Foto: Divulgação

Congo, ícone do hibridismo cultural de memória afetiva negra do Espírito Santo

Por Tunico da Vila

O congo é um ritmo que contempla tradições africanas e indígenas, utilizando tambores feitos com couro de boi, caixas semelhantes ao tarol e casacas. Os mestres respeitam a tradição de “jejum do tambor” durante a Quaresma. Esses dados quase todos capixabas conhecem. Que o Brasil e o mundo conheceram o congo nos anos de 1980 ao som da canção adaptada e eternizada pelo pai, isso também todos por aqui já sabem. O que muitos me perguntam é como Martinho da Vila chegou por aqui. Em 2019 vamos comemorar 30 anos da gravação de “Madalena do Jucu”, cujo os direitos autorais pela execução da canção são repassados para Associação das Bandas de Congo da Serra. Na época, meu pai foi contactado, através de minha mãe Ruça que era do “partidão”, para conhecer a então vila habitada por comunistas, intelectuais, artistas e se apaixonou pelo som da cultura ancestral. O som, o canto, a dança e o sincretismo das bandeiras de santos do congo enfeitiçou o filho da rezadeira de ladainha católica, Dona Teresa, de Duas Barras no interior do Rio de Janeiro. Duas faixas com congos capixabas entraram no álbum “O Canto das Lavadeiras” (1989). “Cabelo Louro” também foi gravado.

O que me fez refletir como “carioxaba” nos tempos de hoje é que quem faz o congo precisa estar permanentemente no circuito das casas de apresentações. É afirmativo e representativo. Quem foi fundamental para a minha reflexão foi o Mestre Ricardo Salles da banda de congo “Amores da Lua”. As pessoas que fazem o patrimônio cultural do Brasil: os mestres, os tocadores e as dançarinas de congo são indispensáveis na transmissão dos saberes e na difusão desta cultura. No papo que tive com os integrantes, após a gravação do clipe sobre liberdade religiosa que fizemos em novembro passado com o amigo Xande de Pilares e o povo de terreiros, compreendi algumas questões postas ali. Entre elas estava o velho preconceito. É preciso falar que existe preconceito quanto a presença da música negra que é apresentada pelos congueiros em tempos intolerantes. Nada melhor que a escuta dos relatos deles. O congo é um movimento de resistência, de negociação cultural como estratégia de sobrevivência da mesma. Em qualquer lugar do mundo que vamos visitar nós vamos até as casas de espetáculos de todos os portes para assistirmos os representantes da cultura local. Isso inclui música, vivência e dança. É assim com o tango, a salsa, fado, o flamenco… No Espírito Santo precisamos ter espaços para que os moradores da ilha, os turistas, nossos amigos, pais, os jovens possam conhecer o símbolo máximo da identidade cultural capixaba.

Muitas vezes não consigo levar meus amigos da música que me visitam ou cantam comigo para os redutos de congo, seja na Barra do Jucu, Santa Martha em Vitória ou na Serra e nem participar dos eventos regionais como o carnaval de congo de Cariacica. O Mestre Ricardo me provocou e eu darei a minha contribuição. Mas será uma contribuição coletiva, um projeto de várias mãos. Convidei meus amigos, artistas e ativistas da música negra, para estarmos juntos para que eles possam conhecer a cultura das bandas de congo. E quem sabe não surjam novas parcerias, misturas, milongas e Madalenas. O projeto “Samba da Madalena”, no Triângulo das Bermudas, levará para a Praia do Canto o canto das toadas e das bandas de congo. Cantando a música negra presente no samba, no soul, no ijexá, no funk, no semba e no massemba angolano.

Para quem não sabe o massemba de Angola é o pai do semba angolano e do samba brasileiro. O congo capixaba também vem de lá. As bandeiras dos santos femininos e masculinos do congo, símbolo da cultura ancestral do Espírito Santo deveriam estar em todas as escolas de samba daqui, assim como o toque e os instrumentos. A líder quilombola Zacimba Gaba é da região de Cabinda de Angola, os toques do congo espirito-santense, possuem a similaridade rítmica com os toques do bakongo de Cabinda, sendo assim, o congo capixaba é filho do bakongo.

Quando estive cantando em Kimbundo, uma língua angolana, no evento de 41º aniversário de independência de Angola na Assembleia Legislativa do Espírito Santo falei sobre essa questão com o Manuel Benvindo, da comunidade de Angola do Espírito Santo e com o cônsul de Angola, Antonio Agostinho Francisco, presentes no evento. Vitória parece Luanda. Estive em Benguela, Cabinda, Lobito por inúmeras vezes na minha infância, juventude e depois como percussionista. Ouvi os kimbandas, sentei, comi e rezei com eles. Fiz som, música e hoje Vitória é minha aldeia.

Estarei sempre junto com o congo capixaba. É meu legado missionário, familiar e ancestral morando no Brasil, estando no Espírito Santo e sendo do candomblé de Angola. O preconceito religioso que sofre o congo é o mesmo que fere o candomblé. Estamos unidos e emanados.

Axé! Atotô!

 

*Tunico da Vila receberá o título de cidadão espírito-santense da Assembleia Legislativa do ES pelo trabalho de intercâmbio com os músicos.

Deixar uma resposta

Seu email não sera publicado. Campos obrigatórios *

*