Carnavalizados Fique por dentro do carnaval do Rio, São Paulo e todo o Brasil
Era noite de apresentação de sambas concorrentes, uma das etapas da escolha do hino oficial da Porto da Pedra para 2023. Mas não só. Longe disso.
Assim como muito do que acontece na nossa sociedade, o mundo do samba e do Carnaval tem seus ritos. Ingenuamente pensando que já conhecia muitos deles pelo que havia visto na Passarela do Samba, como a Lavagem da Sapucaí e os famosos ‘esquentas’ minutos antes dos desfiles oficiais, eu não imaginava o que estava prestes a assistir.
Na voz do intérprete Duda SG, o samba-enredo de 2014 da escola, em homenagem aos casais de mestre-sala e porta-bandeira, dava pistas do que ocorreria em seguida.
Ao som dos primeiros acordes, a baiana mais antiga da agremiação adentra o salão, tendo em mãos um defumador, um ramo de arruda e água de cheiro, purificando e preparando o ambiente. Alguns passos atrás, outras duas baianas a seguem, representando as guardiãs do estandarte, jogando pétalas de rosas vermelhas pelo chão. Quem há de discordar, afinal, de que, no verso “Majestades do samba e do meu pavilhão”, a forma de se referir ao casal também caberia perfeitamente às mães e tias do samba?
“No manto sagrado carregam a emoção” que, por sinal, tomava conta da quadra, enquanto outro verso deixava claro de vez o propósito da cerimônia: “É dia de festa; é coroação”.
Com “Suor pela arte em defesa das cores”, o primeiro casal é recebido em meio aos aplausos do público e termina seu trajeto encontrando a baiana que havia iniciado o rito; defumador, arruda e água de cheiro ainda em mãos no aguardo daqueles a quem iria abençoar para o sucesso na nova jornada em parceria: era, afinal, a coroação de Laryssa Victória como nova primeira porta-bandeira do Tigre de São Gonçalo.
“Mas é claro que existe a mão divina a conduzir; esse samba bailado em cortejo na Sapucaí”, reforça o intérprete, relembrando que, assim como os demais componentes da escola, o casal não está sozinho em suas apresentações.
A mão divina conduz também o segundo casal, Pedro Figueiredo e Gabriela Monnerat, a qual, num giro, desfralda seu estandarte. Diante dele Rodrigo e Laryssa se inclinam em honra, respeito e reverência, valores tão necessários e felizmente preservados nos ritos do mundo do samba, enquanto a voz do intérprete ressoa: “Entre sorrisos e lágrimas; vamos aplaudir”! E o público responde num êxtase, os aplausos tomando a quadra.
Seguindo tradição iniciada por Tia Ciata, a baiana mais antiga da agremiação, Dona Nicilda, empunha do lado esquerdo do corpo – o lado do coração – o estandarte enrolado em pétalas de rosas brancas. Ela é a responsável por entregá-lo à primeira-dama da Porto da Pedra, Maria Laura, que o encaminha, finalmente, às mãos do primeiro casal. Para Rodrigo, na escola desde 2002, quando desfilava na ala das crianças, a missão estava renovada; para Laryssa, era o ponto de partida de sua trajetória na nova casa.
Retirado o laço vermelho, a bandeira é desfraldada e as pétalas de rosas brancas caem pelo ar, ao som do rufar dos tambores e de mais aplausos do público. Começava, então, o primeiro bailado da nova primeira porta-bandeira em seu novo posto, ao som do samba-exaltação. O arrepio que corria pelo corpo dela, de todos que torcem por ela e da comunidade gonçalense certamente não era de frio, mas de prazer.
A ‘Victória’ naquela noite não era só de Laryssa e da Porto da Pedra. Venceu o samba ao preservar a tradição, o respeito à ancestralidade e a sensibilidade de envolver sua comunidade em momentos de profunda emoção e representatividade.
Laryssa Victória e Rodrigo França – Foto: Ana Cristina Victória
Reverência à ancestralidade – Foto: Jaylton Pimentel
Primeiro casal – Foto: Jaylton Pimentel
Tias baianas – Foto: Ana Cristina Victória
Laryssa Victória e Rodrigo França – Foto: Ana Cristina Victória
Laryssa Victória e Rodrigo França – Foto: Ana Cristina Victória
Por: Flávio Amaral
