No dia 27 de setembro, o Brasil celebra São Cosme e São Damião, santos venerados tanto pela Igreja Católica quanto pelas religiões afro-brasileiras. Além da devoção religiosa, a data também é marcada por uma tradição doce: a distribuição de guloseimas, especialmente no subúrbio carioca, onde crianças saem às ruas em busca de sacolinhas cheias de balas e chocolates. No universo das escolas de samba do Rio de Janeiro, essa devoção ganha vida em cores, enredos e alegorias que celebram tanto os santos quanto sua conexão com os Ibejis, orixás gêmeos da umbanda e do candomblé.
São Cosme e São Damião eram médicos que atendiam a população sem cobrar nada, e sua fama de caridade lhes garantiu a devoção como padroeiros dos médicos e farmacêuticos. No entanto, a tradição de distribuir doces associada a eles não têm origem no catolicismo, mas sim no sincretismo religioso, onde os santos foram associados aos Ibejis, divindades infantis que representam alegria, proteção e dualidade nas religiões de matriz africana.
Essa rica herança também é celebrada nos desfiles das escolas de samba, que frequentemente fazem referência a esses santos gêmeos em seus enredos. O carnaval, uma manifestação cultural plural e cheia de histórias, encontra em São Cosme e São Damião e nos Ibejis uma fonte de inspiração vibrante.
Por exemplo, a representação dos saquinhos de Cosme e Damião no desfile da Estação Primeira de Mangueira em 2017 foi uma verdadeira homenagem à cultura popular, através da sensibilidade do carnavalesco Leandro Vieira. Ao trazer para a avenida essa simbologia tão querida no imaginário brasileiro, especialmente nas celebrações do dia 27 de setembro, Vieira conseguiu unir a simplicidade das sacolinhas de doces, que encantam crianças em todo o país, com a grandiosidade e exuberância do Carnaval.
A fantasia da ala das baianas, não apenas celebrou a devoção aos santos gêmeos, mas também dialogou com a tradição, a religiosidade e o sincretismo que permeiam as festas populares. Esse detalhe no desfile de 2017 é um exemplo claro de como o Carnaval pode ser um espaço para contar histórias que ressoam profundamente com o povo, misturando elementos do cotidiano com a exuberância artística típica da maior festa popular do Brasil.
A devoção no Carnaval
Em 2016, a Renascer de Jacarepaguá celebrou essa devoção com o enredo “Ibejis nas brincadeiras de criança – Os orixás que viraram santos no Brasil”. A escola explorou o sincretismo religioso ao retratar a história de Cosme e Damião e sua associação com os Ibejis, celebrando a infância, a fé e a proteção.
O Carnaval de 2024 também trouxe São Cosme e São Damião para a Sapucaí com o enredo da União da Ilha do Governador: “Doum e Amora: Crianças Para Transformar o Mundo”. Inspirado no livro “Amoras” do rapper Emicida, o enredo abordou temas antirracistas pela perspectiva das crianças. A escola utilizou a simbologia dos personagens Doum e Amora, que ecoam a energia transformadora de Cosme e Damião e dos Ibejis, ao representar a pureza infantil como uma força de mudança social. Essa releitura contemporânea deu novo fôlego à tradição, mantendo viva a devoção ao trazer as lutas atuais para o centro do espetáculo.
Doces, fé e cultura popular
Nos desfiles, a presença de Cosme e Damião é uma celebração da generosidade, da fé e do sincretismo religioso. As alegorias e fantasias recriam a distribuição de doces, um gesto que simboliza tanto a devoção quanto o carinho pelos mais novos. O espetáculo ganha ainda mais brilho com a exaltação das tradições afro-brasileiras, que formam a base do culto aos Ibejis, destacando a riqueza cultural que permeia o carnaval carioca.
Os enredos que reverenciam São Cosme e São Damião continuam a encantar o público na Marquês de Sapucaí, seja pela beleza visual, pela força de suas histórias ou pela energia vibrante que permeia seus desfiles. O sincretismo entre o catolicismo e as religiões de matriz africana, tão presente na cultura do Rio de Janeiro, encontra no carnaval uma forma poderosa de resistência e celebração, mantendo viva as tradições e renovando a fé de cada geração.
Cosme e Damião são, afinal, um símbolo de devoção e alegria, cuja influência transcende a religião, enchendo de doçura não só as ruas no dia 27 de setembro, mas também a Sapucaí durante o carnaval.
Salve as crianças! Salve os Ibejis! Salve São Cosme e Damião! Salve o samba!