Foto: Marcos Mello

Para muito além da estatueta

Criador do Prêmio Plumas e Paetês, José Antônio acredita que premiação ajuda a mudar vidas

“Glória a quem trabalha o ano inteiro
Em mutirão
São escultores, são pintores, bordadeiras
São carpinteiros, vidraceiros, costureiras
Figurinista, desenhista e artesão
Gente empenhada em construir a ilusão
E que tem sonhos”

Pra tudo se acabar na Quarta-feira, Martinho da Vila

 

José Antônio precisava ter uma justificativa muito boa para explicar o porquê de a inspiração para criar o Prêmio Plumas e Paetês Cultural surgiu logo de uma “contestação” ao samba Pra Tudo se Acabar na Quarta-Feira, do compositor Martinho da Vila. Afinal, trata-se do hino que embala o sentimento de todos nós, do Carnavalizados, que é o de reverenciar os profissionais dos bastidores do Carnaval, aqueles que se empenham o ano inteiro para tornar o espetáculo possível.

O diretor executivo do “Óscar do Carnaval” não só se saiu muito bem na resposta, como também mostrou que premiar uma pessoa por seus méritos vai muito além do simples ato de entregar uma estatueta.

“Na verdade, era para tudo NÃO se acabar na quarta-feira, né? O Carnaval não pode simplesmente acabar na quarta. Pois é justamente na quarta-feira de cinzas que praticamente 95% das pessoas que trabalham no Carnaval ficam desempregadas. Pessoas que fazem as coisas andarem, funcionarem e acontecerem. Pessoas humildes e simples, com uma capacidade muito grande, mas que não tem visibilidade, respeito, e que por muitas vezes sequer tem seu salário pago. Como pode? Um profissional desse quilate estar ali, refém, sendo mal aproveitado por um sistema que oferece condições favoráveis mínimas de trabalho? Pior: elas não são reconhecidas, ninguém nem sabe o nome dessas pessoas. E esse não reconhecimento é cultural nosso, a maioria dos que veem de fora acha normal não reconhecer quem constrói Carnaval.”

Essas pessoas. Quem são essas pessoas? Que precisam ser vistas. Que precisam de dignidade e respeito. Que tem que ter voz, o momento delas, nem que seja por um minuto. Para agradecer. Para criticar. Para que todo mundo veja e reconheça a sua enorme contribuição para o maior espetáculo da Terra. Como muito bem disse Ricardo Fernandes, um dos maiores diretores de carnaval da atualidade – e, inclusive, o maior ganhador do Prêmio Plumas e Paetês –, Carnaval é feito no plural. E qualquer um que pense o contrário não chega a lugar nenhum. Ninguém faz nada sozinho. Não é importante apenas aquele que veste a fantasia ou aquele que tem a ideia. Se tem alguém vestindo uma fantasia, é porque alguém materializou aquela fantasia. Alguém a desenhou, alguém espetou as penas, alguém colou as lantejoulas.

São muitos alguéns que merecem seu lugar ao Sol. E o Prêmio Plumas e Paetês Cultural é um projeto pioneiro que luta pela valorização dos profissionais dos bastidores do Carnaval. Com muita dedicação – e muitas dívidas – o bem sucedido e consolidado trabalho de José Antônio só acontece ainda por causa de seu esforço incansável em dar um espaço para esses artistas. E mesmo aos trancos e barrancos, o prêmio chega a sua décima terceira edição, e acontecerá no próximo dia 1 de julho (sábado), no Teatro Carlos Gomes, no Centro do Rio, às 19h. Nesta edição, o Plumas homenageará o compositor e fundador da Imperatriz Leopoldinense, Zé Katimba.

Foto: Gabriel Cardoso

“Por que eu faço isso? Porque o prêmio muda vidas”

Só quem ama Carnaval de verdade pode se dispor a fazer o que faz o diretor executivo do Plumas, José Antônio. Em 2014, ao homenagear as Rainhas do Rádio, o produtor se endividou em dois bancos e vendeu seu carro para fazer o prêmio acontecer. Os colaboradores do evento também participam sem receber um centavo em troca. “Quem está aqui, está por amor mesmo, nunca tive condição de pagar ninguém. Isso ajuda a desmistificar um pouco a visão de que o Plumas e Paetês nada em rios de dinheiro. As pessoas acreditam nisso! Olham para a logomarca da Prefeitura e pensam que recebemos patrocínio dela. Mal sabem que é obrigação nossa colocar”, revela.

Indo na contramão do mercado, o Prêmio Plumas e Paetês Cultural aumenta o número de premiados todo ano, mesmo com patrocínios cada vez mais modestos. E o motivo pelo qual José Antônio não desiste e torna o espetáculo cada vez maior é simples: a premiação é, acima de tudo, um prêmio de inclusão social. Se não fosse por ela, essas pessoas não teriam a oportunidade de aparecer.

O prêmio muda vidas.

“Como não fazer um prêmio quando um aderecista chega pra você e diz ‘graças ao seu prêmio eu fui contratado pela escola X. Se não fosse o Plumas nunca teria sido descoberto’. Outro fala que antes era um Zé Ninguém, agora é O Ferreiro. O Carpinteiro. Como não lutar pra fazer essa premiação? O Plumas impulsiona carreiras, escolas de ponta passaram a disputar os profissionais que são premiados. Hoje temos até gestores e presidentes que acompanham o evento para descobrir talentos. Despertamos uma sensibilidade que não existia”, conta o diretor.

Entretanto, ainda que o Plumas seja um divisor de águas em muitas carreiras e sirva como um excelente portfólio profissional e um mecanismo de reconhecimento, muitos premiados deixam de comparecer ao prêmio. A justificativa é tristemente comovente: eles não têm dinheiro para a passagem ou não tem uma roupa nova adequada para usar.

“Uma vez a filha de um premiado ligou dizendo que o pai não poderia ir receber o prêmio porque ele não tinha um sapato bonito. São profissionais tão humildes, tão simples, que muitas vezes dizem que não podem comparecer ao teatro por motivos como esse. Alguns pedem dinheiro emprestado para estar lá. Eu mesmo já paguei passagem de trem e ônibus para muitos irem. E isso mexe tanto comigo. Porque pra eles isso importa muito, eles precisam se sentir parte de um universo do qual julgam não pertencer. Essas pessoas saem das condições insalubres de um barracão para ficarem frente a frente com uma plateia gigante, debaixo de holofotes de um teatro monumental. E elas merecem isso, não é porque são humildes que vou fazer um prêmio num fundo de quintal. Inclusive meu maior sonho é fazer o evento no Municipal (Theatro Municipal). Mas como disse, é algo cultural. Elas acham que não merecem. Acham que o teatro não é lugar pra elas. Que eventos como esse são para a elite, e não para quem constrói Carnaval. É irritante”, desabafa.

Foto: Gabriel Cardoso

“A maioria dos nossos premiados não sai das campeãs”

A escolha de um premiado envolve uma série de critérios e discussões. Por exigir uma observação minuciosa, José Antônio reúne pessoas que conhecem amplamente o universo criativo do Carnaval, seja por formação acadêmica ou por vivenciarem a Festa há muitos anos, para comporem o grupo de jurados do prêmio. São, em média, dez pessoas participando do processo, cada uma avaliando na área em que tem total domínio.

“São amigos amantes da arte do Carnaval, professores, aderecistas, figurinistas… amigos que contribuem espontaneamente com o prêmio e me ajudam a investigar os bastidores e os desfiles, em busca desses profissionais que pretendemos premiar. Eu não posso estar em todos os barracões ao mesmo tempo, nem acompanhar todos os mínimos detalhes de todos os desfiles. Então chamo pessoas que são realmente capazes de avaliar, que são especialistas no assunto. Isso ajuda a dar credibilidade para o prêmio”, revela o produtor.

Analisando os premiados ao longo dos anos, observa-se que, por incrível que pareça, a maioria dos premiados não sai das escolas campeãs do Carnaval. Há até mesmo profissionais premiados de escolas rebaixadas. O diretor do Plumas e Paetês afirma que isso é normal, uma vez que a escola campeã nem sempre é boa em tudo. “Isso também é outro fator que tem nos rendido muita credibilidade e elogios. Tentamos fazer a avaliação mais justa possível, e não é porque a escola foi rebaixada que ela não pode ter o melhor samba ou o melhor figurinista, por exemplo.”

Ele conta ainda que o ponto de partida para analisar e selecionar os premiados é a sinopse dos enredos, mas que a maior parte do trabalho é feita mesmo na Avenida. “É como um concurso de beleza. Através da sinopse nós já vislumbramos onde pode sair coisa boa, porém nós precisamos ver o trabalho pronto, ao vivo. Buscamos na ficha técnica quem foi o artesão que fez aquela arte e pronto. Isso já nos rendeu gratas surpresas, porque a gente não faz a menor ideia de quem é o artista. Uma vez fiquei completamente encantado com o trabalho de iluminação da Acadêmicos da Rocinha e fui descobrir lendo a ficha que o responsável foi meu professor, Ricardo Lopes. Um trabalho primoroso, fiquei feliz de ver o nome dele. Quem diria que um dia eu estaria premiando um professor meu”, recorda.

Algumas das categorias do prêmio, no entanto, só podem ser avaliadas quando ainda estão dentro do barracão, como é o caso do prêmio para Melhor Ferreiro. É que as alegorias ainda precisam estar só no esqueleto para que se possa observar o trabalho destes profissionais que fazem toda a estrutura de ferro do carro. Para o time de julgadores do Plumas e Paetês, ter acesso aos carros dentro dos barracões é por muitas vezes um grande desafio. Em algumas oportunidades, inclusive, a categoria que premia o melhor manejador de metais precisou ser suspensa, por conta do acesso limitado a algumas agremiações. “Ferreiro eu só posso premiar se tiver acesso aos barracões. E pra não ser injusto e premiar alguém que não mereceu tanto, porque simplesmente não pudemos avaliar integralmente, nós suspendemos a premiação da categoria. Esse ano (2017), aliás, o prêmio só foi incluído, pois foi um pedido dos próprios profissionais, que já perceberam o quanto a premiação é importante para o trabalho deles”, revela José Antônio.

Foto: Gabriel Cardoso

O queridíssimo Zé Katimba

Assim como o ato de premiar tem significados para além do simbólico, o ato de homenagear carrega muitas motivações. Para o diretor do Prêmio Plumas e Paetês Cultural, homenagear alguém faz com que essa pessoa seja apresentada para muitos que não a conhecem, mas que deveriam conhecer. “Quando me perguntam quem é o Zé Katimba, sinto que minha missão está sendo cumprida. A condecoração faz com que as pessoas queiram saber mais sobre a vida desse homenageado, e é obrigação nossa que grandes nomes da história do Carnaval, como o próprio Katimba, possam ser conhecidos por muito mais gente. As pessoas precisam conhecer a trajetória deles, saber o que eles fizeram pelo espetáculo.”

A decisão de homenagear Zé Katimba surgiu quando o produtor cultural percebeu que existe uma lacuna muito grande no reconhecimento ao trabalho dos compositores. E ninguém melhor que Katimba para preencher esse espaço. Um homem que tinha tudo para dar errado na carreira, que passou por todas as adversidades que o mundo pode oferecer, mas hoje está aí: 84 anos, quase duas mil músicas gravadas, fundador da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, reverenciado por grandes sambistas.

Zé tem talento e encanto de sobra.

“Eu queria ter o melhor recurso do ano, as melhores condições de patrocínio para fazer uma reverência brilhante. Ele merece, é uma pessoa incrível, a história desse homem daria um espetáculo maravilhoso. E é justamente esse ano que estamos tendo a maior dificuldade financeira, é o nosso ano mais difícil. Todo ano nós queremos nos reinventar e fazer um espetáculo superior ao do ano passado. E o Zé merecia todas as honras, todas as glórias e eu, infelizmente, não vou conseguir fazer tudo aquilo que ele merece”, confidencia José Antônio.

Seja como for, o que importa mesmo é que Zé Katimba está sendo homenageado. Com grandes ou modestos espetáculos, pessoas como José Antônio mostram que vale a pena continuar lutando pela preservação da Memória do Carnaval. Mostram o quanto é importante perpetuar a história desses ícones da Festa, desde Clóvis Bornay, o primeiro homenageado, até as Rainhas do Rádio, o mestre Monarco e a grande Elza Soares, para deixar um legado. Treze edições de um projeto que reverencia essa gente que contribuiu e ainda contribui incansavelmente para a evolução da maior manifestação cultural do mundo.

 

O que vamos deixar para as próximas gerações? Quem serão os próximos Zés Katimba? Quem serão os próximos melhores ferreiros? E quem se sentirá motivado para sê-los?

O futuro começa já. E o Plumas, graças aos orixás, é um dos grandes responsáveis por trilhá-lo.

Site: http://plumasepaetescultural.com.br/

 

 

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