Foto: Letícia Pontual

Ode ao orgulho dos profissionais do Carnaval

“Eu sou vaidosa
Eu sou assim
Vaidade não tem preço
Mas eu tenho seu apreço
Pois você gosta de mim”
Portela, 1991.

Eu amo esse samba da Portela. Mas estava aqui pensando com os meus botões… quem tem um ofício dentro do Carnaval – ou até mesmo fora dele – não pode ter apenas vaidade pelo que faz, mas também orgulho! Afinal, “o orgulho é a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito; a vaidade, a consciência (certa ou errada) do nosso próprio mérito para os outros”, já dizia Fernando Pessoa.

Por que precisamos falar sobre isso para quem trabalha no Carnaval e vive dele?

Vejam bem: eu, por exemplo, tenho muito orgulho de pensar que, quando me preocupo com a história, o legado e a preservação da memória dessa festa, estou me preocupando não só com meu próprio conhecimento, mas sim em como esse conhecimento pode ser de todos. Propagar esse conhecimento, e passá-lo para outras pessoas e outras gerações. O que estou fazendo hoje contribuirá para que nada se perca ou mesmo seja esquecido pelo tempo.

As próximas gerações precisam ver o que nós fizemos, e a transmissão desses saberes desperta o interesse! Fico tão feliz de ver jovens talentos promissores e pessoas já renomadas dessa festa que já entenderam isso perfeitamente e colocam sua arte e seu ofício à disposição de todos! E ficarei mais feliz ainda se as instituições também perceberem isso – e quando digo instituições, não falo apenas das Escolas de Samba, mas incluo museus, arquivos, centros culturais, e até mesmo jornais que possuem um acervo com muitas matérias que contam sobre nossa formação e história cultural. Uma pena que o acesso a esse material por muitas vezes seja limitado e caro. De qualquer forma, todos fazem parte dessa festa e da preservação dela.

O meu pedido é bem simples: compartilhem seus conhecimentos, mostrem sua arte, deixem seu legado para quem desejar beber dessa fonte. Estamos aqui de passagem! Portanto, diretores, carnavalescos, pesquisadores, projetistas, figurinistas, aderecistas, ferreiros, carpinteiros, escultores, aramistas, vimeiros, pintores, bordadeiras, designers, chapeleiros, peruqueiras, sapateiros, iluminadores, coreógrafos, maquiadores e fotógrafos! Todos vocês! Tenham orgulho do legado que deixarão. E por favor, não nos privem de seus trabalhos. Não deixem que se percam no fundo de um armário, para depois serem devorados por traças ou corroídos pelo tempo. Deixem-nos devorar sua arte! Eu proponho basicamente que nos deixem ‘devorar’ sua cultura, suas técnicas, que vocês transformam em esculturas, alegorias, fantasias, textos, fotografias etc. Imagino o tanto de histórias que tem por trás de cada processo desses. E como ficaríamos felizes em conhecer todos eles.

Toda vez que tentamos ter acesso a determinados materiais das agremiações e somos impedidos – às vezes até pelos próprios profissionais –, nos sentimos profundamente frustrados. Era uma das muitas chances de mostrar aquele trabalho para o mundo sendo desperdiçadas, assim como muitas outras oportunidades já foram antes. É por conta de cada negativa que grande parte do nosso Carnaval não está documentada. Inúmeros sambas-enredo desapareceram. Há uma quantidade assustadora de fantasias e alegorias que não dispõem sequer de registros ou fotografias. E pior: grandes nomes deste espetáculo já nos deixaram e levaram suas histórias para o túmulo.

Importante ressaltar que parte da crise hoje nos desfiles, envolvendo o corte de parte da subvenção, surge desse distanciamento e da dificuldade de acesso e registro. A comoção não foi tão intensa porque as pessoas não conseguem perceber a dimensão da gravidade desse corte, justamente por não enxergarem a profundidade cultural do Carnaval.

Tudo isso se perdeu e não volta mais. Os registros, então, são importantes não apenas para preservar a memória do Carnaval, mas para que se consiga fazer análises e discussões a partir deles e pensar de que maneira podemos MELHORAR o espetáculo, assim como desenvolver técnicas para impedir que partes dele desapareçam. Torná-lo mais bonito, mais democrático, mais acessível e mais histórico. O trabalho de documentação é de enorme contribuição no sentido de subsidiar reflexões e construção de estratégias que auxiliem os artistas da festa a aperfeiçoar processos, de modo que o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro continue sendo um dispositivo cultural do mais alto nível da cidade e não aconteça apenas na Marquês de Sapucaí. Dói muito toda vez que pessoas que não conhecem o Carnaval nos perguntam “para onde vão os carros e fantasias depois do desfile?” e nós respondemos: “para o lixo”.

Sabemos da importância da reutilização de materiais, assim como das doações para outras agremiações. Sabemos também que os carros precisam ser desmanchados para o desfile do ano que vem. Mas isso não impede que possamos documentar tudo e aproveitar alguns adereços para outros trabalhos que contribuam para a preservação da memória do Carnaval e da divulgação do maior espetáculo da Terra, como exposições, feiras e apresentações. Nem tudo precisa ser lixo. Afinal, tudo no Carnaval é luxo. Luxo carnavalesco.Todo mundo sabe que o luxo do Carnaval é a impressão do luxo. Nosso querido Joãosinho Trinta deixou isso claro, quando trouxe para a passarela essa discussão, lá atrás, em 1989, no desfile Ratos e Urubus: larguem minha fantasia, na Beija-Flor de Nilópolis.

Povo do Samba, uni-vos! Nós precisamos falar com vocês.

Agradecemos a todos os profissionais que já colaboraram compartilhando  um pouco do seu trabalho, suas história e seus conhecimentos.

Deixamos nossa homenagem a Shangai Fernandes, conhecido como o Mago do Alumínio, foi um dos mais brilhantes artesãos do Carnaval. Faleceu em 2013, levando consigo suas histórias e os segredos de sua arte. Não há mais ninguém no mundo do samba que trabalhe como ele. Quase não há registros de seu trabalho.

Shangai – Foto: Na Avenida

EVOÉ, AXÉ e SARAVÁ!

 

Por: Gabriel Cardoso e Claudio Rocha

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