Acadêmicos do Salgueiro Carnaval 2020 - Foto: Fernando Tribino

Na tela da TV, mas não no meio do povo: o compacto que nos forçam a assistir

Houve um tempo — os saudosos tempos de TV Manchete — em que as pessoas aprendiam a se apaixonar pelo carnaval e pelos desfiles assistindo televisão. Uma época na qual não era preciso dispor de 50 câmeras, “super câmera lenta”, 15 repórteres, cabine com show particular, muito menos efeitos especiais. Bastava os quadros abertos, em três ou quatro ângulos, mostrando o que o povo de fato queria ver: Escola de Samba. Nem mesmo os apresentadores falavam muito, para não atrapalhar o espetáculo.

Não sei vocês, mas nós nos apaixonamos por carnaval desse jeito. Só muito tempo depois pudemos pisar na Sapucaí, e mesmo assim nos desfiles do Grupo B. Acesso e Especial eram — e ainda são — muito caros.

Não é de hoje que a festa das agremiações carnavalescas — atualmente um megaevento e um meganegócio, cada vez mais confinado no ambiente privado — vem perdendo sua essência ancestral e se tornando uma lucrativa mercadoria ao alcance apenas dos que podem pagar o alto preço de seus ingressos, segregando os mais pobres. A transmissão dos desfiles pela TV aberta seria, portanto, não apenas uma forma de apresentar nosso espetáculo ao mundo, de mobilizar apaixonados, mas também um potente instrumento de agregação, permitindo colocar a festa em um território mais democrático. No entanto, nada disso adianta se a detentora dos direitos de transmissão não apoia, de fato, o acesso à cultura popular.

Primeiro porque é estarrecedor o pouco caso que a emissora detentora dos direitos tem com o produto dela e, principalmente, com a maior manifestação popular do planeta. O que foi apresentado na noite de ontem como “programa”, esse compacto tosco de desfiles, foi, no mínimo, constrangedor.

E como se isso não bastasse, a emissora derrubou todas as transmissões ao vivo da imprensa carnavalesca alternativa, no YouTube. Transmissões de desfiles antigos, que estão disponíveis o ano todo na plataforma de vídeos. Transmissões de amantes do samba em um ano sem carnaval. Um ano de pandemia, no qual as pessoas não podem pisar na rua, que dirá na passarela.

É tirano e repugnante retirar do ar o trabalho de profissionais que estão ali desenvolvendo um projeto SEM FINS LUCRATIVOS. Cujo propósito era colocar no ar um programa de entretenimento apenas pelo amor ao carnaval, para levar alegria a um povo desanimado, cansado e trancafiado dentro de casa. Repito: em um ano sem carnaval. Apenas desfiles antigos.

Se você for ao YouTube agora, verá que todos os desfiles estão lá. Então, qual o problema de transmiti-los com outra roupagem e perspectiva? Nas palavras do jornalista Fabio Fabato, uma “iniciativa de uma distopia carnavalesca”.

Não adianta nada passar um programa inteiro defendendo a importância do carnaval para o povo e para economia da cidade e no fim do dia coibir aqueles que querem levar alegria e diversão às clausuras dos foliões.

Mesmo que seja pelo dinheiro, a estratégia de aglutinar o poder de transmissão é limitada, pois perde oportunidades de massificar o assunto e mobilizar a audiência para assistir suas transmissões futuras. Em uma live com pouco mais de 1.500 pessoas simultâneas, o canal Boi com Abóbora atingiu o segundo lugar nos Trending Topics do Twitter. Isso com apenas UM canal, sem patrocinadores, sem verba de comunicação e sem apoio. Imagine o que toda a imprensa alternativa de carnaval e a Rede Globo, juntas, não poderiam fazer?

Não é pela vaidade da audiência. É pelo respeito à cultura popular.

Nós, do Carnavalizados e da imprensa alternativa de carnaval como um todo, repudiamos a atitude de ontem por todo o descaso que ela representa contra a maior manifestação cultural do país. Por sermos obrigados a permanecer de braços cruzados enquanto nos apresentam um programa que o povo do samba não quer ver, em um horário indigerível. Que está agora nos mesmos Trending Topics, porém do ponto de vista negativo.

É por esta razão que este canal sempre será um espaço de entretenimento, diversão e informação. E também de resistência.

Respeitem nosso trabalho. Respeitem nossa festa!

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