Leandro Assis - Foto: Gabriel Cardoso

Leandro Assis, o mago dos pincéis

Pintor artístico responsável pela famosa imagem de Cristo Oxalá da Mangueira em 2017 fala sobre sua trajetória no Carnaval

Uma das imagens mais marcantes e representativas do Carnaval de 2017 foi o tripé de Cristo Oxalá, do desfile da Estação Primeira de Mangueira, que representava o sincretismo religioso brasileiro. A escultura foi ovacionada pelo público na Sapucaí e muito elogiada por muitos críticos de Carnaval. Tamanha repercussão fez com que o artista responsável pela obra prima se destacasse nos bastidores da folia, mesmo longe dos holofotes. A imagem dos santos não só se tornou a mais importante de sua carreira como também lhe rendeu o Prêmio Plumas e Paetês de Melhor Pintor Artístico, seu primeiro prêmio em dezessete anos dedicados ao Carnaval.  É assim que relatamos um pouco da vida deste autodidata, carioca de 38 anos: Leandro Assis.

Leandro é um talentoso representante da arte visual no carnaval. É trabalhando diariamente na fábrica dos sonhos que ele consegue entender melhor o mundo e a arte em seu sentido mais profundo. Entre tintas, solventes, pincéis, pistolas, máscaras, e esculturas, a parte difícil mesmo pra ele é captar o sentimento dos carnavalescos. Manusear os materiais é moleza. Sua obra revela formas, e expressões das mais diversas criações. Predileção? Só pela tinta e suas composições, que servem como matéria-prima principal à sua arte.

Um talento que surgiu ainda na adolescência. Desde muito cedo, já revelava sua aptidão artística para o desenho e a pintura. Dono de um olhar curioso, ele foi absorvendo tudo que estava ao seu redor, desde as artes de rua à televisão, e foi encontrando suas inspirações.

“Comecei aos 16 anos, observando pinturas na rua, televisão e me encantei com essa arte. Eu era fissurado em pintura, ficava em casa desenhando, pintando. Vim para o carnaval com 18 anos, como ajudante e fui observando, praticando, aprendendo até assumir (a pintura artística de) uma escola de samba”, conta.

E foi nos barracões das escolas de samba que sua vocação artística se desenvolveu de forma intensa, e onde, aos poucos, olhares foram se voltando para a sua produção.

 “Um desejo no altar, ou no gongá”

Um dos trabalhos de maior destaque da carreira de Leandro Assis é o Tripé Santo-Orixá, do desfile da Mangueira, em 2017. A escultura retratava a adoração a imagens e o sincretismo religioso entre Jesus Cristo, pelo lado da Igreja Católica, e Oxalá, pela Umbanda. Leandro revela que foi o trabalho mais marcante de toda sua carreira: “Acho que foi a peça mais incrível, mais expressiva que eu pintei nos meus 17 anos de carnaval”.

Cristo Oxalá – Mangueira 2017 – Foto: Gabriel Cardoso

A obra não só se tornou a mais marcante da carreira do artista como também lhe rendeu o Prêmio Plumas e Paetês de Melhor Pintor Artístico, seu primeiro prêmio em todos esses anos de Sapucaí. Chama muito atenção o minucioso detalhe da pintura, e traduz de maneira fantástica uma das mais famosas associações do sincretismo religioso brasileiro, que encontra no Santo Católico um Orixá correspondente. Um dos trabalhos mais lindos e emocionantes dos desfiles de 2017.

Infelizmente, o tripé foi vetado pela Igreja Católica de ir ao Desfile das Campeãs e não pudemos vê-lo novamente.

“Desde o início, quando o Leandro (Vieira) me chamou, ele disse: olha vai ter muita pintura, muita imagem sacra. Eu não sabia que ia ter a imagem do Santo-Orixá. Ela foi feita um mês antes do carnaval. Foi uma peça surpresa pra mim e pra todo o pessoal do barracão. E quando o Teixeira (escultor) começou a esculpir essa peça, todo mundo ficou impressionado e curioso pra saber o que seria”.

Com a escultura pronta, Assis buscou referências na internet, fez seus esboços até chegar à ideia de Leandro Vieira, que queria um manto branco com rosas bordadas em prata.  “Quando comecei a fazer essa peça, eu não imaginava que ela teria essa repercussão. Aos poucos, ela foi ganhando forma, realismo, e criou um grande burburinho no barracão. Quando você está pintando uma peça e todos os outros profissionais param para olhar, elogiar… Ah, isso é muito gratificante, vale mais do que dinheiro. O Leandro (Vieira, carnavalesco) ficou empolgado com o resultado final.”

O pintor artístico destaca que, numa única escultura, trabalham em média 20 profissionais nas diferentes etapas de produção. São escultores, laminadores, empasteladores (que cobrem a escultura de papel ou massa), os fibreiros, e finalmente a pintura de arte. São dezenas de profissionais totalmente envolvidos durante meses para dar vida ao projeto do carnavalesco.

Segundo Leandro, leva em torno de um a quatro dias para pintar uma escultura, dependendo da complexidade da peça. “Primeiro eu faço um mini protótipo (maquete). Depois, com a aprovação do carnavalesco, executo. Eu tive que fazer uma cabeça egípcia na Portela, por exemplo. Fiz uma amostra e o Paulo Barros aprovou. Assim que as esculturas ficaram prontas, em um dia, eu e minha equipe pintamos as vinte peças. Já o Cristo Oxalá eu pintei em quatro dias”, explica o artista.

Cabeça Egípcia – Portela 2017 – Foto: Arquivo pessoal

O tempo é um aliado importante no processo de produção. Além disso, o prazo pode ser uma variável determinante no processo de confecção de cada trabalho. “A gente trabalha com erros e acertos. Isso vai ficar legal. Isso aqui já não vai. Então vamos apagar. Quanto maior for o tempo para desenvolver um trabalho, maior a chance de poder expor a sua arte da melhor maneira possível”.

Comunicativo, Lê revela que é através da arte que se sente realizado. Apesar de nunca ter frequentado qualquer academia de arte, formou-se na prática contínua de sua vocação.  A paixão pelo seu trabalho é evidente. Contar cada detalhe do trabalho que desempenha empolga o artista: “Minha pintura é minha vida. É com ela que me identifico e me realizo profissionalmente”.

O processo

Sua arte, a pintura, entrou na Avenida pela primeira vez em 2001, pelas mãos do carnavalesco Max Lopes, na Mangueira. Nessa fase, ainda jovem, sem experiência e como ajudante de pintura, Leandro conta que seu maior obstáculo na escola foi a desconfiança do presidente e do carnavalesco em sua capacidade profissional.

“Era meu primeiro trabalho e eu já peguei logo de cara uma escola do Grupo Especial, então eu tinha medo de não suprir as expectativas. A responsabilidade era muito grande. Então eu precisei dar o melhor de mim para mostrar quem era o Leandro. Hoje, graças a Deus, as peças que faço falam por si só”.

Logo em seguida vieram Porto da Pedra, Imperatriz e São Clemente, escolas onde o carnavalesco Max passou e o levou. E desde 2005, Leandro alcançou sua independência artística, assumindo a pintura de arte da Estação Primeira de Mangueira. Aos poucos, foi imprimindo na Verde e Rosa a sua arte e identidade como artista da folia. E de lá pra cá nunca mais parou.

Com o passar dos anos, conseguiu ganhar respeito e conquistar seu espaço no mundo do samba. Um autodidata que buscou aprimorar sua técnica na marra e esforço constante. A troca de experiências e a convivência com outros artistas estimulam sua criatividade e possibilitam o desenvolvimento de novos métodos a serem empregados nos desafios impostos por cada trabalho. Entre “erros e acertos”, testando químicas, desenvolvendo novas técnicas, o trabalho do artista encanta pela beleza e pelo zelo em cada detalhe.

Leandro Assis em seu ofício – Mangueira 2017 – Foto: Arquivo Pessoal

Leandro que já passou por várias escolas, esse ano dividiu seu tempo entre Mangueira e Portela. Responsável pela pintura de arte dessas agremiações, o artista conta que a confiança e a troca de experiências entre ele e os carnavalescos – Leandro Vieira e Paulo Barros respectivamente – é um dos principais elementos para a realização de um bom trabalho.

“Gosto muito de trabalhar com o Leandro e o Paulo porque são profissionais flexíveis e organizados. Eles te dão uma estrutura de trabalho incrível, além de respeitarem sua opinião como profissional. Eu dou meu aval e digo se a matéria prima vai ou não funcionar pra atingir os objetivos deles. Hoje, só largo o Leandro Vieira e o Paulo Barros se eles quiserem. Faço qualquer coisa pra poder trabalhar com eles”, conta o artista.

Nesta fase, o carnaval se define como um casamento feliz entre carnavalescos e artesãos. Além da perspectiva artística, a troca de experiência, confiança, há um universo mágico que envolve os galpões das escolas de samba. Os profissionais possuem uma dedicação quase devota, onde se entregam de corpo e alma para produzir o espetáculo.

Tem que gostar muito do que faz para trabalhar com Carnaval

A construção da Cidade do Samba ampliou as conexões entre profissionais e escolas. A nova estrutura colocou um ponto final no sistema de improviso. Quando perguntado se a nova estrutura dos barracões facilitava o trabalho dos artesãos, Leandro Assis foi categórico: “quando a gente trabalhava nos barracões antigos a estrutura era zero. A gente fazia mágica. Quem veio lá de trás sabe que a Cidade do Samba é um paraíso. Está toda setorizada: pintura, escultura, carpintaria, fibra, adereço e fantasia. Nos antigos barracões, além de ter o problema de deslocamento entre as escolas, você não tinha espaço próprio, usava o que sobrava. Era tudo misturado”.

Além disso, a proximidade entre as agremiações na Cidade do Samba possibilitaram o trabalho em mais de uma escola de samba, o que aumenta a renda e o número de profissionais empregados.

São jorge – Mangueira 2017 – Foto: arquivo pessoal

O trabalho nas escolas de samba está diretamente associado à formação de novos profissionais, sempre atraídos pela possibilidade de se sustentarem através das profissões que fazem parte de um barracão. Nesse lugar, onde os mais experientes ensinam os mais jovens, geralmente se formam grandes talentos. Pelas contas de Leandro, cerca de quinze pintores passaram pelo seu ateliê. Atualmente, ele trabalha com uma equipe fixa de quatro pessoas, número que pode aumentar dependendo do volume de trabalho encomendado.

Como mestre do seu ofício, Leandro Assis não se deixa ficar em zonas de conforto, pois cair nesta arapuca é fatal para quem quer se manter na produção da festa: “É um caminho árduo, exige muita disciplina, dedicação e, acima de tudo paixão pelo carnaval. Tem que gostar muito do que faz. Quem lida com qualquer tipo de arte sabe que essa é a chave para a evolução profissional. Não há atalho algum, mas força de vontade, humildade e determinação. Tem que ter paixão”.

A trajetória de Leandro no carnaval tem sido construída dentro do seu fascínio pela pintura de arte. São imagens sacras, homens, mulheres, personagens mitológicos, históricos, e tantos outros mais. Sua pintura é vibrante, realista e demonstra muito conhecimento técnico e habilidade.

Santo Antonio – Mangueira 2017 – Foto: Gabriel Cardoso

Daqui pra frente, Leandro Assis espera continuar fazendo trabalhos que inspirem novos talentos para trilhar o caminho da arte visual no carnaval. Não é uma tarefa simples. Não existe uma fórmula pronta. Esforço, persistência e dedicação são ingredientes essenciais para atingir esse objetivo. A expectativa do artista é de criar, em breve, um novo ateliê de cenografia para desenvolver seu potencial criativo e ampliar seu mercado de trabalho atendendo a indústria da Televisão, Teatro e Cinema.

Em 2018, Leandro Assis continua seguindo os passos de Leandro Vieira e Paulo Barros, e irá imprimir sua arte na Estação Primeira de Mangueira e na Unidos de Vila Isabel. Nos resta mesmo esperar e ficar de olho!

Muito axé, Leandro Assis!

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