Foto: Carnavalizados

Palco reaberto: seis Escolas fazem a alegria do público na primeira noite de desfiles da Série A

Tão logo entramos em 2018, a cidade do Rio de Janeiro já vestiu sua fantasia e coloriu-se de penachos e muito glitter. O carnaval tomou as ruas e a alma do povo, que tem fincadas na festa as raízes da sua cultura popular.
Ainda que inúmeros eventos tenham divertido foliões por diferentes pontos da cidade, o clima era pura ansiedade para os amantes das Escolas de Samba: o carnaval carioca, afinal, só se completa quando as agremiações e suas comunidades riscam o chão da passarela com seu gingado e canto malandreado, levando o público a uma imersão no maior espetáculo da Terra.

Eis que o grande momento chegou na noite de ontem, com a abertura dos desfiles da Série A, na Marquês de Sapucaí. Seis Escolas cruzaram em cores, luzes e muita alegria, a histórica Marquês Sapucaí. O público assistiu, respectivamente, aos desfiles de Unidos de Bangu, Império da Tijuca, Acadêmicos do Sossego, Unidos do Porto da Pedra, Renascer de Jacarepaguá e Estácio de Sá.

O Carnavalizados, como bom amante dessa folia, atirou-se nos braços de Momo para conferir e trazer aos leitores os pontos principais que coroaram a primeira noite de desfiles no Sambódromo do Rio de Janeiro.

 

G.R.E.S. Unidos de Bangu

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Coube à Unidos de Bangu a missão de abrir as portas para o carnaval na Sapucaí. Primeira a desfilar pela Série A, a Escola apresentou o enredo A Travessia da Calunga Grande e a Nobreza Negra no Brasil, do carnavalesco Cid Carvalho.

A Escola dividiu o seu desfile em quatro setores, compostos por um total de 20 alas. Os 1500 componentes da agremiação da Zona Oeste apresentaram o legado dos negros escravizados a partir da exaltação dos reis e rainhas africanos que foram trazidos para o Brasil.

A Comissão de Frente abriu os caminhos com a representação da coroação de Chico Rei, um rei negro de uma tribo no Congo, que trazido como escravo ao Brasil, comprou sua alforria e de muitos outros negros, o que lhe confere importância na tradição histórica, principalmente em Minas Gerais.

Em seu Abre-Alas a Bangu representou um palácio africano, protegido por um grande leão como um símbolo da realeza da Mãe África. Um carro inspirado no Alafin de Oyó; isto é, no Rei de Oyó vivo, que veio a ser o Orixá Xangô; e na Rainha Nzinga de Matamba.

O segundo setor apresentou a travessia da Calunga Grande. A travessia do Oceano Atlântico, marcada pelo corpo escravizado, mas com sangue de uma realeza naquele instante dominada e destituída. Dedicado à Iemanjá, o segundo carro saudou a Senhora das Águas, que abençoou a travessia, minimizou as dores e recebeu em seus braços os filhos negros que não resistiram à viagem e foram atirados ao mar.

Em seu terceiro setor, a Escola contemplou a chegada ao Brasil e se inspirou nos movimentos de resistência e libertação. Chico Rei apareceu novamente neste momento do desfile, como representação dos quilombos quilombos e da luta pela liberdade.

Por fim, o encerramento do desfile fez-se com uma grande Igreja como símbolo da consagração das manifestações culturais brasileiras, como o maracatu e as congadas. A opção pela coroação do Rei e da Rainha do Maracatu neste último carro foi feita por conta da importância que a cerimônia popular tinha no Brasil colonial, ocorrendo dentro das Igrejas, que eram um símbolo do poder na época.

Em um carnaval marcado pelo embate entre fundamentalismo religioso e preservação da cultura popular, o último carro da Unidos de Bangu soou como um apelo pela convivência pacífica entre a fé e a cultura: um auto de resistência com uma interpretação tão histórica quanto moderna.

Um dos grandes destaques do desfile, como esperado, foi o samba, muito celebrado no período que antecedeu a folia. A comunidade cantou empolgada o “Eabadeiaia”. Um entusiasmo crescente com o ritmo da Bateria Caldeirão da Zona Oeste, comandada pelo Mestre Léo, que fez uma bela apresentação, elevando o clima do início da noite.

A passagem da vermelho e branco da Zona Oeste teve um pequeno problema de evolução, tendo a Escola estourado o tempo em um minuto, o que deve lhe custar um décimo como punição.

 

G.R.E.S.E. Império da Tijuca

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Segunda Escola a desfilar, o Império da Tijuca manteve o tapete africano estendido no desfile anterior; desta vez, para contar e cantar o enredo Olubajé — Um Banquete para o Rei, desenvolvido pelos carnavalescos Jorge Caribé e Sandro Gomes.

A bateria Sinfonia Imperial chegou ao terreiro acompanhada da comunidade do morro da Formiga e sua garra característica, impulsionadas pela potente voz do intérprete Daniel Silva.

Os elementos alegóricos foram o destaque da passagem do Império da Tijuca pela Avenida. Carros grandes e bem acabados surpreenderam mesmo em um carnaval marcado por dificuldades financeiras por parte das agremiações.
No primeiro setor, o primeiro império do samba trouxe ao público o nascimento de Obaluaiê, com uma comissão de frente que contou a história do filho do sol, da vida e da morte, até o seu mergulho no reino de Olokum, que é o pai de Iemanjá. A Rainha das Águas cruzou a Avenida em um Abre-Alas grandioso, acoplado, em tons de azul e verde, carregando nos braços o Orixá recém-nascido, Omolu.

Senhor da febre, Omolu foi novamente representado no segundo setor, onde a Escola falou do calor, da quentura do sol e da Terra, bem como de doenças endêmicas. Neste setor, o grande carro do Feiticeiro Vermelho trouxe tons fortes dessa cor e muita palha.

O terceiro setor do desfile, intitulado Ninguém Vive Só, a verde e branco da Tijuca fez uma saudação à família, com todos os orixás integrantes da família de Omolu: Nanã, sua mãe biológica; Oxumaré; Ossain; Irocko; e Yewá, sua esposa. Esse foi o setor mais colorido que a agremiação trouxe para a Marquês, inspirada no grande arco-íris de Oxumaré.

A conclusão do desfile do Império da Tijuca foi o banquete para o rei, que dá título ao seu enredo. Com o setor O Povo em Busca de Agradecimento lhe Oferece o Olubajé, os carnavalescos apresentaram as oferendas, comidas, bebidas e a grande festa que é o castelo real de Omolu. O carro veio repleto de alguidares com pipoca. Segundo os carnavalescos a ideia foi servir as oferendas para afastar as mazelas e a crise que se abateu sobre o carnaval.

 

G.R.E.S. Acadêmicos do Sossego

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

A terceira Escola a cruzar o portão foi a Acadêmicos do Sossego. Com o enredo Ritualis, a temática religiosa foi mantida, agora a partir de uma viagem pela história dos rituais religiosos e da fé.

Uma curiosidade que chamou a atenção antes mesmo do início da temporada dos desfiles foi o samba escolhido pela Escola de Niterói, que traz uma letra concebida sem o uso de verbos. Um esforço dos compositores que por si só mereceu olhares e ouvidos atentos em reconhecimento ao enriquecimento literário e poético que isso traz à obra. De acordo com os compositores, a ideia de um samba sem verbos era provar que é possível contagiar os componentes sem o uso de palavras-chave e clichês, como “pular”, “cantar”, “bater no peito” etc.

A Comissão de Frente abriu o cortejo representando os Rituais Animistas, com uma coreografia que resgatou a caça e a colheita de sociedades primitivas como um ritual de sobrevivência. Em seu Abre-Alas, o Santuário da Vida trouxe diferentes elementos dos rituais do homem primitivo.

O segundo setor da azul e branco de Niterói retratou os antigos rituais da Humanidade, com um carro que apresentou o embate entre a magia e a repressão da Santa Inquisição.

Para o terceiro setor do desfile, a Escola exibiu os Rituais do Novo Mundo, retratando a era das grandes navegações e os cultos que aportaram na América. A última alegoria veio neste setor como uma súplica de esperança, como um manifesto por paz, respeito e tolerância para o povo negro.

Para encerrar o desfile, a Sossego trouxe para a Avenida os nossos rituais; isto é, os cultos e crenças do povo brasileiro.

Sem grandes luxos, merece destaque no desfile da Acadêmicos do Sossego a bateria do mestre Átila. A Swing da Batalha realizou paradinha empolgante, que convidava a comunidade e o público ao canto, o que provocou uma interação com os espectadores, que levavam o ritmo na palma das mãos.

Uma das cenas mais emocionantes do dia também foi proporcionada pela bateria da Sossego. Por um prodígio à frente dela, na verdade: o filho do mestre Átila, que não conteve a emoção e chorou copiosamente na subida do samba ao lado do pai.

 

G.R.E.S. Unidos do Porto da Pedra

Foto: Carnavalizados

Foto: Carnavalizados

Foto: Carnavalizados

Passamos da metade da noite quando o tigre de São Gonçalo deu seu rugido ao cruzar o setor um. A escola de São Gonçalo, que reviveu as marchinhas no carnaval passado, decidiu manter seu olhar sobre a produção musical brasileira, em uma homenagem às grandes cantoras do Rádio, que marcaram uma era na história da comunicação e da música popular.

Para contar esse período não poderia ficar de fora o glamour que encantava a sociedade da época. O primeiro setor tratou justamente disso, do glamour que envolvia o Rio de Janeiro, capital da República e capital cultural do Brasil, onde tudo acontecia, onde todos queriam ver e ser vistos.

O Rio de Janeiro tinha os melhores cassinos, teatros, boates, hotéis. E tinha também a Rádio Nacional. Por essas razões foram na cidade os grandes concursos do rádio, que a Porto da Pedra fez questão de lembrar no seu Abre-Alas, com referências aos teatros e cassinos das décadas de 40 e 50, predomínio do vermelho e dourado, e protegido, é claro, pelo tigre que é o símbolo máximo da agremiação. A Comissão de Frente representou a apresentação das Rainhas do Rádio para o público, retratando os famosos auditórios dos programas radiofônicos.

Para o segundo setor, o carnavalesco, Jaime Cezário, destacou a mídia que ajudou a promover os concursos. Como a maior mídia da época era a Rádio Nacional, foi o tema central do carro que cruzou a Passarela. Apresentadores que disputavam a audiência no rádio, como Paulo Gracindo, César de Alencar e Manoel Barcelos foram devidamente lembrados. E a Velha Guarda da Escola veio representando o “casting” de estrelas da Nacional.

No terceiro setor o carnavalesco mergulho fundo nos concursos criados pelos agentes culturais da época para escolher a Rainha do Rádio. Relembrou as primeiras disputas, organizadas pelo jornal A Noite, e o momento em que a Associação Brasileira do Rádio assumiu a competição e instituiu o voto popular direto, através da Revista do Rádio, o que determinou o sucesso por todo o território nacional. No carro foram estampadas imagens com as grandes estrelas da Era de Ouro.

Apesar de não existir um concurso para eleger o rei do rádio, Cezário vestiu a bateria Ritmo Feroz, comandada pelo Mestre Pablo, em homenagem aos cantores que reinavam no gosto popular e nos corações e sonhos do público feminino, como Cauby Peixoto. Cauby, aliás, foi a caracterização do mestre Pablo, sempre pronto para surpreender com suas fantasias. Inspirado por um período tão musical, levou sua bateria com uma pegada forte e empolgante que sacudiu o público presente nas frisas e arquibancas.

O encerramento do desfile da Porto da Pedra relembrou os antigos carnavais, onde acontecia a coroação das Rainhas, no Baile do Rádio. A Rainha desfilava em carro aberto e ao chegar ao Baile era coroada pelo Rei Momo. A Escola, então, reuniu a imagem do reinado do rádio com o reinado da folia, promovendo um carnaval dentro do outro.

 

G.R.E.S. Renascer de Jacarepaguá

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

O desfile da Renascer de Jacarepaguá era muito aguardado como um elemento de superação. A Escola sofreu com alguns incêndios ao longo do ano, mas conseguiu fazer um belo carnaval.

A agremiação defendeu o enredo Renascer de Flechas e Lobos, em uma relação de Villa Lobos com a Amazônia, com alusão à obra A Floresta do Amazonas, do Maestro brasileiro.

No primeiro setor, os carnavalescos Raphael Torres e Alexandre Rangel promoveram uma redescoberta da Amazônia. A coreografia da Comissão de Frente retratava a floresta e seus sons, trazendo a evolução de grandes árvores para a Sapucaí. O Abre-Alas, grande e bastante colorido foi uma sensação ao olhar. Retratou o desvendar amazônico pelo maestro através dos rios e igarapés.

A segunda alegoria trazida pela Escola de Jacarepaguá retratou a alvorada na floresta tropical, no setor que exaltou a exuberância. Em seguida a Renascer levou no terceiro carro o Uirapuru, pássaro com um canto ímpar que se transforma em índio, segundo as lendas da mata.

Em um desfile cultural, marcado pelo colorido vivo de alegorias e fantasias, a Renascer trouxe em sua última alegoria uma orquestra de índios regida por uma grande escultura do Maestro Villa Lobos.

 

G.R.E.S. Estácio de Sá

Foto: Carnavalizados

Foto: Carnavalizados

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Última Escola a desfilar, a Estácio de Sá trouxe a força da sua tradição para a Avenida. Com o enredo No Pregão da Folia sou Comerciante da Alegria e com a Estácio Boto Banca na Avenida, do carnavalesco Tarcísio Zanon, a Escola apostou no próprio Estácio de Sá, fundador da cidade do Rio de Janeiro, para conduzir um passeio pela história do comércio popular carioca.

Já no setor um, a bateria do estreante Wallace Martins, conhecido como Gaganja, mostrou que a Escola pisaria forte na Avenida, disposta a lutar pela vaga no Grupo Especial. Ritmo que se manteve até o fim do desfile. Curiosamente, a bateria Medalha de Ouro veio com um andamento um pouco mais abaixo do seu habitual e fez uma bela exibição, com bossas de pressão e bem marcadas. Destaque para os surdos de terceira e as tradicionais caixas de agremiação.
Para o início da apresentação, o carnavalesco reservou o escambo, o “toma lá dá cá” através do qual Estácio de Sá conseguiu o apoio dos índios Tamoio na luta contra os franceses, o que resultou na fundação do Rio de Janeiro. Foi assim que o personagem, fio condutor da história, entendeu que o Rio foi fundado através do comércio.
A Comissão de Frente trouxe para os espectadores os vendedores de alegria, com referências a três tipos de comércio: o troca-troca, o porta a porta e a feira livre.

A prata dos espelhos, facas e tesouras e o vermelho do pau-brasil, elementos do escambo entre portugueses e índios, deram o tom da primeira alegoria, o que coincide com o vermelho e branco do pavilhão da Escola. O Abre-Alas trouxe além do Leão símbolo da agremiação, um índio coberto de espelhos.

O segundo setor retratou o período colonial, com ênfase nos comerciantes de rua, que eram principalmente os escravos de ganho. Segundo Zanon, a inspiração para a realização de alegoria e fantasias veio da obra de Debret, pintor francês que retratou cenas do cotidiano carioca. No carro alegórico, o carnavalesco retratou o Mercado da Praça XV, que foi a primeira estrutura arquitetônica construída para a venda de produtos no Rio.

Os imigrantes foram o ponto central do terceiro setor do desfile. No desenrolar cronológico, nada mais natural que retratar a mão de obra que substituiu o trabalho escravo após a abolição. O público pode reconhecer, então, a região do Saara, famosa pelo comércio popular e constituída por turcos, sírios, libaneses e chineses.

Tão contemporâneo quanto falar do Saara, a Escola trouxe em seguida os novos mercados. Ali foram vistos a Feira de São Cristóvão, o Mercadão de Madureira, a Cadeg, os supermercados. Por fim, apresentou o comércio eletrônico. O universo online onde as trocas acontecem de forma crescente.

Com um desfile imponente e empolgante, a Escola fez a sua festa e vendeu o seu produto. Segundo o carnavalesco, o encerramento foi uma homenagem aos noventa anos da Estácio, um celeiro de onde são exportados talento e alegria. Que continuem a vender estes produtos nos balcões mais próximos das nossas casas.

E assim se encerrou a primeira noite de desfiles da Série A. Logo mais cruzarão a Avenida mais sete agremiações. Uma festa que ainda promete intensas emoções. E o Carnavalizados estará lá pra transmitir pra vocês!

Por: Ruan Rocha, Gabriel Cardoso, Pablo Sander, Cristina Frangelli

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