Foto: Wigder Frota

Série “Sete enredos com a temática infantil”: Rocinha 1997

A VIAGEM FANTÁSTICA DO ZÉ CARIOCA À DISNEY

O carnaval de 1997 foi agraciado com dois desfiles no grupo especial com a temática infantil. Além do Acadêmicos da Rocinha, o Império Serrano levou para a Avenida “O mundo dos sonhos de Beto Carreiro”, que contava a história do lendário sertanejo que, depois de uma visita à Disney, nos Estados Unidos, resolveu vender tudo que tinha para criar o maior parque multitemático da América Latina. Mas quem falou mesmo da Disney nesse ano foi a Rocinha.

Para desenvolver o enredo, o fio condutor foi o famoso personagem Zé Carioca que inclusive deu nome à parte do titulo do enredo por ser o único personagem criado no Brasil. No início dos anos 1940, Walt Disney criou o papagaio durante uma visita ao Brasil. Disney e sua equipe fazia uma viagem pela América do Sul durante a Segunda Guerra Mundial.

Carioca da gema, Zé foi desenhado dentro do hotel Copacabana Palace, com o pretexto de ‘encontrar novos companheiros para o Pato Donald e o Pateta’. Dizem que a intenção era política, mas essa discussão deixaremos para depois. Seja como for, a primeira aparição de Zé Carioca foi em 1942, no filme “Alô, amigos” – “Saludos amigos”, no título original. A história narra um passeio turístico de Donald e Pateta (guiados por Zé) pelas paisagens de cinco países da América do Sul: Brasil, Argentina, Peru, Bolívia e Chile. O papagaio foi inspirado em, basicamente, três pessoas, entre elas, o músico paulista José do Patrocínio de Oliveira, o Zezinho, que emprestou seu jeitão boêmio (a fonte dessas informações é o site http://diariodorio.com/historia-do-ze-carioca/ vale uma visita para conhecer melhor a história do personagem).

Fantasia da Disney se torna realidade no mundo dos shoppings e do samba

Com essa chamada, o Jornal O Globo, publicado em dezembro de 1996, diz em uma de suas paginas: “Em fevereiro, Mickey, Pateta e companhia vão cair na folia com o enredo milionário da Acadêmicos da Rocinha, ‘A viagem fantástica do Zé Carioca à Disney'”. Esse era o sinal de que a escola viria muito rica! Mas segundo os comentarias da transmissão pela TV, os estúdios Walt Disney não colaboraram com dinheiro. Na verdade, o que eles fizeram foi disponibilizar técnicos da Disney apenas para ajudar nos efeitos especiais dos carros da escola. Nada disso, no entanto, foi suficiente, uma pena.

Foto: Wigder Frota

A justificativa do enredo escrita por Flavio Tavares dizia:
“Era uma vez um moço, e esse moço tinha um sonho e esse sonho se realiza a todo o momento, por cada um de nós. É um sonho mágico de encantamento e fantasia, de sedução e alegria. E quando houver um pequeno traço, por menor que seja de pureza e ingenuidade em nossos corações, ele continuará a ser realizado a cada instante, a cada infância e em cada sorriso infantil.

Era uma vez um moço chamado Walt Disney

E esse moço tinha um sonho
E esse sonho é o mundo Disney
E esse mundo, em 1997, completa 25 anos
E foi por acreditar nessa magia e para comemorar seus 25 anos, que a Acadêmicos da Rocinha resolve mostrar todo esse encanto na maior Festa Popular do Planeta — O Carnaval Carioca — tão grandioso em fantasia quanto o mundo Disney.”

A Rocinha foi a primeira escola de domingo a entrar na passarela. O desfile foi baseado em algumas das atrações dos parques da Flórida e era apresentado pelo Zé Carioca. A comissão de frente era composta por 15 componentes vestidos de borboleta, símbolo da escola, nas cores do arco-íris (arco-íris já foi um dos efeitos mais usados para compor esse segmento nas escolas; o recurso de usar fantasias com sete cores diferentes produz um belo efeito para abrir o desfile). A coreografia ficou por conta de Oswaldo Barry, que trabalhava com a Xuxa e dava cursos de modelo e aulas de dança. As fantasias eram de muito bom gosto, e cada componente representava as asas da imaginação. Os componentes, todos moradores da comunidade da Rocinha, carregavam em suas fantasias um pequeno gerador para dar um efeito com as luzes das lâmpadas que os ornavam. Mas a apresentação não comoveu tanto os julgadores: 9,0; 9,0; 8,5; e 8,5.

A segunda alegoria trazia o Castelo da Cinderela, e os outros carros representavam atrações famosas dos parques. A escola desfilou com 3.500 componentes, divididos em 29 alas e oito carros alegóricos.

Um fato que chamou atenção no desfile foi a ausência do terceiro mestre-sala da escola. A porta-bandeira japonesa Michiko desfilou sozinha. Segundo informações da TV, ele simplesmente não compareceu ao desfile.

Outro fato curioso é que os personagens mais famosos da Disney — Mickey, Pato Donald, Pluto, Tio Patinhas — também não foram vistos no desfile da tricolor da Zona Sul. Em uma matéria publicada em fevereiro de 1997, o Jornal O Globo indagava o porquê dos personagens não terem sido vistos na Avenida. O jornal fez ainda uma provocação: disse também não ter visto “brasileiros mal educados” (assim eram vistos os brasileiros que visitavam o parque da Disney nos Estados Unidos). Mas, em contrapartida, diz a matéria, não faltou Zé Carioca, presente em todas as alegorias. Ironicamente, a matéria finaliza dizendo que a Rocinha quis montar um castelo encantado de cartas e que esse castelo poderia cair fazendo alusão ao rebaixamento. O que infelizmente aconteceu. E justamente as duas escolas que desfilaram com temática infantil, Rocinha e Império Serrano, foram rebaixadas. Completaram o descenso em 97 o Estácio de Sá e a Acadêmicos de Santa Cruz.

A internacionalização do enredo

Foto: Wigder Frota

Naquele ano, comunidade e escola estavam preocupadíssimos quanto ao enredo, por se tratar de um tema estrangeiro. Até então, enredos com temas internacionais eram proibidos, seguindo o regulamento de 1947 e a decisão da Riotur de 1976, ambos defendendo os “enredos nacionalistas”. Mas foi justamente nesse ano que Liga autorizou as escolas a usarem temas estrangeiros (obtivemos essa informação no vídeo do desfile na TV). Outra mudança importante de 97 foi a redução de carros alegóricos: de 10 para oito alegorias. Atualmente, importante lembrar, são permitidos de cinco (mínimo) a seis (máximo) carros, com a permissão de um carro acoplado.
A restrição para enredos com temas do exterior ressurgiu curiosamente em 1974. Na ocasião, o grande Joãosinho Trinta, no Salgueiro, levou para a Sapucaí “O Rei da França na Ilha da Assombração”, conquistando o título daquele ano. E o bicampeonato veio em 75, com “As Minas do Rei Salomão”. Inconformadas com a derrota, outras escolas tentaram acusar o Salgueiro de desenvolver enredo estrangeiro, mesmo sabendo que ambos se tratavam, bem basicamente, de expedições ao Brasil. Foi por conta desse imbróglio que surgiu a decisão da Riotur de 1976 sobre a consolidação de enredos estritamente nacionais.

Por isso, após a decisão, Joãosinho Trinta, desta vez na Beija-Flor, leva em 76 para a passarela o antológico “Sonhar com Rei Dá Leão”, sagrando-se campeão com a agremiação de Nilópolis. O tema, como solicitado, foi bem nacional: o jogo do bicho.

Em certa medida, pode-se dizer que a abertura para enredos internacionais trouxe muitos benefícios. Segundo o jornalista e pesquisador de carnaval, Gustavo Melo, ainda que não tenha havido grande adesão à temas do exterior, a abertura permitiu a possibilidade de buscar mais patrocinadores. “Na década de 90 já começaram a se insinuar de forma agressiva os patrocínios, como o Ceará na Imperatriz Leopoldinense em 1995, com um aporte financeiro de R$ 200 mil, que na época era uma fortuna; no próprio ano de 97 com o Beto Carreiro no Império. No ano seguinte, o Salgueiro traria Parintins, também patrocinado”, conta.

Gustavo, que também é ex-diretor cultural do Acadêmicos do Salgueiro, fala que, entretanto, também há seus pontos negativos em conseguir grandes patrocínios. De acordo com o pesquisador, isso acaba por causar uma distorção na concepção do que é enredo e que é preciso que haja pertinência para contar uma história na passarela do samba. “Teve até uma discussão sobre isso na Carnavália [feira de negócios do Carnaval], dizendo que tudo dá enredo. Não dá. Nem tudo dá enredo. A Disney é um exemplo. Não foi bom. E olha que foi feito por um grande profissional, que é o Flavio Tavares, um excelente figurinista, excelente enredista e excelente artista plástico. Mas ele não deu conta porque há o limite da pertinência e do caricato. É um enredo de difícil concepção, com um samba-enredo fraco, que nada acrescentou à Rocinha.”

Aquele Samba-enredo

Foto: Wigder Frota

Curiosidade: em 1973 as escolas assinam contrato com a gravadora Top Tape para gravar o disco dos sambas-enredo, que logo se transforma em fenômeno de vendas; a Associação assina contrato com a TV Rio para comercialização de fitas com o desfile no exterior. O samba-enredo se torna um negócio rentável, e desperta o interesse dos estrangeiros em investir no espetáculo.

Em 1997, no entanto, o samba da Acadêmicos da Rocinha não foi muito bem recebido pela crítica na época. Muitos julgaram ser um tema difícil, o que teria dificultado os compositores na composição da obra. Os autores são Gilson da Ilha, Porchat, Carlinhos Mustang, Wilsinho Saravá e Jorge Mirim. A obra foi interpretada por Alexandre D’Mendes.

A letra do samba:

Com a Disney me encantei
E fiquei maravilhado
A artista reluziu
E num traço de magia
A infância coloriu
Oh! Que sedução
Um reino encantado, um paraíso
Onde brota o sorriso
Do amor sem fronteiras
De heróis e vilões
Vem, vamos brincar, extravasar
Explodir de alegria
Amor e sonho
Realidade e fantasia

Zé Carioca, malandro
Bem brasileirinho faz no pé
Incendeia esse terreiro

Mickey Mouse e sua namorada
Formam um casal feliz
Pluto e Pateta fazendo trapalhada
A garotada pede bis
Vem, meu amor
Minha pequena sereia
Vem e clareia
Essa avenida de emoção
Tio Patinhas, Pato Donald e o Rei Leão
Todo mundo nesta festa
A hora é essa de alegrar seu coração

Abra a roda, criançada
Vamos sacudir
Rocinha faz a festa na Sapucaí

 

O link com o vídeo do desfile:
https://www.youtube.com/watch?v=F315XGC1WQU

 

Sobre a série “Sete enredos com a temática infantil”

Quem é amante do Carnaval sabe o quanto alguns desfiles de escolas de samba fizeram viajar nas lembranças da infância. E o Carnavalizados preparou este conteúdo exclusivo como uma forma de homenagear nossas crianças, o futuro do nosso mundo, mas também como forma de homenagear a criança que há dentro de cada um de nós, resgatando o universo infantil dos desfiles de Carnaval. Pois, quando nos tornamos adultos, nossa criança interior fica distante, guardada num baú de histórias e memórias, no qual pouco mexemos. E recordar esses trabalhos feitos na Avenida é uma forma de relembrar tudo aquilo que nos divertia e nos trazia alegria.
Como é bom ainda ser criança! E como é bom para o Carnavalizados poder te ajudar a matar a saudade da criança que habita em você.

É um presente pra você, adulto, criança crescida, que acompanha o nosso trabalho.

Oni Beijada!

 

Por: Claudio Rocha e Gabriel Cardoso

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