Wigder Frota

Entrevista com Wigder Frota, fotógrafo da Sapucaí

Memória é o fenômeno individual e psicológico, a memória liga-se também a vida social. Esta varia em função da presença ou da ausência de escrita e é objeto da atenção do Estado que, para conservar os traços de qualquer acontecimento do passado (passado/presente), produz diversos tipos de documentos/ momentos; que escreve a história e acumula objetos.

Le Goff, 2003, p. 419.

Fotografias carregam o mágico poder de viajar no tempo. Ao olhar para uma foto, nos transportamos instantaneamente para o momento em que foram tiradas. Lembramos de tudo o que presenciamos apenas através da imagem. Até mesmo quando a foto não faz parte da nossa história (quando não estávamos lá no local, no momento em que ela foi feita), tentamos imaginar a ocasião.
E se a fotografia é magia, seria então o fotógrafo, um mago?

O fotógrafo é um grande registrador de momentos e tem um papel fundamental na preservação e perpetuação da memória coletiva de uma comunidade, de um povo ou de uma nação. A fotografia torna-se um documento e, através dela, podemos “reconstruir” ou reconstituir histórias. Podemos mostrar acontecimentos para aqueles que não tiveram a sorte de estarem presentes ao vivo para vivenciá-los.

E para os apaixonados pelo Carnaval, os registros são imprescindíveis. Afinal, já pararam pra pensar no que seria de nós sem as fotografias dos desfiles?

Hoje, mais que nunca, é importante discutirmos a preservação da memória. Muitos desfiles incríveis do passado se perderam por não haver registros fotográficos, nem qualquer outro tipo de documento. Dessa forma, é tempo de nos questionarmos sobre a importância de catalogar o espetáculo, assim como precisamos reverenciar os fotógrafos profissionais que muito fazem por essa festa e que nem sempre têm o devido reconhecimento (e muito menos créditos) pelo que fazem. Afinal, “uma imagem vale mais que mil palavras”, diz o ditado, não é mesmo?

Lidar com desafios novos a cada dia, estudar, praticar, conhecer pessoas e lugares diferentes, expressar sua arte a partir da arte do outro. Por trás da câmera fotográfica há profissionais apaixonados pelo que fazem, empenhados em obter os melhores cliques. E quem é fotógrafo sabe bem: investir em equipamentos fotográficos e dedicar-se quase que integralmente a esse ofício são passos primordiais. Estar preparado para momentos de alegria e tristeza, também. Não é fácil. Porém, ser fotógrafo parece ser o sonho de muitos, embora tornar-se um bom fotógrafo, reconhecido, é realidade para poucos.

Por isso, o carnaval carioca e o mundo da fotografia têm a sorte de ter em seu universo o fotógrafo Wigder Frota. E nós, do Carnavalizados, temos o prazer de trazer um pouco do profissional e da pessoa que é uma das mais queridas do carnaval.

Fotógrafo por vocação e torcedor fanático da Mocidade Independente de Padre Miguel, Wigder é carioca e mora em Nova Iorque. Todo ano, o fotógrafo vem ao Rio durante o carnaval para registrar os desfiles. Ao todo, são 35 anos de Avenida, sendo 27 deles dedicados a fotografar o espetáculo.

Confira a entrevista com Wigder Frota!

Carnavalizados: Você fotografa outras coisas além de Carnaval?
WF: Sim, viajo ao redor do mundo registrando história, cultura, arte, manifestações religiosas e populares.Minha mais nova paixão é fotografar o Festival Folclórico de Parintins.

Carnavalizados: De onde surgiu a ideia de fotografar a Avenida? Foi sua?
WF: Um editor de um jornal de Nova Iorque me pediu para cobrir [o desfile] em 1991. Gostei da ideia e fiz.

Carnavalizados: Em seu primeiro ano fotografando carnaval, você já tinha noção de quais eram os melhores ângulos e os melhores detalhes ou isso foi experiência adquirida ao longo do tempo?
WF: No primeiro ano eu não tinha a menor noção de técnica fotográfica. Fui desenvolvendo ao longo do tempo, conforme a minha sensibilidade durante os desfiles. Tudo ficou mais fácil com a era digital, mas no início “apanhei” muito.

Carnavalizados: Para fazer boas fotos na Sapucaí, o que é imprescindível para um profissional da fotografia?
WF: Acho imprescindível que o fotógrafo tenha conhecimento do carnaval, das escolas e seus personagens. Uma boa câmera e uma boa lente são necessárias, mas é importante ter uma visão lúcida de cada momento que passa na sua frente, pois são únicos e jamais se repetirão.

Carnavalizados: O que você mais aprendeu fazendo fotos na Sapucaí? Tanto do ponto de vista profissional, quanto de experiência de vida.
WF: Principalmente a admirar e respeitar os profissionais que por ali passam, todos contribuem para a história do carnaval.Na vida, nada me gratifica mais do que registrar a paixão dos componentes de uma escola de samba. Eles me ensinam muito no meu dia a dia. Essa energia me abastece para o ano todo. O carnaval é um milagre inexplicável.

Carnavalizados: Sempre tem alguma coisa num desfile que chama mais atenção. Um carro, um destaque, os próprios componentes, como você disse… Quais elementos você considera fundamentais para registrar e escolher que foto fazer?
WF: Gosto de registrar a emoção dos componentes do desfile, seus segmentos tradicionais e seus baluartes. Mas não existe fórmula certa, o trabalho fotográfico de carnaval acontece de acordo com o momento.Para ter um resultado positivo, é necessário que o fotógrafo tenha conhecimento do que vai passar na sua frente, como o enredo, samba, personagens e história da agremiação que está desfilando. É muito importante que o artista esteja totalmente atento a todos os momentos e possíveis surpresas, como foi o caso da Squel Jorgea, vestida de Yawô em 2016, a imagem daquele ano.

Squel Jorgea – Mangueira 2016 – Foto: Wigder Frota

Carnavalizados: E qual a imagem você mais gosta?
WF: Dona Suluca da Mangueira vestida de baiana em 2007 – é a imagem principal da minha série “A Cara do Carnaval”, que resume o porquê de eu sempre querer voltar todo ano para registrar mais um carnaval.

Dona Suluca da Mangueira – 2007 – Foto: Wigder Frota

Carnavalizados: Quais foram os desfiles mais inesquecíveis da Sapucaí? E qual você diria que não devia nem ter passado por ali?
WF: São muitos, dentre eles o “Bumbum PaticumbumPrugurundum” [ano de estréia de Wigder na Avenida], “Yes, nós temos Braguinha” com a Mangueira ‘voltando’ da Apoteose, “Ratos e Urubus”, “Ziriguidum”, que foi meu primeiro campeonato com a minha Mocidade, “Peguei um Ita no Norte” que considero a maior explosão do público na Sapucaí, “Áfricas” que continua sendo o carnaval mais bonito do século XXI, e “É Segredo”. Prefiro não responder a segunda parte da pergunta (risadas)!

Carnavalizados: Quando e como aconteceu sua paixão pela Escola de Mocidade Independente de Padre Miguel? Qual o melhor desfile da escola e o melhor samba em sua opinião.
WF: Foi em 1983, ao som de “Como era verde o meu Xingu”. Eu ainda não era fotógrafo, mas tinha invadido a pista. Fiquei de joelhos e me apaixonei de vez. Aliás, que falta faz o Fernando Pinto no carnaval carioca!
Meu primeiro campeonato me marcou muito, “Ziriguidum” é inesquecível, seguido de “XuêXuá”. “O Mundo Fantástico do Uirapurú” é o samba mais belo, mas acredito que isso pode mudar em 2018 com o “Bendita seja a Santíssima Trindade”.

Carnavalizados: Você fez parte da Comissão de Frente do inesquecível “A Lapa de Adão e Eva” em 1985, com Joãozinho Trinta, certo? Essa foi sua única experiência nessa função? Em quais outros lugares do desfile você já saiu? E em quais agremiações?
WF: Fiz sim, nos anos 80, o João tinha por hábito formar duas ou três comissões na frente da escola. Foi emocionante, o próprio João Trinta era o coreógrafo. Fui também das comissões da Unidos da Tijuca em 1986 e 1987 e União da Ilha em 1987.
Desfilei ao todo 114 vezes, em várias escolas e funções, como destaque, composição de alegoria, componente de ala e diretor. Foram 15 vezes na Mocidade, nove União da Ilha, oitona Mangueira, sete na Vila Isabel e na Portela, seis por Unidos da Tijuca, São Clemente e Estácio, cinco por Beija-Flor, Império Serrano e Caprichosos, quatro pelo Império da Tijuca e pela Unidos da Ponte, e por aí vai.

Carnavalizados: Falando em Joãozinho Trinta, como foi essa experiência de estar com o gênio do carnaval? Como era o João de perto?
WF: A paixão e o delírio do João Trinta me marcaram. Ele fazia questão de explicar o significado de cada fantasia, embora várias vezes fosse difícil de entender o que ele queria dizer, em comparação ao visual da fantasia.
Ele me chamava de “Arroz de Festa”, título dado às pessoas que só apareciam na comunidade no período de carnaval! Tive vários momentos inesquecíveis com João e até brigamos quando ele insistiu que eu desfilasse com a genitália quase desnudada em seu “Todo mundo nasceu nu”. Mas o momento mais emocionante que tive junto a ele foi em 1986, quando desfilamos sob um dilúvio com o seu “O Mundo é uma Bola”, que até hoje me traz lágrimas de alegria.

Carnavalizados: Do seu ponto de vista, quais as principais mudanças dos desfiles das décadas de 80, passando pela década de 90 para os dias atuais?
WF: A organização do espetáculo melhorou muito. O que não gosto, nos dias de hoje, é do ritmo acelerado dos sambas e das alas desfilando em filas. Havia mais liberdade de dança para os componentes. Tenho saudades disso.

Carnavalizados: Esse carnaval dos dias atuais também é o carnaval do gigantismo. Como um fotógrafo se adapta a essa nova realidade de carnavais gigantescos? Precisa de equipamentos novos? Precisa achar novos espaços inexplorados na Avenida pra captar novos ângulos?
WF: A adaptação é feita de acordo com a evolução do espetáculo. Equipamentos novos são importantes, mas a visão do desfile como um todo é o que mais conta.

Carnavalizados: E como você enxerga essa evolução no gigantismo do carnaval?
WF: O Gigantismo, quando bem executado, pode ser muito bonito. Ele não me incomoda; só não pode ser usado como critério de julgamento pelos jurados. Cada escola e carnavalesco tem estilo próprio. Como exemplo maior, temos a Rosa Magalhães, que é incomparável em sua criação de alegorias “pequenas”.

Carnavalizados: Como fotógrafo o que você mudaria na estrutura da Sapucaí para facilitar a vida dos profissionais do carnaval que trabalham nesse espaço?
WF: Acho que a torre de TV poderia ser como a de São Paulo, bem alta, indo de um lado ao outro da pista.

Carnavalizados: Aliás, como você faz as fotos aéreas agora, sem a torre de imprensa?
WF: Fico na escada da torre, na lateral. O ângulo é diferente, mas dá pra conseguir algumas imagens boas.

Carnavalizados: É possível registrar bem em fotografias coisas dinâmicas, como movimentos de carros, empolgação de componentes, bailado de casais?
WF: Sim, é possível, mas é segredo, não conto a ninguém [risadas].

Carnavalizados: E o que é mais difícil de registrar no carnaval?
WF: No lado pessoal, quando a minha Mocidade desfila. E quando me emociono com momentos impactantes como, por exemplo, a Squel Jorgea vestida de Yawô, no desfile da Mangueira em 2016. A emoção me estremece. No lado profissional, é difícil registrar a escola em qualquer momento que uma celebridade esteja desfilando, pois vários fotógrafos, assim como componentes e seguranças, atrapalham muito o desenvolvimento da agremiação.

Carnavalizados: Qual o momento mais dramático que você presenciou na avenida? E o mais divertido ou engraçado?
WF: Sem dúvidas o acidente da Tuiuti em 2017 e o incêndio da alegoria da Viradouro em 1992. Não tenho um momento “mais engraçado”, mas lembro com muito carinho dos desfiles dos grupos de acesso nos anos 80 e 90, assim como os do Grupo B nas terças-feiras, eles eram divertidíssimos. Pena que essa originalidade acabou…

Carnavalizados: Celebridades ou Baluartes? Quem merece seus melhores cliques?
WF: Tenho a sorte de fotografar para veículos no exterior que não estão interessados em celebridades. Não as fotografo e acho que, na maioria das vezes, elas só atrapalham os desfiles, pois não são verdadeiramente apaixonadas pelas agremiações. Não gasto meu tempo nem esforço com essas pessoas.Meu interesse absoluto é com a comunidade, seus baluartes, baianas, componentes e segmentos.

Carnavalizados: Arlindo Rodrigues ou Fernando Pinto?
WF: Os dois, não dá pra comparar. Artistas únicos, com estilos diferentes. Tive a sorte de conhecê-los pessoalmente. Eram sensacionais.

Carnavalizados: “Tupinicópolis” ou “Ziriguidum 2001, carnaval nas estrelas”?
WF: “Ziriguidum”, pois foi meu primeiro campeonato com a minha escola.

Carnavalizados: Você tem um acervo grandioso de imagens dos desfiles da Sapucaí. O que você planeja fazer com essas imagens? Já pensou em publicar um livro com esse material?
WF: São quase cem mil imagens, entre digitais e negativos. Planejo criar um acervo com tudo que tenho em web site, totalmente aberto ao público, sem cobrar nada, dividido por anos e agremiações. Quero que todo o meu trabalho esteja nas mãos do povo o mais rápido possível, antes de eu parar de fotografar, embora acredite que só paro quando morrer (risadas)! Meu trabalho é arte, e ela tem que estar nas mãos do povo. Sobre o livro, sim, está em andamento. Acredito que sai em 2018.

Wigder Frota também contribuiu com algumas das suas melhores fotografias para a série especial de reportagens do Carnavalizados, “Sete enredos com a temática infantil”, sobre o dia das crianças. O fotógrafo também falou um pouco sobre esses registros:

Carnavalizados: Do ponto de vista de um fotógrafo, o que você acha de mais incrível em todos os desfiles que você assistiu ou fotografou, que fazem parte dessa série?
WF: É incrível quando a emoção dos desfilantes está em plena harmonia com o visual apresentado. Uma escola de visual excelente não faz um bom desfile se não houver o delírio e alegria de seus componentes. Um grande exemplodesse “casamento” é o desfile da Imperatriz Leopoldinense em 2005, quando a escola fez um desfile espetacular e foi aclamada como campeã na Apoteose. Outra escola que também conseguiu esse resultado foi a União da Ilha em 2014.

Carnavalizados: dentre os sete desfiles da série tem algum fato ou história que te marcou ou que foi muito curioso? Poderia nos contar?
WF: A Beija-Flor, em 1993, entrou com o seu samba num tom abaixo do da gravação original, e isso não animou seus componentes. Acho que foi prejudicada em sua evolução, e acabou perdendo o carnaval. Nas campeãs ela se redimiu. Destaco também a emoção do término do desfile da Imperatriz Leopoldinense em 2005, na Praça da Apoteose. A “certinha” de Ramos foi aclamada pelo povão.


Segue alguns dos registros fotográficos do Wigder Frota que ele selecionou como as que define ele como fotógrafo.

Beija-Flor 2007 – Foto: Wigder Frota

Portela 2015 – Foto: Wigder Frota

Império Serrano 2006 – Foto: Wigder Frota

Unidos da Tijuca 2004 – Foto: Wigder Frota

Salgueiro 2011 – Foto: Wigder Frota

Unidos do Viradouro – Foto: Wigder Frota

A cara do carnaval – Beija-Flor 2003 – Foto: Wigder Frota

Comissão de Frente Unidos da Tijuca 2010 – Foto: Wigder Frota

Tia Dodô – Portela 2006 – Foto: Wigder Frota

Chiquinho e Maria Helena – Imperatriz 2005 – Foto: Wigder Frota

Série: A Cara do Carnaval – Santa Cruz 2008 – Foto: Wigder Frota

Vila Isabel 2009 – Foto: Wigder Frota

 

Wigder Frota

Facebook: https://www.facebook.com/wigder.frota

Instagram: https://www.instagram.com/wigderfrotaphotography/

 

 

Por: Claudio Rocha e Gabriel Cardoso

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