preocupado, não apenas em desenvolver um projeto de design, mas um projeto autossustentável, que se preocupe com o meio ambiente, com energia, com toda a parte urbanística ao redor. O que acontece com as grandes cidades hoje? A grande maioria se transformou num caos. As cidades não foram preparadas para escoar água de enchentes e lixo. Todas essas mazelas que o homem ignorou ao construir nossa história através da arquitetura. E a gente toca justamente nesses pontos no terceiro setor, para que esses erros não aconteçam mais. Por fim, o quarto setor traz um Rio de Janeiro nesses moldes de projeto de futuro.

Nova geração de carnavalescos

 Eu não os conheço, conheço apenas por nome. Eles estão surgindo e precisam surgir. Só não sei se eles pegam no pesado como eu pegava [risos]. Não é que minha vez esteja passando, mas uma hora vai passar. O novo precisa aparecer. Tem que vir e faz parte da história do Carnaval, esse processo de evolução. E eu estarei lá como comentarista para meter o malho neles [risos] ou elogiar, tô brincando.

Carnaval em São Paulo

 Eu estou três anos mais velho [risos]. Eu perdi três anos da minha vida com essa ponte aérea entre Rio e São Paulo. Mesmo com o Paulo [Menezes] tocando mais lá. Mas a minha grande ajuda para administrar Rio e São Paulo foi o que a modernidade me trouxe: esse santo chamado celular. Através do WhatsApp eu consigo controlar tudo o dia inteiro. É espetacular. Hoje, se eu não tivesse isso, piraria. Mas vou lá toda semana.

A estrutura para trabalhar é um pouco diferente, eu tive que fazer uma adaptação da minha maneira de trabalhar. No começo eles estranharam um pouco, no sentido de se adaptar. Mas algumas coisas tive que fazer para poder fluir, senão eu não consigo andar, se as coisas não estivessem sendo conduzidas da maneira como eu costumo executar.

Gaviões

Fazer carnaval para uma escola de torcida é uma maluquice! Mas uma maluquice no bom sentido. Eu fiz até “poropopó” na quadra, cara. É uma maluquice muito legal. Uma paixão doida, e é estimulante.

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