O REDENTOR DO SERTÃO
Carnavalescos: Edson Pereira e Lucas Milato
JUSTIFICATIVA
Exaltando um dos maiores símbolos de identificação e devoção do povo
nordestino, o G.R.E.S. Unidos de Padre Miguel apresenta “O Redentor do
Sertão”, no ano em que o Padre Cícero completa 180 anos. O enredo
apresenta uma narrativa a partir da visão do imaginário popular sobre a vida
do religioso, com grande influência da literatura de cordel.
Cícero Romão Batista veio ao mundo no ano de 1844, na cidade do Crato, no
sul do Ceará. Mesmo muitos anos depois, o Nordeste jamais esqueceria esse
nome. Filho de um pequeno comerciante, Ciço teve uma infância simples,
mas contam os relatos sobre a sua existência que, desde cedo, o menino
possuía um dom e, com certa frequência, tinha visões e revelações sobre o
futuro. Os milagres que o padre realizou durante sua vida terrena o tornaram
uma grande personalidade, conhecida mundialmente, e uma espécie de líder
místico, reunindo milhares de fiéis que peregrinavam em sua devoção.
O texto da sinopse é um conto livremente inspirado nas visões populares sobre
o padre, não se atendo aos reais fatos da biografia do homenageado. O
desfile será desenvolvido a partir de três manifestações do povo sertanejo: a
esperança, o medo e a fé.
SINOPSE
A ESPERANÇA
Nasceu! O Deus menino nasceu! Todos sabiam que um dia Ele voltaria, mas
não imaginavam que a salvação viria do sertão. Após padecer na cruz pelo
seu povo, Cristo escolheu retornar à Terra no interior do Ceará. Ou teria sido
escolhido? Sertanejo sempre carregou uma dádiva chamada esperança,
porque naquelas bandas a vida não era nada fácil. O céu era brasa de dar
gastura, e tinha vez em que as gotas d’água que molhavam a terra eram
apenas suor. Foi um chamado dessa gente: nove meses antes do Natal, uma
forte explosão de luz iluminou o Crato num grande rebuliço vindo dos céus.
Chegou o iluminado! O clarão era tão grande que Joaquina, que tinha
acabado de parir, não percebeu que fazia parte de um milagre: não se sabe
se foi um anjo ou a própria Virgem Santíssima em seu manto incandescente. O
que contam os cordéis é que um mensageiro divino desceu lá do alto para
realizar uma misteriosa troca de bebês. No lugar do recém-nascido da jovem
Quinô, esse ser de luz trouxe o Deus vivo encarnado do firmamento, sem a
marca do pecado original. Era o menino Cícero Romão, que podia ainda não
ter noção da sua missão, mas havia de mudar a história do Cariri.
Como seria a infância de um predestinado? Entre visões reveladoras e
escaladas nas árvores para ouvir os passarinhos, ele tinha o dom de quem
parecia conversar diretamente com o reino celestial. Sua forte ligação com as
palavras, no universo dos livros e das suas orações, mostrava que era mesmo
um ser especial. Não corria com as outras crianças, pois, no fundo, já sabia
que sua vinda ao mundo não era uma simples brincadeira do destino. O
pequeno cabra era um santo! Pense só quantas tentações aquela terra
escondia. Envolto num véu de castidade, o menino virou homem, e sem
nunca pestanejar em seu caminho, o homem se tornou padre. Tinha acabado
de ser ordenado, quando foi convidado a rezar uma missa em um lugarejo.
Montado em um jumento, chegou o padre naquele povoado. Foi na capela
da vila do Juazeiro que, com seus olhos que enxergavam além do mundano,
ele viu na sua frente a materialização do seu chamado: “Cícero, tome conta
desse povo”, disse Jesus a ele sentado à mesa da Santa Ceia junto aos doze
apóstolos, enquanto uma multidão se aproximava da porta da capela. Os
sertanejos clamavam pela libertação de tantas dores e penitências. Como
explicar o encontro da encarnação de Cristo com a sua própria imagem? Eis
o mistério da fé.
O MEDO
Antes de toda libertação, há uma provação. O prenúncio do fim dos tempos!
Por que, Deus, tanto sofrimento? Seria a fúria assombrosa do Senhor? O juízo
final das profecias? Era como se o sertão fosse o cenário escolhido para um
novo apocalipse. As aflições do sertanejo ganhavam formas aterrorizantes:
gritos esganiçados de lobisomens, rastros de caiporas, ardentes coices de
mulas sem cabeça. Luas de sangue, cabeças de fogo. Oh, Padim, como o teu
povo padecia, mas não podia deixar de acreditar na salvação!
Os profetas da chuva perceberam os sinais da natureza: os fios rentes ao solo
feitos pelas aranhas, os ninhos baixos dos pássaros, os formigueiros perto dos
rios. O grande inferno estava por vir à Vila do Juazeiro. Em três anos infernais,
três cavaleiros do Apocalipse: a Fome, a Peste e a Morte trouxeram caos e
destruição ao Ceará. Urubus sobrevoavam as mazelas causadas pela doença.
Parecia o castigo divino do qual a Igreja sempre avisou. Os fiéis carregavam o
medo no olhar. Mas por que essa gente teria pecado tanto assim? Qual o
motivo de tanta dor? Se até mesmo Cristo Romão, acima da heresia original,
um dia seria excomungado pela Igreja Católica, era sinal de que o caminho
era seguir o verdadeiro salvador, além de qualquer dogma ou instituição. O
padim resistiu às provações, enfrentou canhões e exércitos das autoridades e
procurou até a paz no cangaço para proteger os seus milhares de filhos. A fé
que vem do povo é imbatível, nada pode controlar.
A FÉ
A redenção veio da fé, das almas devotas que resistiram aos tempos difíceis, e
se revelou na face de um líder que não mediu esforços para proteger os
moradores do povoado de Juazeiro. O povo foi libertado pela verdadeira
crença, que o transformou em testemunha de uma vida de grandes obras e
milagres. Era a tão sonhada redenção. O céu, emocionado, deixou cair as
suas lágrimas como resposta. Os profetas, dessa vez, balbuciavam bons
prenúncios. Não, não era o fim dos tempos. Era o início de um novo momento
no lugarejo. Das mãos do padim, uma beata de puro coração, de mesmo
nome da Virgem Santíssima, recebeu a comunhão do corpo de Cristo.
Milagre! Valha-me, meu Padim Ciço! Quando tocou a língua de Maria, a
hóstia se derramou em sangue. O mundo precisava saber disso! Jesus não teria
se esquecido dessa gente. O padre milagreiro estava de frente com a sua
Nova Jerusalém. Êta, Juazeiro, terra prometida! Virou até notícia do jornal –
brasileiro é mesmo bicho curioso. Formaram-se as primeiras romarias ao novo
paraíso dos milagres. Cícero seguiu com suas benfeitorias num grande cortejo
de fé, que aumentava enquanto cada vez mais fiéis passavam a acompanhar
a sua jornada. O milagreiro virou conselheiro de todo esse rebanho, e também
curandeiro. Tinha receita para espinhela caída, meizinha pra dor de cabeça,
conselhos pras injúrias da vida. A cura vinha da fé, era preciso acreditar. A
sabedoria do padre fez desse lugar a sua embaixada do céu na terra: o
paraíso do Cariri. Para uma vida de dádivas, mais do que crer, era necessário
cultivar os bons frutos. “Em cada casa, um altar. Em cada quintal, uma
oficina.”, bem dizia o padim.
Quando viu que a missão de suas andanças em terra tinha se cumprido,
Cícero arrumou suas malas. Colocou na bagagem os sorrisos do nordestino, os
olhares impressionados dos que testemunharam seus milagres. Levou consigo
só um pouco disso tudo, porque o seu legado permaneceu em terra, se fez
semente. Iria para um lugar onde poderia continuar vigiando seus fiéis, muito
menos distante do que vocês imaginam. Partiu sem muito alarde, voltou outra
vez ao reino lá de cima. Em cada oração ou verso de cordel, a voz de Ciço
ainda ecoa. É só fechar os olhos e ele estará lá: na luz das candeias, no luto e
nos pedidos por esperança, nos festejos à Nossa Senhora das Dores. O padim
vive no simples anseio por uma vida abençoada. Está no sonho de uma
comunidade apaixonada, que assim como ele, conhece as bênçãos da
persistência. Chegou o ano do milagre da Vintém, afinal ele jamais deixa o
trabalho sem recompensa. Padre Cícero, Redentor do Sertão, tome conta
desse povo e da Unidos de Padre Miguel.
CARNAVALESCOS: Edson Pereira e Lucas Milato | ENREDISTA: Leandro Thomaz
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO: Edson Pereira, Lucas Milato, Caio Araújo, Caio
Cidrini, João Francisco Dantas e Marcelo Fraga