Zé Katimba: filho do cordel e pai do samba

A história do sambista nordestino

É o amor
A receita da alegria
Sentimento e magia
A razão do meu cantar

É o amor
Minha escola na avenida
A paixão da minha vida
Verde é minha raiz
Imperatriz

Fundador da Imperatriz Leopoldinense, personagem de novela, compositor com mais de 2000 músicas gravadas e reconhecido por alterar a forma de compor samba enredo. A história de Zé Katimba vai muito além dos seus feitos, é marcada, principalmente, pela maneira inspiradora de levar a vida. E ele, que tem esse nome artístico pela fama de catimbar no futebol, não fugiu das perguntas e deixou a entrevista correr solta, como pode ser visto a seguir.

Foi 9 meses depois do carnaval, em 11 de novembro de 1932, que nasceu, em Guarabira, no interior da Paraíba, José Inácio dos Santos. Filho de Josefa Francisca dos Santos, herdou a música e o nome do pai, que era violeiro, cantador e poeta de cordel. Filho único, nasceu em uma fazenda chamada Lagoa de Pedra, onde brincava com as rochas e caroços de frutas, no meio dos animais. Dessa época lembra da seca, mas sem esquecer os bons momentos: “Mesmo com todo aquele sofrimento, de necessidade de água e alimento, existia uma coisa acima de todas essas, que é o amor”. Certamente, uma inspiração para compor seu último samba vencedor na Imperatriz Leopoldinense, em 2016, “É o Amor, que Mexe com a Minha Cabeça e me Deixa Assim. Do Sonho de um Caipira, Nascem os Filhos do Brasil”.

Foto: Arquivo Pessoal

Aos 6 anos, saiu de Guarabira para a Praia do Poço, a 20km de João Pessoa, onde sua mãe lavava as roupas dos ricaços que iam passar o verão na praia. Seu pai, que já não conseguia mais tanto trabalho como violeiro, fez amizade no cais, conseguindo embarcar clandestinamente num navio de carga, em direção ao Rio de Janeiro, procurando uma vida melhor, mesmo sem nenhum parente em terras cariocas. Ele veio sozinho e depois voltou para buscar dona Josefa e seu filho, levando-os para morar próximo a outros paraibanos que tinha conhecido, em Niterói, no Largo da Batalha, local que teria este nome por conta das famosas batalhas de confetes e serpentinas.

Mas a vida em família na cidade grande não durou muito tempo. Sua mãe logo faleceu e depois foi a vez de seu pai, que nesta altura trabalhava como vigia de obra, onde sofreu um acidente. Neste momento da entrevista, se emociona ao lembrar do pai, pra quem compôs a música “Viola de Fita”, poucos dias antes de sua morte: “o maior amor que eu já vi de um casal é o do meu pai e da minha mãe. Hoje, a pessoa que mais amo na vida é meu pai”.

Aos 14 anos, Zé se viu sozinho no mundo: “Aí me larguei na rua. Achei até que ia enlouquecer, sem muita experiência. Eu era miudinho, magrinho, sem saber de nada. Por isso que eu acredito nas almas. Tem uma luz, tem alguma coisa que cuida de mim, da minha vida”. Depois de ter morado na rua e nos morros da Formiga e de São Carlos, foi parar no Morro do Adeus, onde surgiu o interesse pelo samba: “Nos dias que caía água, eu descia o morro para pega-la, com outras crianças e adultos. As crianças iam batucando na lata, foi aí que fui fisgado pela mosca azul do samba e me apaixonei”, quase como diz sua música “Do Jeito que o Rei Mandou”, em parceria com João Nogueira: “Sorria, meu bloco vem descendo a cidade, vai haver carnaval de verdade, o samba não se acabou”.

Sorria!
Que o samba mata a tristeza da gente
Quero ver o meu povo contente
Do jeito que o rei mandou

Foi ainda no morro que ganhou o seu apelido, que virou nome artístico – Catimba, mas que anos depois, por influência de uma namorada e da numerologia, tornou-se Katimba. Lá no Adeus também percebeu que preferia conviver com os mais velhos: “As crianças me sacaneavam muito porque tudo que não prestava era paraíba: roubou é paraíba, tá mal vestido é paraíba, falou errado era paraíba. Então eu saí de perto das crianças e me aproximei dos mais velhos, porque eu percebi que ali eu não era sacaneado e aprendia mais. Hoje eu prefiro conversar com os jovens, porque eu aprendo mais, não sou sacaneado e eles tem respeito por mim. Porque hoje, se eu parar para conversar com os caras da minha idade, eles sabem os nomes de todos os remédios, fala de doença, eu lá quero falar dessas coisas? Eu quero é aprender e estou sempre me renovando”.

Foi através dessa convivência com os mais velhos, que se reuniam numa quitanda do Morro do Adeus, que Zé Katimba fez amizade com aqueles que, junto dele, fundaram a Imperatriz Leopoldinense, em 06 de março de 1959. Nesta altura, Zé estava com 26 anos, já batucava, mas nunca havia desfilado em escola de samba e tinha apenas uma certa admiração pelo Salgueiro. Na verde e branca da Leopoldina fez de tudo um pouco, e muito disso se deve ao preconceito: “Eram todos cariocas, então pra empurrar alegoria quem é que ia? O paraíba. Botar o couro uma semana de molho quem ia? O paraíba. Quem vai puxar a corda? O paraíba. Pensei: não vou brigar. Aí fui ser passista. Depois pensei: quero carregar o pavilhão da escola. Isso dá mais importância. Levei 10. No quarto ano que levei tudo dez parei. Aí fui presidente de ala, saí na bateria (tocando repique), presidente da escola. Passei por todos os setores de uma escola de samba. O preconceito de ser feio, de ser pobre, miserável e paraíba me empurrou pra fazer isso.”

Foto: Arquivo Pessoal

Em toda essa trajetória, o destaque maior é como compositor. Mas antes de vencer como poeta na sua escola, começou a se destacar nos discos de sambistas famosos. A sua primeira música gravada foi “Meu Drama”, por Niltinho Tristeza, com quem comporia seu primeiro samba para Imperatriz, “Barra de Ouro, Barra de Rio, Barra de Saia”, de 1971, já propondo mudanças na forma de compor para as agremiações: “Samba enredo era feito com 50, 55 linhas e fizemos um samba com 18 linhas. Repeti em 1972, com 18 linhas, o “Martim Cererê”, que foi pro mundo e aí todo mundo passou a fazer com 25 linhas, tudo diminuiu, mas na época me chamaram de louco”.

E a mudança não foi só no tamanho do samba, mas na forma coloquial aplicada, como nos versos “Vem Cá”, ao invés de “Venha Cá” e o famoso “Fala Martim Cererê”. Propostas ousadas e que foram encorajadas pelo amigo João Nogueira. Katimba aproveita pra sentenciar: “Martim Cererê é tão moderno pra época, que hoje ninguém tem coragem de fazer um samba assim, nem eu”. Vale salientar que a melodia deste samba já existia, veio da primeira canção criada por Zé Katimba, ainda moleque: “Na subida do Morro do Adeus, tinha uma menina que ficava na janela e eu me apaixonei por ela. Ela não sabia nem meu nome, mas eu fiz a canção”.

Vem cá, Brasil
Deixa eu ler a sua mão, menino
Que grande destino
Reservaram pra você. Fala Martim Cererê. La la la la lauê.

O sucesso foi tão grande, que o livro homônimo de Cassiano Ricardo teve as vendas alavancadas e a música ajudou a Imperatriz a ser a escola de samba escolhida para ser cenário da novela Bandeira 2, da TV Globo, escrita por Dias Gomes. A canção virou tema de abertura do folhetim, Zé Katimba ainda virou personagem da trama, vivido por Grande Otelo. E como a novela estreou no final de 1971, quando chegou o carnaval, o samba já estava na boca do povo. De quebra, a Imperatriz furou o dificílimo bloqueio das 4 grandes (Portela, Império Serrano, Mangueira e Salgueiro) e conseguiu entrar pra disputa das primeiras colocações, acabando em 4º lugar.

Em 1973 venceria a sua terceira disputa seguida na escola, mas com a renúncia do presidente e entrada de outro dirigente, o novo mandatário resolveu levar pra avenida o segundo colocado. E é aí que começa uma certa discordância sobre a quantidade de sambas que Katimba ganhou pela Imperatriz. Segundo a escola, ele possui 10 sambas, mas o nosso homenageado, com toda propriedade, soma este – que ganhou mas não levou – e mais dois sambas vitoriosos em disputas paralelas em concursos da RIOTUR, entre todas as escolas (Rio Patropi, em 1978, e Homenagem a Santos Dumont, de 1971), totalizando 13 sambas. Os outros anos em que Katimba ouviu seus sambas cantados na avenida foram: 1978, 1981, 1987, 1988, 1990, 1997, 2015 e 2016.

Destaca-se a sua habilidade em compor sambas de enredo em homenagem à artistas da música: Lamartine Babo, Dalva de Oliveira, Chiquinha Gonzaga e Zezé de Camargo e Luciano. Além disso, disputou uma vez na Viradouro, junto com seu filho Inácio e amigos (num período em que ficou afastado da Imperatriz) e é coautor do samba de 1999, encomendado pela Tucuruvi, de São Paulo.

Foto: Arquivo Pessoal

Bem antes disso, em 1981, Zé Katimba iniciou sua principal parceria musical, com Martinho da Vila, tendo a sua canção “Me Faz um Dengo” gravada no disco “Sentimentos”. Daí pra frente foram várias as composições de Katimba na discografia de Martinho. O grande destaque vai para a música tema do CD “Tá Delícia, tá Gostoso”, através do qual, o poeta de Vila Isabel tornou-se o primeiro sambista a ultrapassar a marca de um milhão de cópias vendidas em tempo recorde. Sem contar os outros grandes intérpretes que gravaram suas canções, tais como Elza Soares, Alcione, Zeca Pagodinho, Leci Brandão, Luiz Carlos da Vila, Emílio Santiago, Elymar Santos, Diogo Nogueira, Jorge Aragão, Demônios da Garoa, Marcelo D2, Simone e Julio Iglesias (que vendeu mais de 150 milhões de discos com a sua música “Me Ama Mô”).

E Zé Katimba ainda quer mais: “eu continuo querendo aprender, com força e disposição. Eu tô querendo me formar em aprendiz. Eu ainda não fiz a melhor música da minha vida, estou tentando fazer. A hora que eu achar que tá tudo certo, eu tô morto. Eu não posso parar de compor. Data e nome de rua eu não lembro, então tenho que ficar exercitando a cabeça, continuo fazendo. Tenho muita música guardada”. E mesmo garantindo que não entra mais em disputa de samba enredo, promete ainda compor um exemplar do gênero, com Martinho da Vila, mas que não pertença a escola nenhuma.

Conselheiro do Centro Cultural Cartola e dono da carteirinha 002 da Imperatriz Leopoldinense (a 001 pertence ao presidente Luiz Pacheco Drumond), não poupa críticas ao modelo de disputa de samba atual. É contra a influência dos carnavalescos ao alterar a letra das canções: “é mais fácil mudar uma alegoria do que mexer na poesia do compositor”; lembra que o nome da instituição é escola de samba; defende a criação do quesito alegria; e ainda mostra a superioridade da música sobre as outras artes: “Ela não envelhece, não pega pó, não enferruja, não ocupa espaço e é eterna”.

Por toda esta trajetória, recebeu, em 2009 a medalha Pedro Ernesto, da câmara municipal do Rio de Janeiro, por seu destaque na sociedade. No mesmo ano foi homenageado pelo bloco Carmelitas. Foi eleito Cidadão Samba pelo Jornal Extra, em 2013 (que era um grande sonho distante, já que a premiação havia sido suspensa) e recebeu o Estandarte de Ouro, do Jornal o Globo, pelo samba de 2015 e como personalidade, em 2013. Além disso, foi agraciado com o diploma de Baluarte do Samba Carioca, pela Secretaria de Turismo do Rio e com a medalha Zumbi dos Palmares, recebida no próprio quilombo, em 20 de novembro de 2014.

Mas o reconhecimento maior, até hoje, foi na ocasião em que recebeu a medalha Osmar Araújo Aquino, pela Câmara Municipal de Guarabira, para onde retornou, em 2013, após 70 anos, quando apresentou a canção “Mãe Paraíba”, espécie de mistura de partido alto com repente, em homenagem à ocasião: “o povo foi chorando… todo mundo foi dando as mãos e a gente cantando. Depois, qualquer lugar que eu passava na rua, todo mundo batia palma. Eu era pra fazer literatura de cordel, como meu pai fazia, minha herança musical, mas eu venci na terra do samba e é por isso que eles tem esse chamego comigo”.

Uma história que ainda falta ser enredo, mas que já merece nota DEZ!

Vida longa, Zé Katimba!!!

 

Por: Tiago Ribeiro

 

 

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