Casal da Beija-Flor de Nilópolis perdeu apenas 3 décimos entre 2010 e 2019
O primeiro casal de Mestre-sala e Porta-Bandeira da Beija-Flor, Claudinho Souza e Selminha Sorriso, foram o melhor casal do quesito na década de 2010. Perdendo apenas 3 décimos em 10 anos — excluindo as notas descartadas, que não entram na pontuação final —, o casal traz ainda na bagagem mais de dez prêmios conquistados no período e nada menos que seis anos gabaritando um dos quesitos mais importantes do carnaval.
Mesmo contando com as notas descartadas pelos critérios de julgamento do campeonato, os números de Claudinho e Selminha entre 2010 e 2019 são impressionantes: dois décimos perdidos em 2011, quatro em 2014, dois em 2017 e um em 2018. Ou seja, apenas 0,9 pontos perdidos em 420 disputados.
Para Selminha Sorriso, parceira de Claudinho desde 1991, quando ainda eram da Estácio de Sá (o primeiro desfile foi em 92), o sucesso do experiente casal é fruto do cuidado com o condicionamento físico e a atenção à modernização do bailado.
“Estou muito feliz com a notícia [de sermos o melhor casal de MS e PB da década]! Muito obrigada! Ao longo desses anos, nós fomos nos aprimorando, amadurecendo em todos os sentidos. Ficamos mais focados no condicionamento físico e na manutenção da nossa arte. Tentando seguir um pouco da modernidade, mas pautados sempre na tradição e no fundamento da dança que nos norteia, que envolve a arte do bailado do mestre-sala e da porta-bandeira”, afirma.
“É claro que a preparação física ao longo dos anos muda, né?”, observa Claudinho. “A gente se cobra mais, até por conta da idade. Então há uma preparação mais intensa.”
O mestre-sala, vencedor de quase 20 premiações — entre elas, seis Estandartes de Ouro —, explica que a preparação do casal se intensifica à medida que o carnaval se aproxima. “Porque depois que passa o desfile, a gente dá uma relaxada, depois vai dando um pouco mais de intensidade. E quando chega um pouco mais perto, a gente acelera”, detalha.
Sintonia afinada
Claudinho e Selminha Sorriso formam um casal de sintonia afinada. Os dois, inclusive, sempre repetem, em diversas entrevistas, que conseguem se entender apenas pelo olhar — e não foi diferente ao falar para o Carnavalizados.
“A gente se comunica no olhar”, enfatiza Selminha, “no toque de mãos, tudo. Mas ainda temos nossas dificuldades. A gente entende também que é preciso estar o tempo todo atento e compreendendo que não sabemos tudo, apesar de tantos anos juntos. É mais fácil porque são quase trinta anos, também não dá pra fugir disso, né? Mas não quer dizer que não precisamos melhorar, nos aprimorar cada vez mais”.
Claudinho concorda com a parceira: “É sintonia pura! [risos] Fica bem mais fácil quando estamos completando 30 anos, né? Quando estamos na mesma pegada a nível de ensaio, de conhecimento técnico e tático. Facilita muito pra gente poder ter um entrosamento ao longo da avenida e ao longo dos anos também”.
A experiência e o entendimento dos dois entre si é tão grande que, mesmo quando perderam décimos na pontuação, o mestre-sala e a porta-bandeira da Beija-Flor não foram diretamente “culpados”. Em 2014 (Boni), por exemplo, o casal foi penalizado porque a fumaça da apresentação da Comissão de Frente ocultou parte do bailado, atrapalhando a visão do jurado do quesito. Em 2017 (Iracema), a orientação para coreografar a personagem interferiu na execução dos passos de apresentação. Nada, porém, que tire a tranquilidade e o brilho de ambos, especialmente de Selminha, vencedora de seis Estandartes de Ouro ao longo da vitoriosa carreira. “Estamos aqui, firmes, e vamos dar continuidade enquanto for a vontade dos deuses do samba”, afirma ela.
A crise dos 30
Justamente quando completariam 30 anos consecutivos bailando juntos — sendo quatro na Estácio e 26 na Beija-Flor —, a pandemia do novo Cornavírus e a incerteza sobre a vacinação obrigaram a Prefeitura do Rio a cancelar os Desfiles das Escolas de Samba de 2021. Selminha revela que ficou muito abalada, mas que tem trabalhado muito o lado psicológico para manter-se firme até o desfile de 2022.
“Temos que preparar o psicológico. Esse tem sido [nosso foco] ao longo de 2020 e agora para 2022. O emocional da gente fica bem abalado, né? Mas manter a fé e o amor pela arte, pelo samba, é que nos faz ter força. Ter fôlego.”
Para a porta-bandeira da Beija-Flor, não há muito mistério na preparação para o Carnaval de 2022, mesmo com o intervalo maior: o negócio é manter tudo igual. “É fazer essa manutenção, continuar se alimentando bem, treinando o físico e a arte da dança. É não pensar que falta um ano inteiro e deixar pra cima da hora. Nada disso! O bom atleta, o bom profissional, ele se prepara independentemente da prova que vai executar. Então, a gente vai se preparar como se o carnaval fosse mês que vem. E mesmo faltando um ano inteiro, pra mim, Selminha, é logo ali. Porque sempre passa muito rápido, né? Vai passar rapidinho, tá todo mundo com muita vontade. Quando nós pensarmos, já estaremos.”
Um quesito, quarenta pontos e apenas duas pessoas: a responsabilidade gigante do casal
O casal de mestre-sala e porta-bandeira representa um quesito bastante solitário. Enquanto módulos como Bateria, Harmonia e Comissão de Frente dependem do corpo da escola e de uma quantidade considerável de pessoas envolvidas, o quesito do bailado se resume apenas ao casal. Fator que consequentemente multiplica a responsabilidade e torna as críticas mais direcionadas e duras.
Claudinho concorda que a responsabilidade de defender 40 pontos é enorme, mas enfatiza que há uma estrutura e um grupo de profissionais por trás que contribuem para que os dois mantenham o alto desempenho na Sapucaí.
“Nessa parte [quantidade de pessoas] é diferente dos outros quesitos, né? Mas temos a oportunidade de fazer um brilhante desfile a partir do momento que a gente acerta no nosso ensaio. E no nosso ensaio tem a preparação coreográfica, nossa preparação física, tática e técnica. A gente não faz nada disso sozinho. São duas pessoas ali na avenida, mas tem toda uma estrutura pra gente poder fazer esse trabalho lindo. Tem toda a nossa equipe junto com a gente. Dependendo do samba que vier, montamos uma coreografia com o conhecimento do próprio Marcelo [Misailidis, coreógrafo da comissão de frente da Beija-Flor], que traz sempre muita coisa também.”
Emocionada, Selminha Sorriso também comentou sobre a questão:
“Eu estava falando sobre isso esses dias, sobre algumas pessoas não darem valor ao nosso quesito. Não se importarem. Mas nós valemos o mesmo ponto que um barracão inteiro, que, além de ser mais caro, requer muito mais profissionais envolvidos. A bateria tem trezentos ritmistas, na comissão de frente são quinze componentes, no mínimo. Harmonia é toda a escola, evolução também. Fantasias… quer dizer, todo o corpo da escola envolvido. Nós dois somos só nós dois. Tudo tem que estar muito impecável, né? Corpo, mente, energia, saúde, fantasia, nada pode estar errado, não pode existir uma vírgula fora do lugar. Mas nos fortalecemos juntos, passamos por momentos de aprendizado, momentos difíceis, momentos especiais, comemorativos e seguimos juntos. Se soltarmos, deixa de ser o casal. Porque temos essa missão de conduzir o pavilhão, a alma da escola, juntos. Acho que os deuses do samba sempre olham pra esses dois personagens, creio eu.”
Para a porta-bandeira da Beija-Flor, representar uma escola e ainda ser a responsável por carregar seu pavilhão é uma grande missão e uma função que só pode ser exercida por quem tem algo diferenciado. “Porque quando estamos ali, somos multiplicados. Por muitos, por todos os antepassados, pelos personagens, pelo futuro que virá. É uma missão linda, especial demais. Quem é sambista entende e respeita um casal de mestre-sala e porta-bandeira. Quem é sambista, no fundo no fundo do coração entende que a missão [de carregar o pavilhão] está sendo dada ao casal por eles respeitarem [a agremiação]. O casal conduz, apresenta, eleva a história daquela nação, daquela família, daquele contingente todo, seja ele de componentes, torcedores, apoiadores, todos que estão envolvidos. Está tudo ali contido no pavilhão. Esse sentimento é de coletividade.”
A inigualável importância do pavilhão. Honra e reverência. O casal é guardião do símbolo supremo de uma escola de samba. Onde quer que estejam posicionados no desfile, o mestre-sala e a porta-bandeira serão sempre a maior atração da agremiação, pois, além da responsabilidade do seu bailado, carregam o sagrado estandarte. Por isso, e por toda tradição que carregam, não custa repetir: respeitem a ancestralidade do casal. Respeitem o seu bailado, sua fé e sua tradição.