“A Nação do Mangue”: Grande Rio exalta a Revolução Cultural do Manguebeat no Carnaval 2026

Da lama nasce a vida — e também o enredo da Grande Rio para o Carnaval 2026. Com o título “A Nação do Mangue”, a tricolor de Duque de Caxias mergulha fundo no movimento Manguebeat, que brotou das margens de Recife para sacudir os alicerces da música, da cultura e da política brasileira nos anos 1990.

A escola se conecta com as raízes lamacentas e potentes dos manguezais para mostrar que da periferia, do abandono e da resistência nasce força criativa capaz de transformar o mundo. A Grande Rio faz do desfile uma ode à revolução sonora e estética que floresceu entre maré e lama, impulsionada pelos beats de Chico Science, pelas palavras afiadíssimas de Fred Zero Quatro e pela batida híbrida das alfaias em transe.

Uma revolução que começa no mangue
O enredo percorre as águas turvas e simbólicas do manguezal para cantar um Brasil que pulsa à margem, mas que dita o ritmo do centro. Caboclos de lança em sua dança ritual, maracatus que ecoam tambores ancestrais, guitarras distorcidas e letras incendiárias ganham as avenidas da Sapucaí.

Mais que uma homenagem, “A Nação do Mangue” é um manifesto carnavalesco: uma convocação para ouvirmos os gritos abafados da margem — sejam eles de Pernambuco ou de Duque de Caxias — e reconhecermos neles a potência de um país que se reinventa por meio da arte e da coletividade.

Homens-caranguejo na avenida
Na Grande Rio, todos serão homens-caranguejo, criaturas resilientes, que caminham de lado, mas jamais deixam de avançar. Uma nação de artistas, operários, pensadores e foliões que brotam da lama com o estandarte da reinvenção, fazendo do Carnaval um palco de consciência e beleza.

Entre guitarras elétricas e alfaias retumbantes, entre tradições populares e revoluções sonoras, a Grande Rio vai levar para a avenida o grito dos marginais que fazem história. Um desfile que celebra a força da cultura periférica e a capacidade da arte de se tornar ponte, tambor, manifesto e resistência.

“A Nação do Mangue” não é só enredo — é chamado. É um grito coletivo: viva o Manguebeat! Viva a cultura da lama! Viva o Brasil que canta, dança e luta!

Leia a sinopse do enredo 2026:

Logo do enredo 2026

A NAÇÃO DO MANGUE” 

JUSTIFICATIVA 

De tempos em tempos, a cultura brasileira revela movimentos organizados em torno de ideias que rompem modelos, apontam novos caminhos, fazem da cena musical parte transformadora da vida social e política do país. Este enredo conta a história de um desses momentos transgressores e, ao mesmo tempo, construtores da cultura nacional

Nas margens de Recife, nas bordas da capital pernambucana, das vozes da juventude periférica da então quarta pior cidade do mundo, brotou uma sentença simples, mas revolucionária: o mangue é vida. Antes vistos como espaços de miséria, os manguezais são ressignificados como símbolos de fertilidade, resistência e reinvenção. Com suas canções e arte, os jovens nascidos sob a lama bradaram que era das raízesveias do mangue que pulsaria a energia vital capaz de reviver e eletrificar uma cidade adormecida, adoecida, opaca e fúnebre

No próximo carnaval, a Grande Rio mergulha na história do movimento do Manguebeat e revisita esse grito. Não como lembrança, mas como urgência. Porque o manifesto lançado pelos Caranguejos com Cérebro❞ nos anos 1990 segue atual. Nossas cidades continuam doentes, a desigualdade persiste e, mais do que nunca, é preciso lembrar que é das periferias que se fará ouvir os sons capazes de alterar a rota da sociedade

Tal como o próprio mangue, responsável pela troca entre as águas doces e salgadas, entre as espécies marinhas e terrestres, o Manguebeat realiza a troca, a mistura, o encontro de múltiplas influências (e afluências). Das tradições da cultura local aos mais modernos arranjos e tecnologias da música global. Sob a liderança breve, mas decisiva, de Chico Science, consagrado como o poetacaranguejo, os mangueboys e as manguegirls irromperam fronteiras políticas e geográficas. Inspiraram artistas de todo o país e do mundo. Fundaram suas próprias nações. E motivam, hoje, o nosso carnaval

Daqui de Caxias, também nós rodeados pelos mangues; também nós energizados pelas margens; também nós cidadeanfíbia; vamos ecoar o grito que captamos ao nos sintonizarmos aos sons de mestre Salu, do Lamento Negro, da Nação Zumbi, do Mundo Livre e de tantos outros fundamentos do movimento: é preciso manter os estuários vivos, preservar o mangue! Basta de morte e de fome! A vida e a cultura que emergem das margens é que vão salvar a cidade

e , em Recife e em Caxias, nos Peixinhos e na Baixada Fluminense, em todos os cantos e margens desse país, a cultura periférica é a revolução

Bemvindos à Nação do Mangue. 

 

A NAÇÃO DO MANGUE” 

SINOPSE 

Entra, entra, entra 

Senta 

Bem-vinda ao novo mundo” 

Chico Science mandou nos chamar. Somos os caranguejos com cérebro evocados por Fred Zero Quatro, filhos dos homenscaranguejos de Josué de Castro, da geografia da fome, mangueboys e manguegirls das periferias. Chegamos para mudar o curso dos rios, oxigenar os estuários, injetar a cultura do povo nas veias e artérias entupidas pelo lixo, pelo abandono e pela impotência fazer revolução

Somos o manguebeat. 

Nós da Lama: O Mangue Ancestral. 

Na verdade, foram os mangues os primeiros conquistadores 

desta terra. Foram mesmo, em grande parte, os seus criadores” 

Josué de Castro 

Viemos da lama, do lodo, dos igarapés, do beijo doce em águas de sal. Somos daquela vida que se manifesta pegajosa, sufocante, desconhecida. Uma vida que atrai e afasta, se mostra e se esconde, vai e vem no ritmo das marés. Às vezes mar, às vezes rio, quase sempre lama. Estamos nos manguezais de braços entrelaçados, cipós retorcidos, galhos que cortam, espinhos, folhas secas, nós de troncos

Nós somos nós

Viemos de onde vêm as capivaras, savacus de coroa, jacarés de papo amarelo, muriçocas, calangos e caranguejos bichos e homens, homensbicho. Habitamos o mangue vivo, organismo que pulsa, filtra e fertiliza. Somos feitos de raízes aéreas, encharcadas, raízes de terra e de ar. Veias abertas. Nascemos dos mangues tingidos de vermelhosangue, lavados no suor, banhados de vida, abençoados e protegidos pela senhora de todos os pântanos, mãe ancestral que rege a nossa natureza. 

Nós das Margens: A Manguetown 

Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaçaDa Lama ao Caos, Nação Zumbi 

Aqui a vida arde como brasa. Pescamos em nossas canoas feitas de pau de bananeira, limpamos mariscos, acendemos velas, queimamos no sol enquanto lavadeiras nas margens do rio entoam cantos de lamento e proteção. Sob as pontes, somos os caboclos destemidos de Bandeira, os meninos com fome de Freire. Na beira da água, vivemos sobre palafitas, fazemos morada na incerteza e nos sonhos feitos de lama. Seres híbridos

entre o barro e a água, entre o homem e o caranguejo, entre o céu e a terra. Caminhamos sobre um chão de conchas

Somos dos aratus, gabirus, carcarás e urubus. De Beberibe, Pina e Capibaribe, as grandes águas de João Cabral de Melo Neto, as águas que nada sabem da chuva azul, da fonte corderosa, da água do copo de água. Águas espessas que banham homens e mulheres, velhos e crianças, cães sem plumas. É esse o nosso rio. O rio que sabe dos caranguejos, do lodo, do fedor e da ferrugem. O rio que sabe de nós. 

Estamos à margem, quase invisíveis. Corremos entre os viralatas, brincamos com os guaiamuns, cercamos galinhas e porcos, erguemos nossos templos de reza, nossos terreiros de encanto, tomamos banho de canal quando a maré enche. Os de fora, em seus arranhascéus, quando conseguem nos enxergar, nos veem tortos feito as raízes que nos cercam. Não veem eles que a cidade é que está torta, pobre, morta. os que estão dentro, na teimosia da vida diária, se veem como nós. Daqueles que amarram, apertam, abraçam, unem. 

Nós das Ruas: O Mangue Festa 

Batuqueiro olha a onda 

Não se atrapalhar 

Meu batuque é forte, meu canto arrepia 

Meu barco balança com as ondas do mar” 

(Batuqueiro Olha a Onda Maracatu Nação Porto Rico

Onde há vida, há festa. Dançamos cirandas, brincamos nas madrugadas com o Galo, batemos na palma da mão, vestimos cores, sambamos como maiorais. Filhos desse Brasil que pulsa nos tambores e batuques, que festeja e faz da festa identidade. Somos feito as ursas, os capoeiras, os mamulengos e os caboclinhos. Vivemos na farra, no riso, nos amores, nas vertigens. Nas ruas, somos os nós desatados, os versos soltos, os corações livres

Cultivamos as festas, cultuamos os deuses da beleza, do amor e da luta é 

essa a nossa cultura

Quem é do mangue carrega a realeza ancestral dos maracatus. Viemos de Congo e Pernambuco, África e Brasil. Nosso corpo é feito dos bordados, miçangas, lantejoulas, canutilhos. Seguimos cobertos com os mantos, tomamos bênçãos aos mais velhos, carregamos o cravo na boca e a rebeldia que transforma. Temos a força dos caboclos, a dança dos fitilhos metálicos incorporados de energia e vibração. Somos do gonguê e do ganzá; da sambada e do improviso. Somos da gira, do giro e do rodopio. Reis e rainhas. Coroados e brincantes. Cavalos marinhos e batuqueiros. Catitas em flor. As damas do passo abrem nossos caminhos, as calungas em banho de purificação, o batuque surdo das alfaias, os estandartes como bandeiras de uma nova nação

Estamos prontos. 

Chegamos com a lança apontada para frente. 

É essa a nossa batida

Nós da Lança: O Manguebeat 

A cidade não para, a cidade cresce 

O de cima sobe e o de baixo desce 

(A Cidade. Chico Science e a Nação Zumbi

Chico chamou

Viemos do tempo e da história. Trazemos no peito a coragem, a raiz de Palmares, as dores e as marcas das batalhas. Nosso som é herdeiro da rabeca de mestre Salu, dos ritos do Daruê Malungo, dos ensinamentos do Mestre MeiaNoite, da batida afro do Lamento Negro, do corre nas ruas de Rio Doce, das encruzilhadas de Peixinhos, do Chão de Estrelas

Chegamos para misturar. Somos de Zumbi, Dandara e Antônio Conselheiro. Do hiphop, do rap e do rock. Embolada, coco, cordel e ciranda. Samba e metal. Baque solto e baque virado. Somos Josué e Solano, Gonzaga e Capiba, Vitalino e Brennand, Fred e Mau, Lia e Fulozinha, Benjor e Du Peixe, rio e mar, lama e caos. Somos passado e futuro, memória e sonho. Nossos caboclos têm a lança certeira

Uma antena cravada na lama nos deu percepção e direção. Recebemos e transmitimos; aprendemos e ensinamos. Temos o tempo que foi e o que ainda virá. Fizemos das margens, centro. Despertamos uma Recife adormecida e cansada, ligamos a cidade nas tomadas, fizemos barulho e revelamos a vida das gentes escondidas nos mangues. 

Nosso som penetrou nos rios, nas casas, nas almas e nos corações dos nossos. 

Eu vim com a Nação Zumbi 

Ao seu ouvido falar 

Quero ver a poeira subir 

E muita fumaça no ar Cheguei com meu universo 

E aterrisso no seu pensamento (Mateus Enter Nação Zumbi

Desorganizamos 

para organizar, organizamos 

para 

desorganizar. 

Espalhamos o caos. Do caos, a lama vence! Transformamos a arte, a música, a literatura e o cinema. Conectamos a cidade com toda a potência marginal que faz revolução. Refizemos nós. Cantamos com os poetas do povo, revolvemos a lama, marcamos nossos territórios, explodimos os maracatus atômicos. Ganhamos o mundo

Entre as raízes sagradas do mangue, fundamos a nossa nação. 

Nós do Mundo: O Antromangue 

E com as asas que os urubus 

Me deram ao dia 

Eu voarei por toda a periferiaManguetown, Nação Zumbi 

Nossa nação é a nação de Brasília Teimosa, Coelhos, Favela do Leite, Ilha de Deus. É a nação de Jardim Gramacho, Saracuruna, Imbariê, Capivari. Uma nação de periferias. Que junta a potência do som das alfaias e a fúria eletrônica do Manguebeat aos tambores invocados e à garra do povo da Baixada. Recife e Caxias, cidades anfíbias, cidades irmãs, nós atados. Entre troncos, galhos, urubus e caranguejos, somos o homem parido no mangue e seus mundos livres

A tecnologia do povo é a vontade, anunciou a Nação Zumbi

— 

A Nação do Mangue o Antromangue idealizado por Chico Science é a nação dos que festejam como resistência, os que dançam em volta da roda, batem seus tambores, bebem suas cervejas antes do almoço, pensam melhor, pulsam com as caixas de som, rompem as fronteiras do mundo, creem na arte, na ciência e na natureza das coisas, vestemse como reis

rainhas, beijam seus beijos, amam seus amores, fazem carnaval, brincam quando têm que brincar, brigam quando têm que brigar, celebram a vida e, do lodo entranhado nos corpos, erguem e honram seus impressionantes 

castelos de lama

Aguardem: uma nova civilização brotará dos mangues

Saluba Nanã

Salve Chico Science, a Nação Zumbi e a utopia dos mundos livres

Viva o carnaval e seus universos de festa, luta e afetos

Carnavalesco: Antônio Gonzaga 

Textos e pesquisa: Antônio Gonzaga, Jader Moraes e Renato Lemos 

 

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