“COM DINHEIRO, OU SEM DINHEIRO, EU BRINCO”
“Este samba é pra você
Que vive a falar, a criticar
Querendo esnobar, querendo acabar
Com a nossa cultura popular (…)
Fronteira não há, pra nos impedir
Você não samba, mas tem que aplaudir”
(Sereno, Adilson Gavião e Robson Guimaraes)
Com polvilho, farinha sem valor, limão de cheiro e água de bica, vou brincar no molhado que decretará o início do meu carnaval. “Minhas vergonhas” eu cubro com papel barato e lanço a fantasia no vai e vem das ondas do mar. A “pancada no couro” de dois ou três tambores ressuscitarão um Zé Pereira que arrastará a multidão. Mesmo “com o bolso furado”, que “o sapato aperte” e que a “corda esteja no pescoço”, em qualquer esquina que junte gente irmanada, em qualquer batuque de mesa de bar, em qualquer palma de mão, em qualquer “laiá laiá”, em qualquer pé descalço que sambe no chão, vive o carnaval e a liberdade da minha gente. Em qualquer botequim, ao redor de qualquer mesa que reúna meia dúzia de bambas, na rima improvisada de um partideiro, no couro que faz vibrar tantãs e pandeiros, fundo a sede de uma Escola pra tanta gente que tem sede de sambar.
Se o botequim é a nossa sede, a rua é o nosso palco. Logo, a Avenida é para onde a rua deve ir. Grito no canal que desemboca na Zona do Mangue: Levanta-te, Ismael! Traz contigo os velhos bambas que, tidos como marginais, inventaram isso que hoje buscamos tomar com as mãos sujas de confetes. Vem a mim a Escola do povo! A “grade” é uma corda velha e frouxa. Clamo pelo espírito de “um” Arengueiro. “Pra vadiar, pra agitar a massa, pra atiçar e embalar a multidão.” Na linha do “vai como pode”, tudo é fantasia. À guisa de enfeite, uma lata d’água sobre a cabeça de um corpo que verga com graça. Dos morros, quero uma corte de reis e rainhas de mazelas desconhecidas. Gente que se concentre, mas pra desfilar, prefira o asfalto da Presidente Vargas. Goles de álcool e delírio inflamam Pamplona a acender a gambiarra da decoração de uma velha Avenida. Na retina dos olhos de quem vê, brilha o cortejo de tempos idos: O samba “no pó e na poeira,” “o pires na mão” , a “raça costumeira”.
No muro, em letras garrafais, um mascarado mal trajado alardeia: “A SAPUCAÍ É NOSSA!” O portão que mantém a Avenida fechada tomba. Em convulsão de riso e mordaz alegria, “gente sem colarinho” vibra como um CORDÃO tingido com as cores da carne e das fantasias de nossa gente. De assalto, e sem ensaio prévio, toma-se uma Avenida que, por ironia, marcha involuntariamente em direção a uma praça. A praça que a “massa amassada” quer tomar. Há na festa uma fresta. E, pelas frestas dessa festa, resolvi fazer meu carnaval. Derrubados os portões que separam a “rua da Avenida” vos digo: “O rei que manda na folia está nu!” Mais do que nu. Está morto! Rei morto, Rei posto. Com pressa e ânsia convoco: Vem a mim Caciques que partem de Ramos! Quero irmanados os beberrões do Bola Preta! Quero de novo “o bafo que sopra da boca da onça”! Bate-bolas suburbanos cercam entradas e saídas para estourarem bombas de confete e serpentina. Os clarins das Bandas dão o tom do “xeque-mate”. Dobram a curva que desemboca na Avenida os travestidos. Os estandartes de muitos blocos. Os afoxés. Gente que já veio e não vem mais. Gente que nunca veio e sempre quis vir. Um baile a céu aberto de foliões cheirando a álcool e a suor. Que pintam e bordam. Que deitam e rolam. Que cantam e dançam fazendo do samba um “pagode”, de um “pagode” uma mensagem, da mensagem, a redenção: “é o povo, quem produz o show e assina a direção.”
Por hora, não sou mais o desfile de sempre. Não sou mais a Escola que fui. Rasguei a minha fantasia. Deixo nua a verdade daquilo que sou: Sou um Bloco de sujo que desfila sem governo e que as mãos não podem me botar cabresto. Sou um Arlequim de cetim ordinário. Sou um Diabinho sem capricho. Um pierrot em desalinho. Um Mascarado “mal ajambrado”. Uma Colombina sem posses. Um mandarim que o sapato furou. “Mandei às favas a ordem”; desprezo as filas; “não dou bola” à renda investida; ao governo; ao órgão oficial; a TV – se liga, ou se desliga.
PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E TEXTO: LEANDRO VIEIRA – JULHO DE 2017.