Foto: Wigder Frota

Série “Sete enredos com a temática infantil”: Imperatriz 2005

UMA DELIRANTE CONFUSÃO FABULÍSTICA

Os contos de fadas encontram-se no viver carnavalesco

Só mesmo o Carnaval, o Maior Espetáculo da Terra, para proporcionar encontros entre personagens e mentes de diferentes épocas, em diálogos inimagináveis. Encontros entre Einstein e Santos Dumont, Pixinguinha e Louis Armstrong, Grande Otelo e Clementina de Jesus, que, se tivessem acontecido mesmo na vida real, poderiam ter mudado os rumos da nossa história, tanto na ciência, como na cultura. E no desfile da Imperatriz Leopoldinense de 2005, o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen foi o grande homenageado. O desfile da agremiação de Ramos celebrou os 200 anos de nascimento do autor de históricos contos infantis atemporais, como “O Patinho Feio” e “A Pequena Sereia”. E graças aos encontros que só o carnaval pode fazer acontecer, Andersen não esteve sozinho nessa comemoração: nosso mestre da literatura infantil nacional, Monteiro Lobato, autor do também atemporal “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, foi para Avenida receber o autor da Dinamarca e prestigiá-lo. Ambos se notabilizaram e alcançaram êxito e sucesso na literatura infantil.

Com o enredo “Uma Delirante Confusão Fabulística”, assinado pela carnavalesca Rosa Magalhães, a Imperatriz entrou no universo dos contos de fada de uma forma lúdica e elegante, como só a nossa querida professora seria capaz de fazer. Diz a sinopse:

“Minha gente, se acomode,
Que eu agora vou contar
Uma história tão bonita
Pra móde vos entreter,
Pra móde vos agradar.

(Quando a gente fala assim
e começa: “era uma vez”,
não tem quem não se interesse,
nem quem não queira escutar.
A criançada se achega
E gente grande com estresse
Que foi menino tomém
Se aquieta, vem , sossega,
Senta ou deita, se aconchega,
Se prepara pra sonhar.

E então tudo é possível
E se pode acreditar
Quando se é bom ouvinte;
Tudo pode ser verdade
E tudo se pode inventar).”
Enredo de Rosa Magalhães e versos de Maria Luiza Newlands Silveira

Imperatriz 2005 – Foto: Wigder Frota

Foi com esse encontro entre Monteiro Lobato e Hans Christian Andersen que a Imperatriz Leopoldinense embalou o mundo da fantasia na Sapucaí, pelas mãos mágicas de Rosa em sua brilhante passagem pela agremiação de Ramos. Um mundo de faz-de-conta, de fadas e fábulas atravessou a passarela do samba. Os 200 anos de Hans Christian Andersen foram o mote; como fio condutor, a escola trouxe a turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato, para preparar uma grande festa e receber o autor dinamarquês e seus célebres personagens. Vale ressaltar que, segundo informações da época, o enredo foi sugerido e financiado pelo governo dinamarquês. Informações dão conta ainda de que o patrocínio teria sido pago pela Câmara do Comércio do referido país e que o valor girou em torno de R$1,5 milhão. Dinheiro esse que foi muito bem utilizado pela verde e branco de Ramos, que fez todo mundo brincar e pular de alegria.

“Contando histórias, vem aí: Imperatriz Leopoldinense!”

Imperatriz 2005 – Foto: Wigder Frota

Com uma luxuosa fantasia toda branca, a comissão de frente já abriu o desfile da Imperatriz levando o público da Sapucaí à loucura. Chamadas de “Cisnes”, as fantasias e seus componentes representavam os Príncipes em Transformação, como na história de Hans que retratava os patinhos feios que depois se transformavam em cisnes. “Representa a alma do artista Andersen. Pobre, feio e pouco instruído, depois de muito trabalho e estudo, se transforma num grande escritor, conhecido mundialmente”, descreve o Livro Abre-Alas do Grupo Especial de 2005. Em alguns momentos da coreografia, a dança dos cisnes da comissão de frente remetia ao balé clássico de “O Lago dos Cisnes”, e foi tão majestosa quanto o final do conto Patinho Feio, um dos mais conhecidos de Hans Andersen. A coreografia foi de Fabio de Mello e Vitor Vidal, e a pontuação, máxima: quatro notas 10,0.

O abre-alas chamava-se “Era uma vez” e trazia uma escultura gigantesca de Hans Christian Andersen. A alegoria “Rainha das Neves” era igualmente imponente, com efeitos especiais que simulavam uma geleira para contar a história da rainha que não ria e vivia cercada de gelo. Outro destaque foi “A carroça”, com representação de pintura em porcelana chinesa.

O universo de Monteiro Lobato também foi muito bem representados no desfile. Foi um encontro com a boneca de pano Emília, Pedrinho, Narizinho, Tia Nastácia, Dona Benta, Visconde de Sabugosa e muitos outros. Muito luxo, materiais importados e efeitos especiais. Uma maravilha de trabalho da professora, exímia pesquisadora de enredo e dona de um requinte poucas vezes visto na Avenida. Em 1994, Rosa ganhou o carnaval com um enredo que narrava uma festa para os reis da França em Rouen, em 1550, do qual participaram índios brasileiros. Em 2005, ela tinha a oportunidade de repetir o feito, em um trabalho com estrangeirismos que só ela seria capaz de conduzir. Para compor o enredo, a professora trouxe muitas coisas da viagem que fez até a Dinamarca, desde brinquedos até livros e gravuras de Andersen. Todo esse material ajudou a carnavalesca a compor o seu tema.

Antes da metade do desfile, milhares de pessoas ovacionavam a “Certinha de Ramos”

Rosa Magalhães – Foto: Wigder Frota

Em matéria publicada no Jornal O Globo, no dia 10 de fevereiro de 2005, o diretor de carnaval da Imperatriz Leopoldinense, Marquinho Drumond, lembrou que, pela primeira vez, a escola foi aclamada como campeã pelo público: “Quando nós ganhávamos, o público ficava quieto. Quando o público disse que nós éramos os campões, os jurados tiram o titulo”.

É bem verdade que a escola poucas vezes foi a preferida do público. A alcunha de “Certinha de Ramos” é uma brincadeira com o modo mais técnico – e menos despojado – como a agremiação desfila. Em 2005, no entanto, ela conseguiu reverter essa imagem: a Imperatriz foi contagiante. Naquele ano, a agremiação fez um desfile empolgante e, ao lado do desfile da Unidos da Tijuca, foram os mais marcantes. A leveza e o luxo das fantasias, a originalidade de algumas alegorias, a forma lúdica como Rosa Magalhães recriou o imaginário das histórias dos contos de fadas e principalmente a alegria dos componentes contagiaram e despertaram o encanto do público presente e também dos comentaristas durante toda a transmissão. A Imperatriz foi ovacionada. Três mil adultos fantasiados de criança levantaram a Sapucaí, divididos em 39 alas e oito carros alegóricos.

Apesar do grande desfile, a escola de Ramos ficou apenas com o quarto lugar. Mesmo indo para o desfile das campeãs, ficou em todo mundo aquela sensação de que a agremiação merecia uma colocação mais alta, quem sabe até o campeonato. Como sempre, a agremiação foi tecnicamente irretocável, e, como nunca, foi emocionante.
Mérito também do maravilhoso e encantador samba-enredo, entoado até hoje em todas as festas de carnaval a plenos pulmões pelos foliões. E a aceitação da obra pelo público no dia do desfile foi imediata.

O destaque do desfile seria o samba-enredo?

Imperatriz 2005 – Foto: Wigder Frota

Além do grande desfile, o samba-enredo serviu como a “cereja no bolo” que a escola precisava para apresentar o tema na Avenida de maneira completa. Bem escolhido e bem defendido pelo intérprete da ocasião, Ronaldo Ilê, a composição de Josimar, Evaldo Ruy, Jorge Artur, Jorginho e PC era a preferida da torcida e da diretoria durante as eliminatórias da escola. O samba que a Imperatriz levou para a Sapucaí no carnaval de 2005 embalou a todos. Melodia e letra com um bom encaixe. Dois refrãos fortes e marcantes, com uma melodia na segunda parte que não diminuía o ritmo e não prejudicava a cadência da bateria. Samba leve e divertido, como sempre pede um enredo com tema infantil.

 

Com a palavra, Jorge Arthur

Um dos autores do famoso samba de 2005, Jorge Arthur falou com exclusividade ao Carnavalizados sobre a obra.
Carnavalizados: Apesar do tema difícil, unindo um autor estrangeiro com um nacional, a sinopse elaborada pela carnavalesca Rosa Magalhães não era tão rebuscada. Você acha que isso facilitou na produção da letra do samba?
Jorge Arthur: Eu acho que a sinopse nos ajudou bastante. A única coisa que nós fizemos de diferente foi uma introdução na cabeça do samba usando “Era uma vez” que encaixou bem. Mas a sinopse nos ajudou muito. Se você pegar os sambas da disputa da época, vai ver que tivemos excelentes obras. Tinha um samba lá do pessoal da bateria. Um do Marquinho Lessa e do Chopinho, outro excelente do Carlos 15 com o Alemão do Táxi… tivemos diversos bons sambas naquela disputa, isso quer dizer que todos entenderam bem o contexto do que a carnavalesca pediu. Foi uma disputa bem acirrada.

C: Não te preocupou usar o nome do autor na letra que diz: “Como um cisne altaneiro, Hans Christian Andersen”? Isso foi de fácil aceitação?
JA: Bem, não preocupou usar o nome do autor na letra, pelo contrário, nos beneficiou. Encaixou bem, apesar da dificuldade do nome. Encaixou na melodia, então acho que isso foi um facilitador. Ficou bem legal, a aceitação de toda a escola foi ótima, nós ficamos muito felizes com a confecção da letra. Quisemos colocar o “Hans Christian Andersen” e optamos por usar no refrão do meio, pra enfatizar bem o nome do autor que dava origem ao enredo.

C: O que foi fundamental para seu samba ser escolhido como o hino da escola em 2005?
JA: O fundamental para o samba ser escolhido foi o fato de que ele foi aclamado. Todos os segmentos da escola, passistas, bateria, velha guarda, harmonia, todos os segmentos abraçaram o nosso samba na disputa. Foi uma disputa muito bonita, e nosso samba foi ovacionado no final.

C: Como era e explanação junto à professora Rosa Magalhães?
JA: A Rosa nos deu até alguns livros sobre a vida de Hans Christian Andersen pra consultarmos. Era, e ainda é, um escritor de muito sucesso, com obras infantis fantásticas. E nós tivemos algumas fontes de consulta que ela passou. E ela também nos ajudou bastante no “Tira Dúvidas”, nós tivemos dois dias para tirar dúvidas. Levamos a letra para ela, ela fez as criticas. Quando finalizamos a letra, ela gostou muito, pelo menos tinha sido a nossa impressão quando nos passamos a letra para ela. Gostou bastante e não pediu mais mudanças. Nos deixou bastante confiantes, apesar de nós, todos nós da parceria, nunca tínhamos ganhado um samba na Imperatriz. Mas Rosa nos deu a base pra gente chegar nessa obra maravilhosa que foi o samba de 2005.

C: Seu processo de criação de sambas-enredo de 2005 mudou muito para o que você faz hoje?
JA: O que mudou de 2005 pra cá foi o acesso a internet, né? Hoje a gente tem tudo na internet, essas fontes de consulta são muito mais acessíveis e a cada dia que passa tem mais informação. Hoje até pelo smartphone a gente consegue fazer consulta. Naquela época nós tínhamos que criar e inovar dentro daquela sinopse, mas nós tínhamos que fazer algo novo em termos de letra. O desfile de uma escola de samba é um projeto audiovisual, onde a pessoa escuta aquilo que está passando na frente. Tem que colocar uma poesia que faça a escola evoluir, o samba tem que atender não só a parte plástica, como a parte de chão (componentes), né? Evolução, Harmonia. Tem que ser um samba em que a bateria possa criar bossa e manter o andamento da escola dentro daquele tempo limite… Então tudo isso é muito importante na criação do samba e a internet hoje em dia nos facilita bastante pra encontrar fontes.

Imperatriz 2005 – Foto: Wigder Frota

Algumas notas do desfile:
Enredo: 9,9 – 10,0 – 10,0 – 10,0; Bateria: 10,0 – 10,0 – 9,9 – 10,0; Enredo:10,0 – 10,0 – 10,0 – 10,0.

Link do desfile: https://www.youtube.com/watch?v=EMyg156e620

Era uma vez…
E um sorriso de criança faz a gente acreditar…
Era uma vez…
Em um mundo encantado, se prepare pra sonhar…
Contos de fadas, rainhas e reis…
Roupas que o povo não pode enxergar
Os sapatinhos dançando sozinhos
Um rouxinol a cantar
Sereia menina, a bailarina…
Universo criado por um sonhador
E o menino venceu a pobreza
E fez da arte a linda princesa
Com quem viveu grande amor
Pega a viola o repentista
Conta em versos que o grande artista
Da Dinamarca voou, foi além (bis)
Como um cisne altaneiro
Hans Christian Andersen
Foi Monteiro Lobato
Um mestre de fato da literatura infantil
Histórias escritas com arte
E de todas as partes contou no Brasil
O sítio não tem fronteiras
Abrindo as porteiras pra imaginação
Dona Benta recebe encantada
O povo dos contos de fadas
Numa delirante confusão
A turma do sítio apronta
A imperatriz faz de conta
Emília cantando assim: (bis)
Vem viajar nessa história
É só dizer pirlimpimpim

Sobre a série “Sete enredos com a temática infantil”

Quem é amante do Carnaval sabe o quanto alguns desfiles de escolas de samba fizeram viajar nas lembranças da infância. E o Carnavalizados preparou este conteúdo exclusivo como uma forma de homenagear nossas crianças, o futuro do nosso mundo, mas também como forma de homenagear a criança que há dentro de cada um de nós, resgatando o universo infantil dos desfiles de Carnaval. Pois, quando nos tornamos adultos, nossa criança interior fica distante, guardada num baú de histórias e memórias, no qual pouco mexemos. E recordar esses trabalhos feitos na Avenida é uma forma de relembrar tudo aquilo que nos divertia e nos trazia alegria.

Como é bom ainda ser criança! E como é bom para o Carnavalizados poder te ajudar a matar a saudade da criança que habita em você.

É um presente pra você, adulto, criança crescida, que acompanha o nosso trabalho.

Divirta-se. Oni Beijada!

 

Por: Claudio Rocha e Gabriel Cardoso

Deixar uma resposta

Seu email não sera publicado. Campos obrigatórios *

*