Foto: Wigder Frota

Série “Sete enredos com a temática infantil”: União da Ilha 2014

É BRINQUEDO, É BRINCADEIRA: A ILHA VAI LEVANTAR POEIRA

Dando sequência a nossa série de conteúdos em homenagem ao dia das crianças, seguimos com um verdadeiro enredo de criança feliz. Assinado pelo carnavalesco Alex de Souza, o desfile da União da Ilha do Governador de 2014 não levou o título, mas foi aclamado pela crítica e pelos amantes do Carnaval como um dos melhores desfiles do ano, recebendo muitos prêmios, inclusive o Estandarte de Ouro de Melhor Enredo.

Alex de Souza – Estandarte de Melhor Enredo 2014 – Foto: Arquivo Pessoal Alex de Souza

O inicio da sinopse diz:
Abra o baú da memória, pegue um brinquedo e invente uma história. Relembre a alegria desta herança. Levante a poeira, volte a ser criança.

Sonhe! Deixe para trás a realidade. Sua lembrança é a porta da felicidade. De origem diversa. Antigo ou moderno. Pelo encanto que desperta, ele será sempre eterno. Pode ser o tipo que for: de qualquer tamanho, matéria, forma ou cor.

Quer saber onde ele é feito? Em uma fábrica fantástica! E depois, presente na vitrine ou naquele comercial de TV. Como se lhe dissesse: “-Me compre, eu quero você!”

Foto: Wigder Frota

Foi assim que o carnavalesco Alex de Souza deu inicio ao mergulho no universo dos brinquedos e das brincadeiras. Numa verdadeira explosão de cores, o divertidíssimo desfile foi de comunicação instantânea e fácil leitura. Uma beleza. Não foi a toa que a escola levou o Estandarte de Ouro de Melhor Enredo do ano. Por sinal, esse enredo recebeu outros grandes prêmios em 2014, como o S@mba-Net e o Gato de Prata. Em matéria publicada no Jornal O Globo, em 05 de março de 2014, o carnavalesco Alex declarou: “Estou maravilhado, em estado de graça, muito feliz, emocionado. É o terceiro estandarte que eu ganho. A ideia era exatamente essa, desde o começo, de emocionar o público. Porque todo mundo foi criança um dia. Não era apenas um enredo sobre o universo infantil, porque isso já passou pela Avenida. Era um enredo sobre a infância, e isso encantou as pessoas. Essa consciência de que criança não é brinquedo, e que ela merece esse tempo para curtir a infância”.

A União da Ilha ainda levou mais um estandarte naquele ano: o de Revelação para Marcinho, mestre-sala do Primeiro Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira da agremiação, que desfilou ao lado de Cristiane Caldas.
Além dos merecidos prêmios, a escola que encerrou sua apresentação sob os gritos de “É campeã!” ocupou a quarta colocação no Carnaval de 2014, voltando ao Desfile das Campeãs depois de 20 anos. O fato não ocorria desde 1994, quando a agremiação ocupou a mesma posição com o enredo Abrakadabra, o despertar dos mágicos. “Nosso trabalhou emocionou e, quando o desfile terminou, foi literalmente apoteótica a alegria das pessoas”, afirmou o carnavalesco Alex de Souza.

“Brinquedo”, como ficou conhecido carinhosamente o enredo da Ilha de 2014 pelo povo de samba, foi um desfile que nos fez realmente mergulhar na nossa infância, repleto de personagens que permeiam nosso imaginário. Todos os brinquedos que tivemos estavam representados em alas e alegorias, inclusive os brinquedos que gostaríamos de ter tido. Soldadinhos de chumbo, bonecos, ursinhos gigantes, bonecas de pano, jogos de tabuleiro, piões, balanços, amarelinhas, pipas e jogos eletrônicos dividiam o espaço com palhaços, bailarinas, balões, caixinhas de música, quebra-cabeças e bolas de futebol. A galeria de personagens ia desde a boneca Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo, até o brinquedo assassino Chucky. Para muitas pessoas, esse foi o melhor desfile da Ilha nos últimos anos e relembrou a verdadeira escola dos anos 70. Foram 3500 componentes brincando e se divertido em 32 alas, sete alegorias e dois tripés.

Foto: Wigder Frota

Ao Carnavalizados, Alex de Souza contou que há tempos queria desenvolver um enredo sobre brinquedos e a temática infantil, e que a União da Ilha foi fundamental para colocá-lo em prática. “O apelo visual e a fácil identificação contavam muito. Além disso, havia um resgate da memória que funcionou muito bem. Todos fomos (e somos) crianças. Abriu-se o baú”, diz.

O carnavalesco também afirmou que o desenvolvimento da criança acontece através do lúdico. Segundo ele, essa criança precisa brincar para crescer, precisa do jogo como forma de equilíbrio com o mundo. “Brinquedos e brincadeiras fazem parte do desenvolvimento humano e são fundamentais na educação. Tentei passar [através do enredo] essa importância pedagógica e cultural, através dos tempos. Havia [ao mesmo tempo, no desfile] o antigo e o moderno, o artesanal e o tecnológico”, detalha o carnavalesco.

No Abre-Alas, que contém a descrição dos desfiles, Alex justificou: “Brincando, a criança é conduzida ao imaginário. Experimenta, descobre, cria, exercita suas habilidades, desenvolve o intelecto e as relações afetivas. Estimula a curiosidade, a iniciativa e a autoconfiança. Contar, ouvir histórias, dramatizar, jogar com regras entre outras atividades constituem meios prazerosos de aprendizagem. Além disso, expressam suas criações e emoções, refletem medos e alegrias, desenvolvem características importantes para a vida adulta. Brinquedos despertam vocações, pois muitos evocam na brincadeira o primeiro passo para uma carreira”.

Foto: Wigder Frota

A Comissão de Frente iniciou o desfile da escola com um imenso baú de madeira fechado, acompanhado por um casal de crianças e um casal de velhinhos. De repente o baú se abria, revelando um intenso céu azul estrelado. Brinquedos ganhavam vida e seres mágicos surgiam e interagiam com esses casais e com a plateia, convidando a todos para uma imensa brincadeira, mostrando que não existe idade pra se divertir. A intenção, segundo Alex de Souza, era despertar a criança que tem dentro de cada um de nós, mostrar crianças com seus brinquedos e velhinhos valorizando suas memórias. Tudo de forma lúdica e mágica. Foi de um encantamento único. Comandado pelo coreógrafo Jayme Arôxa, o grupo de 15 bailarinos conseguiu mexer muito com o público com uma apresentação emocionante. Surpreendeu a todos também os dois acrobatas presos a hastes flexíveis que ladeavam o Baú da Memória. O casal, bailarinos da companhia Strange Fruit, de Melbourne, na Austrália, parecia voar com seus movimentos, e iam quase até o chão com suas hastes para entregar brinquedos ao público das frisas.

Foto: Wigder Frota

A escola seguiu com fantasias enormes: ursos de pelúcia, bonecas de porcelana chinesas e as matrioskas, as típicas bonecas russas, todas com quase dois metros de altura. O carnavalesco e apresentador Milton Cunha fez um comentário muito pertinente durante a transmissão do desfile pela televisão. Milton disse que as roupas da Ilha eram mais teatrais, mais dramáticas e menos carnavalizadas, diferentes das fantasias que estamos acostumados a ver na Avenida. De fato, foi um desfile com pouquíssimas plumas e lantejoulas, porém isso mostra que Carnaval também pode ser produzido sem luxos e com outros tipos de recursos visuais que podem igualmente agradar o público.
As fantasias enormes também exigiram bastante sacrifício dos componentes, por serem mais pesadas que o habitual e por trazerem um recurso inusitado: para alongar as fantasias e deixá-las mais altas, o carnavalesco Alex de Souza montou uma estrutura nos figurinos de modo que as cabeças dos componentes das alas aparecessem na altura do peito, e as cabeças das fantasias pudessem ficar mais acima, deixando grande parte das alas com mais estatura.

Milton fez outro comentário pontual sobre o recurso, afirmando que, apesar de deixar as alas mais altas, ele desumanizava o componente, fazendo-o literalmente se tornar um boneco. O carnavalesco amado reforçou que muitos jurados já tiraram décimos de fantasias assim por ocultarem a boca dos componentes, fato que poderia também vir a prejudicar o canto da escola. De fato, o carnavalesco Alex de Souza correu um risco no quesito Fantasia usando esse recurso, mas as quatro notas 10,0 dos jurados demonstraram que sua decisão foi acertada para esse desfile. E apesar da dificuldade, os componentes brincaram do começo ao fim. Foi maravilhoso.

Nunca havíamos visto uma Ilha com cores tão fortes, como rosa choque, amarelão, azul royal, vermelho sangue. Tudo muito vibrante. As alegorias pareciam ter vida, todas incrivelmente bem iluminadas. O momento dissonante, porém, que praticamente tirou a escola da Ilha do Governador do páreo do título, ficou por conta da sexta alegoria da agremiação: o telão que reproduzia os jogos virtuais na parte média do carro inclinou-se para frente, deixando o destaque da alegoria em uma posição totalmente desconfortável. Assim ele foi ate o final do desfile, com notável preocupação. O carro também apresentou problemas na iluminação, assim como o segundo tripé. Os problemas custaram caro à escola: os jurados foram contundentes e tiraram décimos justificando com os mesmos problemas. Uma pena. Notas dos jurados e Alegorias: 9,9 – 9,8 – 9,8 – 10,0.

Algumas notas do carnaval da Ilha 2014

Foto: Wigder Frota

Os 300 ritmistas da bateria comandada pelo mestre Thiago Diogo estavam à vontade em suas fantasias de super-heróis, liderados pela rainha Bruna Bruno, a Mulher Maravilha, linda e exuberante com seu samba no pé e há dez anos no posto de rainha. O ponto alto foi a presença de oito tocadores de lira em cima do carro de som: a ideia do mestre e da diretoria era de reproduzir o som de uma caixinha de música em determinados momentos do desfile, para dar um toque lúdico à batida. A Baterilha passou firme, com marcações bem afinadas, mas a mudança do toque de caixa (o mestre Thiago Diogo trocou a batida tradicional da escola por caixas tocadas em cima) pareceu descompassar os naipes agudos (chocalhos e tamborins), que não estavam acostumados. As notas: 10,0 – 9,8 – 9,8 – 10,0.

A União da Ilha obteve notas máximas em Enredo, Fantasias e Evolução. Em Samba-Enredo, no entanto, a escola teve seu pior desempenho dentre os quesitos, obtendo apenas uma nota 10,0. As outras notas foram 9,7, 9,7 e 9,9. Os autores do samba são Paulinho Poeta, Régis, Gabriel Fraga, Carlinhos Fuzil, Canindé e Flávio Pires.
A interpretação na Avenida ficou por conta do grande Acraílson Forde (ou Ito Melodia), filho do saudoso e grande intérprete da tricolor insulana, Aroldo Melodia. Ito que aliás frequentava, desde a infância, a quadra e as rodas de samba da Ilha, e herdou do pai a voz e o jeito contagiante de cantar, heranças de quem com certeza devia ouvir bastante o famoso grito “Segura a marimba!”, grito que ele incorporou em suas apresentações. A firmeza de Ito Melodia também foi lembrada pelos comentaristas na transmissão de TV, durante a sua passagem pela pista em 2014. Fátima Bernardes relembrou que, assim como filhos de grandes craques do futebol, que sofriam com a sombra do pai, Ito também sofreu muito por ser filho de Aroldo, porque sempre queriam compará-los. O intérprete, entretanto, nunca quis ser comparado com o pai, por considerar que não tinha como chegar perto dele. Foram cinco anos de muito esforço para que Ito Melodia finalmente pudesse se sentir ele mesmo na Avenida. No desfile dos brinquedos, inclusive, Ito estava, como ele mesmo diz, “incorporado”. E saiu da Avenida afirmando: “Primeiro lugar eu não sei, mas nas campeãs a gente volta!”.

Foto: Wigder Frota

A União da Ilha em 2014 Brincou Na Avenida! E, como muito bem disse o carnavalesco Alex de Souza, “cuide da criança que habita em você. Assim saberá cuidar e respeitar as demais. Sem felicidade nada disso faria sentido, nem o último lançamento ou a velha cantiga de roda; nada é mais importante que um sorriso”.

Link do desfile: https://www.youtube.com/watch?v=1xnYQhj6ClA

 

Letra do samba:
Levanta a poeira,
Vem nessa brincadeira que eu quero ver
Nesse baú da memória,
São tantas histórias… É só escolher
Desperta, encanta sua alma de infância
Sem forma nem cor fabrica esperança
Na vitrine vejo o meu olhar no seu olhar
Perder ou ganhar, ganhar ou perder
Se conectar, jogar e aprender
Um super-herói pode ser você

Vem no reino da ilusão, me dê a sua mão
E pegue na estante, um livro fascinante
Personagens da imaginação (é tão bom, é tão bom)

Brinque com o que a vida lhe dá
O barro vira ouro no chão
Vem reciclar a saudade, de ioiô nas mãos de iaiá
Nas travessuras ao léu, por esse imenso país
Vai colorindo o céu em um bailado feliz
Meu carnaval é o quintal do amanhã
Tá na hora, vamos simbora
Amar é dar proteção ao maior tesouro da nação!

Hoje a ilha vem brincar.. Amor!
Vem sorrindo cirandar que eu vou
Dar meia volta, volta e meia no seu coração
Ser criança não é brinquedo não!
Sobre a série “Sete enredos com a temática infantil”

Foto: Wigder Frota

Quem é amante do Carnaval sabe o quanto alguns desfiles de escolas de samba fizeram viajar nas lembranças da infância. E o Carnavalizados preparou este conteúdo exclusivo como uma forma de homenagear nossas crianças, o futuro do nosso mundo, mas também como forma de homenagear a criança que há dentro de cada um de nós, resgatando o universo infantil dos desfiles de Carnaval. Pois, quando nos tornamos adultos, nossa criança interior fica distante, guardada num baú de histórias e memórias, no qual pouco mexemos. E recordar esses trabalhos feitos na Avenida é uma forma de relembrar tudo aquilo que nos divertia e nos trazia alegria.

Como é bom ainda ser criança! E como é bom para o Carnavalizados poder te ajudar a matar a saudade da criança que habita em você.

É um presente pra você, adulto, criança crescida, que acompanha o nosso trabalho.

Oni Beijada!

 

Por: Claudio Rocha e Gabriel Cardoso

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