Foto: Gabriel Cardoso

Série A encerra seus desfiles em noite espetacular

Quem acompanha os preparativos do carnaval ao longo do ano sabe que a festa passou por um período de aflição que colocou em xeque a qualidade dos espetáculos, com Escolas encurraladas pela crise, corte de verbas, falta de patrocínios. Porém, eis que o Grupo de Acesso encerrou sua segunda noite de desfiles com alto nível. O balanço geral das treze agremiações que se apresentaram na sexta e no sábado é muito positivo, mostrando que, mais uma vez, precisamos aplaudir os artistas que fazem esse show acontecer, com ou sem dinheiro, sem perder a capacidade de encantar os espectadores.
A noite de sábado guardava grandes expectativas e entregou grandes realizações como prometido. Sete Escolas atravessaram a Marquês de Sapucaí em busca do campeonato. Foram elas: Alegria da Zona Sul, Santa Cruz, Viradouro, Rocinha, Cubango, Inocentes de Belford Roxo e Unidos de Padre Miguel.

G.R.E.S. Alegria da Zona Sul

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Carnavalizados

Primeira a desfilar na noite de ontem, a Alegria da Zona Sul caprichou no visual e na utilização de materiais alternativos para homenagear Luiza Mahin, uma mulher guerreira vinda da tribo dos Malês, símbolo da resistência e da fé, que participou de uma revolta de escravos na Bahia. O título do enredo, assinado pelo carnavalesco Marco Antônio Falleiros foi Bravos Malês! A saga de Luisa Mahin.

“Alegria é resistência, faz o sonho florescer”. Com essa pegada do samba-enredo que a escola do Pavão Pavãozinho e Cantagalo desenvolveu sua história para Sapucaí, dividida em quatro alegorias, 15 alas e 1000 componentes.
Com uma paleta de cores em degradée do roxo, vermelho e rosa, até chegar aos tons de amarelo e terra, as fantasias representaram a história de coragem e valentia da negritude que almejou um Brasil livre da escravidão e das desigualdades sociais.

O começo do desfile levou os olhos dos espectadores à África, com um primeiro setor voltado à personagem central, Luiza, e os voduns da criação, tendo como Abre-Alas o Templo das Serpentes. A Comissão de Frente apresentou o Xirê, um ritual místico.

No segundo setor a Alegria nos levou à Bahia, com um retrato da africanidade instaurada neste canto do Brasil.
O terceiro setor do desfile veio com o carro da guerra, que retratou a Revolta dos Malês, um levante de negros de origem islâmica ocorrido em Salvador, no século 19. Um grupo de atores representou nesta alegoria uma intensa luta, com a presença de Luiza.

O quarto e último setor da Escola trouxe ao público o carro da Casa da Sabedoria e as poesias de Luís Gama, um importante abolicionista da história e literatura brasileira.

 

G.R.E.S. Acadêmicos de Santa Cruz

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Segunda Escola a abrilhantar o palco do samba no sábado, a Santa Cruz apresentou o enredo No Voo Mágico da Esperança, Quem Acredita, Sempre Alcança.

“Quem dera eu escrever o meu futuro. Que o planeta fosse um lugar mais puro. E o amor o combustível para caminhar. Que meu Brasil, se torne o país das maravilhas. Tão belo como cantam as poesias. No verde e branco, é só acreditar”.

Com essa subida para o refrão, a Acadêmicos de Santa Cruz cantou a esperança, na busca de dias melhores para o povo brasileiro. Com o experiente e vitorioso carnavalesco Max Lopes, a agremiação apostou na originalidade para alcançar a sua vaga no grupo de elite do carnaval.

Uma das grandes expectativas para o desfile foi a de poder ouvir novamente a voz e os cacos do intérprete Quinho, um dos mais populares do carnaval. Gritando “que saudade de vocês, setor um!”, o puxador arrepiou e elevou o clima do desfile antes mesmo de começar a apresentação.

No primeiro setor, intitulado Contos de Esperança e Magia, a Escola trouxe o sonho de criança, dos contos de fada. Um universo lúdico para um enredo que pretende sonhar com o futuro melhor. E por falar em sonhar, o Abre-Alas veio guiado por uma esperança gigante. Na Comissão de Frente a caixa de Pandora foi aberta.
Em seguida, Max Lopes apresentou um setor sobre os amuletos, onde vimos figas, ferraduras e guias. A maior alegoria da Escola veio neste setor. Uma grande carruagem à frente, com uma tenda cigana ao fundo e, ainda, uma fogueira cenográfica.

A fé esteve representada no setor seguinte, sobre misticismo e religião. O carro veio com uma grande figura de Iemanjá e efeitos com água, numa alusão aos festejos de ano novo, em que são feitas oferendas à Rainha das Águas em troca de boas realizações.

No último setor a Santa Cruz trouxe um carro com uma escadaria e componentes coreografados, em um encerramento que sugere que o Brasil precisa se tornar o País das Maravilhas. O segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira passou pela Avenida no mundo dos sonhos, com ele vestido de chapeleiro e ela, de Alice.

 

G.R.E.S. Unidos do Viradouro

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

A terceira Escola a desfilar era uma das mais aguardadas do carnaval. Isto porque a Viradouro vem confiante desde o último ano que o título de 2018 será seu. E essa confiança transbordou pela comunidade e fez o desfile transcorrer com a força de uma campeã. O chão veio brincando e cantando com garra e disposição, embalados pela voz animada do talentoso intérprete, Zé Paulo Sierra.

Belas alegorias, com grande riqueza de detalhes, e fantasias bem elaboradas mostraram que a Escola veio fazer uma exibição digna do Grupo Especial. Apostou todas as suas fichas no luxo e na grandiosidade para encantar a Avenida.
Depois de excelentes carnavais à frente da Unidos de Padre Miguel, o carnavalesco Edson Pereira realizou seu primeiro desfile pela Unidos do Viradouro, elaborando o enredo Vira a Cabeça, Pira o Coração. Loucos Gênios da Criação. A Escola de Niterói defendeu a loucura da criação a partir do olhar de inventores que foram considerados loucos em sua época, mas que mudaram o mundo.

Na Comissão de Frente um grupo de cientistas se esforçou para vender seu experimento: uma máquina da juventude.

O Abre-Alas trouxe uma síntese do enredo, característica do trabalho do carnavalesco, fazendo um apanhado geral do começo ao fim. Maior alegoria que a Escola levou em seu desfile, o carro trouxe muitas engrenagens e engenhocas, com predomínio do dourado e uma grande escultura de um louco, gênio da criação, imagem que define o enredo. Infelizmente, a parte de trás da alegoria passou apagada por toda a Avenida.

No segundo setor a opção foi por apresentar um gênio brasileiro. Santos Dumont foi o louco nacional escolhido para desenhar a proposta da Escola. E foi este personagem que ganhou destaque na segunda alegoria.

O terceiro setor foi uma aposta nos gênios da ficção científica, onde foram pontuados elementos do cinema com uma atmosfera científica. O carro que compôs este trecho foi um grande castelo, com jardins nas laterais e adereços que remetem à química e à ciência, como tubos de ensaio e balões volumétricos.

No quarto e último setor, o público assistiu a uma comparação entre o amor enlouquecido e o amor entre o Pierrot e a Colombina, uma história de que simboliza todo o amor ao Carnaval. Convencida a batalhar arduamente pelo título, o último carro investiu no luxo e nos detalhes. Todo nas cores da Escola. Nele, além das esculturas do casal mais famoso da festa de Momo, foi possível ver o símbolo da Viradouro em destaque.

 

G.R.E.S. Acadêmicos da Rocinha

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Campeão com o Império Serrano no ano passado, o carnavalesco Marcus Ferreira assumiu os pincéis da Acadêmicos da Rocinha e fez uma homenagem à J. Borges, considerado o maior xilógrafo do país, e aos 110 anos da Xilogravura no Brasil. O enredo, “Madeira Matriz”, fez um passeio pelo agreste pernambucano e por sua arte.

A Comissão de Frente tratou das festividades de Bezerros, cidade natal do homenageado no enredo.

No primeiro setor a Escola apresentou o contato que J. Borges teve com a literatura de cordel, fundamental para o nascimento da sua arte. Borges trabalhava em uma carpintaria quando teve a ideia de ilustrar os folhetins, que eram o grande meio de comunicação com a zona rural pernambucana. Foram apresentadas as feiras para as quais eram destinadas as xilogravuras, através das baianas como vendedoras de frutas e de outros personagens que cruzaram a Passarela do Samba, como os vendedores de piões, os vendedores de balões, os vendedores de lápis e madeira.
No segundo setor a borboleta da Zona Sul trouxe a lida rural pernambucana, com cortadores de cana, a quebra de milho, plantio do algodão. Também a questão sertaneja dos retirantes, que veio retratada no segundo carro.

O terceiro setor levou para a Marquês de Sapucaí dois temas importantes na literatura de cordel e xilogravura: o teor cômico e a religião. Vários santos católicos foram gravados na madeira e a Escola não poderia deixar isso passar despercebido. Assim, a religiosidade e os “causos” do sertão foram devidamente retratados. O carro que compôs este setor trouxe a chegada de Lampião ao inferno.

O último setor foi destinado às festas que foram gravadas na xilogravura. Foram lembradas as manifestações religiosas e folclóricas, principalmente de Bezerros, cidade natal de J. Borges, o homenageado. Foram vistas cirandas, o bumba-meu-boi, cavalo marinho, festas juninas. E, por fim, claro, o carnaval, com a figura dos papangus, que são como bate-bolas, que tem uma identidade folclórica muito grande com o sertão pernambucano. Os papangus foram uma grande coincidência com a Escola, relatou Marcus Ferreira, visto que a maioria das suas máscaras tem borboletas estampadas, o símbolo máximo da agremiação.

A Rocinha apresentou alguns problemas na execução do seu desfile, o que pode lhe custar alguns pontos negativos.

 

G.R.E.S. Acadêmicos do Cubango

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Carnavalizados

Foto: Carnavalizados

Quinta Escola a desfilar, a Cubango fez um belo trabalho com o enredo O Rei que Bordou o Mundo, uma homenagem ao artista Arthur Bispo do Rosário, desenvolvida pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora.
A Comissão de Frente, intitulada Senhores do Labirinto, bordou em cena uma das obras do Bispo, ao desfraldar uma bandeira que representava uma importante criação sua.

No primeiro setor, voltado à “Ode Marítima” a alegoria colocou as velas ao mar e deixou o vento levar sua embarcação pela Marquês de Sapucaí. Esse Abre-Alas foi inspirado na obra de Arthur, “O Grande Veleiro”.

O segundo momento do desfile foi voltado à “Peregrinação”, tendo como objetivo conduzir o público pela relação existente entre as obras do Bispo do Rosário e templos religiosos. A Alegoria que integrou o setor retratou o desacordo entre o luxo do Mosteiro de São Bento e o horror das celas dos manicômios, onde o artista foi internado.
No terceiro setor os carnavalescos desenvolveram um “Inventário” sobre o artista, planejando em alas a sua biografia. O terceiro carro alegórico representou a visão alucinada que Arthur Bispo do Rosário tinha da cela em que vivia na Colônia Juliano Moreira, manicômio que acreditava ser um castelo medieval.

Em um regresso biográfico, o último carro que a Cubango colocou na Avenida recriou as origens do Bispo, de origem quilombola, nascido na região canavieira de Japaratuba.

Com um samba leve e convidativo, entoado por Evandro Malandro, e um ritmo cadenciado, definido pela bateria Ritmo Folgado, do Mestre Demétrius, a Cubango conquistou o canto consistente da sua comunidade, fazendo do chão um ressoar do carro de som.

 

G.R.E.S. Inocentes de Belford Roxo

Foto: Pablo Sander

Foto: Pablo Sander

Foto: Pablo Sander

Penúltima Escola a desfilar pela Série A, a Inocentes de Belford Roxo fez uma homenagem ao município de Magé, com o enredo Mojú, Magé, Mojubá. Um problema com o último carro da Acadêmicos do Cubango na dispersão provocou um pequeno atraso no seu desfile. O samba já seguia em execução no esquenta da bateria quando o presidente pediu a pausa até que a falha do desfile anterior fosse solucionada e a liberação da pista fosse dada pela Lierj. O pequeno intervalo, entretanto, não esfriou a bateria do mestre Washington, que voltou empolgada com o início oficial da exibição.

O pontapé inicial ficou por conta da Comissão de Frente “As Abayomi”, com bailarinas que representavam bonecas feitas pelas mães africanas para acalentar seus filhos durante as viagens a bordo de navios negreiros.
O primeiro setor seguiu com a temática africana, trazendo como Abre-Alas o carro “Olodumaré”, que representou a busca pela ancestralidade negra através da musicalidade dos rituais, dos tambores.

O segundo setor viajou “Pelos Caminhos da Fé”, com uma alegoria que homenageou as tradições religiosas de Magé.
Para o terceiro setor, o carnavalesco Wagner Gonçalves preparou um desenvolvimento histórico da cidade homenageada. A alegoria apresentou a relação entre os ciclos econômicos que interligaram a história do Brasil a Magé.

Por fim, em alas e na alegoria final, a Escola apresentou a cultura de Magé, com as folias de reis, a arte de Heitor dos Prazeres e, até mesmo, o futebol das pernas tortas de Garrincha.

 

G.R.E.S. Unidos de Padre Miguel

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

O último desfile da série A era também um dos mais aguardados do ano. Depois da apresentação arrebatadora do carnaval de 2017, prejudicada pelo acidente com a porta-bandeira, Jéssica Ferreira, a Unidos de Padre Miguel conquistou o público e despertou curiosidade e ansiedade dos espectadores.

Com a potência do intérprete Pixulé, a UPM, como é carinhosamente conhecida, iniciou sua apresentação com a força e a vontade de ocupar o Grupo Especial no próximo carnaval. Para tal, o carnavalesco João Vitor Araújo desenvolveu luxuosamente o enredo O Eldorado Submerso: Delírio Tupi-Parintintin, sobre a história dos povos residentes à beira do rio Amazonas e seus afluentes.

Na Comissão de Frente, Pajés evocavam o caboclo ribeirinho, narrador que conduziu o desfile pela Cidade Dourada. O Abre-Alas monumental, de 45 metros em azul e dourado, que a Escola levou para a Avenida chamou a atenção de longe. Um trabalho de luxo, grandiosidade e riqueza de detalhes seguido nas alegorias seguintes. Nele o carnavalesco representou o eldorado submerso, a Cidade Dourada subaquática que guarda a ancestralidade amazônica.
O segundo setor tratou das visões da criação e da formação do rio Amazonas. Assim como na primeira alegoria, o uso de água para contar a história do universo submerso se fez presente.

No terceiro setor, João Vitor preparou os seres delirantes do folclore amazônico: o pirarucu, o peixe-boi, o tucunaré e a sereia. Encerrando o setor, uma grande escultura representando o castelo da Yara.

Para fechar o desfile, a Unidos de Padre Miguel trouxe outra festa para dentro do carnaval, com a representação dos bois Garantido e Caprichoso. O festival de Parintins conta anualmente as lendas da Amazônia que a Escola da Zona Oeste apresentou, de modo que foi uma homenagem justa misturar o Sambódromo com o Bumbódromo.

E assim, nos despedimos da Série A, após duas noites de desfiles e muita energia. Alguns problemas foram enfrentados pelas agremiações, mas nada que pudesse ofuscar o brilho e a alegria da festa. Os trabalhos foram feitos e a sorte está lançada. Mas até que chegue o momento da apuração, ainda temos muita festa pela frente. Começam na noite de hoje (domingo, 11) os desfiles do Grupo Especial. Que venham muitas surpresas pela frente! Um bom desfile a todas!
E o Carnavalizados segue acompanhando e trazendo a Marquês de Sapucaí até você.

 

Por: Ruan Rocha, Gabriel Cardos, Pablo Sander, Cristina Frangelli

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