Carnaval Bloco do Eu Sozinho

Barracões da Cidade do Samba interditados: e agora, José? Até quando?

Precisamos falar sobre as condições de trabalho do povo do samba

Os fiscais do Ministério do Trabalho interditaram os barracões das treze escolas do Grupo Especial. Parece que, agora, com a liberação das atividades da Vila Isabel, do Salgueiro e da Mocidade, a situação está sendo resolvida. E não é surpresa pra ninguém o fato deles terem encontrado irregularidades nas instalações elétricas, no esgoto e onde mais procuraram. As irregularidades estariam lá de qualquer jeito, como sempre estiveram, mesmo se a visita ao local tivesse sido feita em outra oportunidade, antes ou depois.

Existem dois mundos dentro de cada barracão de quase todas as agremiações carnavalescas ali alocadas: o mundo onde ficam presidentes, diretores, carnavalescos e a parte administrativa da escola, e o mundo onde fica a mão de obra, o mundo de aderecistas, eletricistas, costureiras, ferreiros e demais profissionais. A diferença entre esses dois mundos é visível e as condições de trabalho também.

Sinto muito, mas precisamos falar disso.

A Cidade do Samba, localizada na Gamboa, Centro do Rio, foi inaugurada no dia 4 de fevereiro de 2006 pelo prefeito César Maia, em um terreno de 92 mil metros, graças a uma parceria com a Liga Independente das Escolas de Samba, a Liesa. A Cidade do Samba é dividida em 14 barracões e cada um conta com quatro andares. No primeiro andar, as escolas costumam montar os carros alegóricos. Já nas duas partes mais acima, ficam alocadas as áreas administrativas e criativas das agremiações. Desde 2011, na gestão Eduardo Paes, a Cidade do Samba foi rebatizada para Cidade do Samba Joãosinho Trinta, em homenagem ao genial carnavalesco.

Entretanto, a estrutura da Cidade do Samba, que era um sonho, está se tornando um grande pesadelo. Assim que foi inaugurada, a cidade possuía uma enorme passarela, de onde os visitantes podiam apreciar todo o processo de criação do trabalho dentro dos barracões. Porém antes mesmo do incêndio que destruiu uma parte dela (não podemos nos esquecer do triste fato ocorrido em 2011, onde um incêndio atingiu gravemente os barracões, acidente que se repetiu inclusive cinco anos depois), o público já estava impedido de acessá-la, pois algumas escolas simplesmente colocaram plásticos e outros materiais que impediam a circulação.

Acidentes no espaço parecem ser vistos como algo normal. Ninguém comenta muito quando isso ocorre, embora eles aconteçam com certa frequência e o público não saiba. Mas agora a conta chegou. E chegou pesada! Foram anos de ausência do poder público na fiscalização. Foram anos em que os gestores do carnaval se esqueceram de olhar para as condições de trabalho dos seus principais funcionários, aqueles que fazem o maior espetáculo da terra. Esqueceram de olhar as condições do banheiro, da cozinha, o mau-cheiro, o acúmulo de lixo, a insalubridade, a insegurança e o constante risco de incêndio.

É lamentável que essa interdição aconteça a tão pouco tempo do carnaval. O bloqueio arrebenta o planejamento e impede a produção da melhor forma possível o maior e mais rentável espetáculo da cidade do Rio de Janeiro. Carnavalescos como Cahe Rodrigues e Cid Carvalho manifestaram, em suas redes sociais, suas preocupações e indignação com essa interdição e o quanto ela prejudica o espetáculo. E com toda razão. Porém, as escolas não têm alternativas, elas precisam se adequar. Trata-se de uma questão de segurança para os funcionários. Questão esta ignorada desde sempre pelos gestores do carnaval. Todos que ali trabalham sabem quais os principais problemas do local, e, se as instituições preferem aguardar um posicionamento do Ministério do Trabalho para tomar alguma providência, é porque nunca olharam para seus funcionários que ali pisam quase que 365 dias do ano. Nunca perguntaram para eles se o local estava em condições favoráveis de trabalho ou não. Até mesmo alguns desses funcionários não são muito inclinados a seguir recomendações de segurança e usar corretamente seus instrumentos de trabalho. (Tudo isso também vale para a Passarela do Samba)

Em agosto, um escultor de alegorias da escola de samba São Clemente morreu dentro do galpão da agremiação. Igor Sérgio da Silva de Farias, de 21 anos, não resistiu aos ferimentos depois de ser eletrocutado. Possivelmente esse fato desencadeou o que estamos vendo agora. O Ministério Público do Trabalho prometeu instaurar um inquérito para apurar as condições de trabalho da vítima e dos demais profissionais que atuam no barracão da São Clemente.

É preciso seguir as regras de segurança do trabalho. Mas quando essa ação chegar (isso se chegar, vou falar baixinho pra ninguém ouvir) aos barracões das escolas do Grupo de Acesso da Série A e das demais divisões, aí…sinceramente, temo de vez pela produção desse carnaval. Algumas das agremiações dos demais grupos vivem em situações ainda muito piores que as do Grupo Especial. Imaginaram? Prefiro nem entrar em detalhes, pois é crítico mesmo. Haja vista grossa.

Cadê o Crivella??

Os sambistas até andam imputando ao bispo e prefeito Marcelo Crivella o fato de a Cidade do Samba estar interditada. E sabemos que o carnaval não é a pauta principal dele, nosso prefeito não está nem aí para principal manifestação cultural do Rio de Janeiro. Contudo, neste caso, acreditem ou não, ele nada tem de culpado. Ele pode até ter sido um facilitador, agilizando o processo de vistoria e interdição, mas só. Eu que já culpei tanto o prefeito e alguns gestores das agremiações por pedir voto para ele, hoje vejo que chegamos naquele momento de: ou nos unimos ou nos banimos dessa festa gradualmente, pouco a pouco. Isso já vem acontecendo com muitos!
O maior espetáculo da terra não pode ficar assim. A Cidade e o Estado do Rio de Janeiro estão sendo massacrados e o carnaval não é culpado por isso, como o próprio prefeito já tentou induzir, com a falácia de remanejar parte da verba do carnaval para as creches.

Em sua rede social, o pesquisador Gustavo Melo se manifestou com propriedade sobre a situação dos barracões, dizendo que esse “cenário de desfolia” é resultado de uma série de desmandos ao longo do tempo. Apoiado por seus amigos e seguidores, que também comentaram suas indignações, Gustavo aponta que há um esvaziamento do Rio de Janeiro na cena cultural brasileira e esse é o momento de debater para encontrar soluções.

É chegada a hora de virar esse jogo

A Cidade do Samba, que é um espaço que fica aberto o ano todo e poderia receber exposições, eventos e shows, hoje está sendo usado de forma precária. Uma pena que tenhamos chegado até aqui. O momento é difícil. O carnaval está ameaçado SIM! Mas precisamos fazer mea-culpa, e olhar pra dentro vai fazer toda diferença. Faltando poucos meses para o Carnaval, esse é mais um obstáculo para as escolas de samba e para o mundo do samba. Precisamos falar mais sobre isso. Um grande passo para chegarmos a alguma solução é debatermos sobre as ações voltadas para o carnaval. As agremiações precisam se manifestar, os presidentes precisam se impor. Não há tempo para esperar um milagre. Precisamos de mais clareza das instituições e entidades carnavalescas, precisamos de ações positivas ede modernização como essa das vendas dos ingressos para Sapucaí, (quem ainda tem fax em casa?! Agora pelo menos tem UMA bandeira de cartão, amém!). Precisamos de melhores condições de acesso a Sapucaí, além de limpeza segurança.

E ninguém aguenta mais só aquele Bob´s. Falei.

Em breve acontecerá a festa de lançamento do CD das escolas do Grupo Especial. Um evento que antes era privado, regado a cerveja, uísque e camarão. Agora o povo terá acesso a ela, na quadra do Salgueiro, mas terá que pagar pra entrar e pra tomar sua cerveja. Não seria esse o melhor momento de abrir as portas e trazer o povo do samba pro seu lado, senhores dirigentes?

Senhores presidentes e ligas independentes, por favor tragam o povo para o lado de vocês, não coloquem na conta deles o que eles não têm pra pagar! Abram os braços e os bolsos, mas abram principalmente os olhos. Ou logo vocês perderão esse mesmo povo de vista e estarão no bloco do “Eu sozinho”.

Até o fechamento desse texto, os barracões da Vila Isabel, do Salgueiro e da Mocidade foram liberados. Neste momento, a fiscalização do Ministério do Trabalho está na Cidade do Samba passando pelos barracões da Beija-Flor e da Mangueira. É possível que outras agremiações também sejam liberadas ainda hoje.


Mas o Carnaval de 2018 continua caminhando a passos lento.

2 comentários

  1. É Professor, já passou da hora de levantar o dedo que aponta culpados e que sejam levantados dedos pedindo a palavra para apresentar soluções.
    Há tempos que a “fila cultural” está andando e ou “gestores do samba” não se dão conta do que ocorre ou realmente fingem não a enxergar que a perda de espaço na predileção das novas gerações e a desvalorização como atração televisiva dos desfiles é gritante.
    Hoje temos poucos sambistas e ainda um razoável contingente de desfilantes (embora muitos já cada vez mais avessos aos expedientes de ensaios), que cada vez mais acabam sendo distanciados de suas agremiações por conta de visões equivocadas dos “cartolas do samba carioca”.
    Um dos termos mais ouvidos é “profissional do carnaval”, mas que seguem tratados em sua maioria no mais puro amadorismo, e pior não o amadorismo que levou as escolas a se tornarem os fenômenos culturais que admiramos e amamos, mas sim um amadorismo com conotação depreciativa que se faz sinônimo de desleixo e irresponsabilidades.
    Hoje conto aos meus netos, que em tempos outros haviam ranchos, frevo e grandes sociedades; espero que eles não contem aos filhos deles que quando eles nasceram haviam dezenas GRES que infelizmente também despareceram.

    • Claudio Rocha de Jesus

      É meu caro Luis Santana, chegamos no momento crucial dessa festa! O mundo deu aquela volta esperada, e agora parece que chegou o momento de zerar tudo isso! As escolas terão que se reinventar! Os gestores terão que olhar para os GRES com outros olhos! Agora vamos saber de verdade quem é do samba e pelo samba e quem apenas um “equivoco” no samba!

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