Porto da Pedra 2011 - Foto: Wigder Frota

Série “Sete enredos com a temática infantil”: Porto da Pedra 2011

O SONHO SEMPRE VEM PRA QUEM SONHAR

“Clara, ‘a menina dos meus sonhos’, criadora do impossível, sonhadora feito eu”

Com muita alegria, a Porto da Pedra pisou na Avenida em 2011 cantando a delicadeza de Maria Clara Machado. O rico e imaginativo universo das obras infantis criadas pela dramaturga ganhou uma bela e criativa homenagem na Sapucaí. O carnavalesco Paulo Menezes, em seu segundo ano comandando os pincéis do Tigre, abusou do requinte com fantasias de muito bom gosto e alegorias interativas com muitos efeitos especiais.

O ENREDO
A sinopse diz:
“’Voar é com os pássaros
Sonhar é com a gente
porque eles têm asas
e nós temos a mente
que nos permite voar
de um jeito bem diferente
ir – sem sair do lugar –
ao futuro lá na frente
e além de ir, enfeitar,
construir e habitar
uma realidade inexistente
como se fosse real
o que é apenas sonho,
realmente.’

– Sonhar parece coisa de gente que vive de fantasia, fora da realidade!

Quantas vezes já ouvi: Caia na real!

Mas hoje eu te proponho: Caia no sonho!

Sonhe acordado, com o impossível e o improvável.

Use a imaginação!”

O enredo da vermelho e branco de São Gonçalo era uma homenagem à dramaturga Maria Clara Machado e suas obras. Também comemorava os 60 anos do Teatro Tablado, fundado pela autora, instituição com foco nas peças voltadas para o público infantil. A homenagem à Maria Clara também se deu em razão dos dez anos de sua morte: em 2011, ela teria completado 90 anos de vida.

Com o enredo “O sonho sempre vem pra quem sonhar” (o título é um verso da música “Lua de Cristal”, mas não sabemos se isso foi proposital), a Porto da Pedra se superou e fez um desfile muito criativo. “Meu enredo fala do sonho e da obra dela, que foi a grande dama do teatro infantil brasileiro. Será a vitória do lúdico”, contou Paulo Menezes, à época, ao portal UOL.

Clara, “a menina dos meus olhos”

Porto da Pedra 2011 – Foto: Wigder Frota

Nascida em Belo Horizonte, em 1921, Maria Clara Machado era atriz, professora e diretora. No entanto, seu reconhecimento nacional e internacional provém do exercício da escrita: por todo Brasil e na Europa, seus textos são reconhecidos. Crianças do interior do Piauí ou de Madrid, na Espanha, conhecem o fantasminha Pluft, que tinha medo de gente, e a bruxinha Angela, que era boa. Na obra da dramaturga, destacam-se algumas peças: “O Cavalinho Azul”; “A Bruxinha que era Boa”; “A Menina e o Vento”; “O rapto das cebolinhas”; “Tribobó City”; e “Pluft, o Fantasminha”, que é um dos maiores clássicos da dramaturgia infantil e o texto mais importante de seu repertório, que ganhou sua primeira montagem teatral em 1955.

Maria Clara também é a grande idealizadora d’O Tablado, e fundou-o em 1951. Liderou o teatro por longos 50 anos, construindo uma instituição de peso e importância para as Artes Cênicas. Mais de cinco mil atores já foram formados no espaço, voltado para a produção de peças infantis.
Para conhecer mais sobre a história e o universo de Maria Clara Machado e do Teatro Tablado, vale conferir o site da instituição. Disponível em: http://otablado.com.br

O DESFILE

Porto da Pedra 2011 – Foto: Wigder Frota

A Comissão de Frente da Porto da Pedra abriu o desfile de 2011 com uma bela homenagem ao Teatro Tablado. Chamada de “Consagrando a criação”, a comissão também fazia uma referência ao teatro mambembe, um formato de teatro itinerante surgido no século XII, na Europa, quando atores, malabaristas, cantores e artistas, fugindo da repressão da igreja, começaram a viajar em carroças apresentando seus espetáculos. “O sonho sempre vem pra quem sonhar”, e o Teatro Mambembe levava sonhos aos lugares por onde passava.

O tripé, em forma de caixa, se abria e se transformava em um palco do Teatro Tablado. A coreografia e a apresentação dos bailarinos simbolizavam a libertação da imaginação de Maria Clara Machado e foi aplaudida de pé pelos jurados.

Jatos de água, cheiro de bolo e bailarinas voadoras

Porto da Pedra 2011 – Foto: Wigder Frota

O abre-alas gigantesco, com 50 metros de comprimento, representava uma viagem ao universo do teatro dos bonecos. Bonecos enormes vinham na parte da frente da alegoria. E como sempre, o símbolo da escola, um imponente tigre, vinha acompanhando os personagens criados pela escritora. Muitos alunos e ex-alunos do Tablado povoavam a parte de cima do carro, fazendo uma improvisada coreografia.

As outras alegorias da escola vieram com muitas esculturas gigantescas, cheias de efeitos especiais e interatividade. O objetivo do carnavalesco Paulo Menezes era fazer com que o público sentisse na pele as emoções do desfile do Porto da Pedra.Um dos pontos altos do desfile foi o carro alegórico “O Embarque de Noé”, sobre a obra “Jonas e a Baleia”, que jogou muita água nas arquibancadas. O carro contava com um engenhoso sistema de hidráulico, fazendo com que os jatos atingissem 12 metros de alcance. O efeito, bem sucedido, de reproduzir chuva ainda foi apoiado por uma ventania produzida por grandes ventiladores. Completava o carro uma enorme baleia que vinha na parte da frente.

Uma alegoria trouxe um gigante rei nu. Outra, em homenagem à história “A Bruxinha que era Boa”, vinha cheia de bruxas. Até mesmo as baianas da escola vieram fantasias de bruxas e utilizavam máscaras com narizes tortos e com verrugas. Também foram lembrados personagens e elementos dos contos “A Menina e o Vento”, “O rapto das Cebolinhas”, e “O Cavalinho Azul”.

Infelizmente, uma forte chuva caiu momentos antes do desfile do Tigre, danificando parte dos carros. Ainda na concentração, os técnicos do Sambódromo e da agremiação tentaram minimizar os prejuízos, retirando pequenas esculturas avariadas. Uma das alegorias com problemas, inclusive, deixou escapar muito óleo na pista, provocando atraso no início do desfile da Beija-Flor. O óleo também gerou uma série de tombos nos desfiles que seguiram depois, mesmo com a pista sendo varrida e limpa com serragem.

A vermelho de branco de São Gonçalo não chegou a empolgar as arquibancadas, mas conseguiu cumprir bem seu papel. A escola entrou com a pista molhada, mas a chuva deu uma trégua, possibilitando um desfile mais tranquilo da agremiação.Mas o temporal que caiu antes contribuiu para esfriar um pouco o público.
OPorto da Pedra desfilou com 3.800 componentes, divididos em 32 alas e sete carros alegóricos, e ficou na 8ª colocação no Grupo Especial.

OS SETORES

A união entre o teatro e o espetáculo proporcionado pelo Carnaval

Porto da Pedra 2011 – Foto: Wigder Frota

Aluna e integrante da companhia de teatro de Maria Clara Machado, a atriz Louise Cardoso aceitou o convite do carnavalesco Paulo Menezes para representar a dramaturga na Avenida. “Eu vim do Tablado. Fui aluna dela, e aprendi quase tudo o que eu sei pelas mãos dela. Fiz parte do elenco de atores e também fui professora do Tablado por 12 anos. Ela, para mim, é uma segunda mãe. Esta minha ligação fez com que eu a interpretasse com o coração”, contou a atriz, muito emocionada. Louise confessou também que não é muito fã de Carnaval. “Nunca havia pisado na Avenida. Essa época [de Carnaval] eu gosto de descansar, ler uns livros. Eu só vim por causa da Maria”, admite.
Graças a Maria Clara Machado, Louise pôde pisar na Avenida e sentir a emoção de desfilar. A atriz admitiu depois que gostou muito da experiência.

A união entre teatro e carnaval também esteve presente na bateria do Porto da Pedra: os ritmistas da Ritmo Feroz, comandada pelo mestre Thiago Diogo, vieram fantasiados de “Pluft, o Fantasminha”. A fantasia branca cheia de babados pareceu não atrapalhar o desempenho dos músicos, que executaram até uma coreografia na Avenida.À frente do grupo, a atriz Ellen Roche estreou como rainha, exibindo ótima forma.
Um dos destaques do desfile veio justamente no segmento dos ritmistas. Sobre a Ritmo Feroz de São Gonçalo, uma bailarina “voava”, suspensa por um balão de gás, a seis metros do chão. Sim, o ‘FantasminhaPluft’, de fato, desfilou. Suspenso por balão de gás. Um dos momentos mais felizes do desfile, e uma imagem bem marcante.

O Casal de mestre-sala e porta-bandeira, Diego Falcão e Denadir, mostrou muita sincronia e classe além da belíssima fantasia com bonecos e pontos de luzes de LED. Mas acabaram sendo prejudicados por ela: o casal iniciou a apresentação na primeira cabine de jurados com o LED apagado.

O desfile contou ainda com a participação de vários ex-alunos de Maria Clara Machado, entre eles, MarciusMelhem, Heloísa Perissé e Ingrid Guimarães.

O SAMBA

Porto da Pedra 2011 – Foto: Wigder Frota

Se o enredo diz que o sonho sempre vem pra quem sonhar, o Porto da Pedra mostrou que é possível fazer samba-enredo suave e com encantamento. Não era o melhor do ano,mas poderia ser considerado um dos melhores da história da agremiação.
Com os versos“Quem não sonhou jamais amou / Não sabe o que é se libertar / Não viu o trem, nem o colar… / O sonho sempre vem pra quem sonhar”, o samba empolgou os componentes, que tiveram um forte canto até o fim do desfile. A bateria Ritmo Feroz do mestre Thiago Diogo, atualmente na Grande Rio, também veio firme.
Os autores do samba são: Bira, Diego Ferreiro, Robinho e Porkinho. O intérprete do Porto da Pedra foi Luizinho Andanças.

Coincidências

A escola foi campeã do Grupo A e subiu para o Grupo Especial em 2001, justamente no ano em que Maria Claro Machado viria a falecer. O enredo de 2001 do Tigre também foi com uma temática infantil: uma homenagem ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Com o enredo “Um Sonho Possível! Crescer e viver! Agora é lei!”, do carnavalesco Cahe Rodrigues, que atualmente comanda os pincéis da Imperatriz Leopoldinense, a escola de São Gonçalo fez um belo desfile falando sobre a importância de respeitar o direito das crianças, para que uma vida melhor para elas se torne realidade, transformando este desejo em sonho possível, através de muita luta para que elas tenham saúde, educação, família, cultura, esporte, lazer, atenção carinho.

“Criança não é brincadeira e cabe a todos nós, cuidar, amparar e orientar, para que cresçam usufruindo do máximo de suas potencialidades. E é sobre este prisma que o Estatuto da Criança e do Adolescente será abordado. Quando nos deparamos com tantos problemas sociais e, muitas vezes, vemos os jovens desvirtuados em seus destinos, pensamos como seria bom se tudo aquilo que reza o Estatuto já estivesse em prática”, dizia a sinopse.

O trágico incêndio de 2011

Vale lembrar também que em 2011 não houve rebaixamento, por conta do grave incêndio que destruiu os barracões da União da Ilha, da Portela e da Grande Rio, no dia 7 de fevereiro, na Cidade do Samba, na Zona Portuária do Rio. Na ocasião, as escolas não foram avaliadas e desfilaram com o pouco que lhes restava. Houve inclusive mudanças nas ordens dos desfiles: a Portela, que entraria na Avenida na segunda-feira, desfilou no domingo, dando lugar à Mocidade.

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/02/imagens-mostram-incendio-na-cidade-do-samba-no-rio.html

Link do desfile: https://www.youtube.com/watch?v=Wh2pVkMZHWY

Letra do samba:
Um pedaço de papel
Pano, cores, ilusão
Vai girando o carrossel
Nas asas da imaginação
Clara, “a menina dos meus olhos”
Criadora do impossível, sonhadora feito eu
Em tudo que ela escreveu
Um aprendiz de feiticeiro a formular o amor
E a princesa recebeu a flor
A fera foi pra outra dimensão
Amigo de Deus, Noé entendeu
O mundo em transformação

A bruxa boa vem aí, eu quero ver!
O saboroso elixir, eu vou provar!
No vento vendaval da liberdade,
Um samba de verdade vai passar

Quem não sonhou jamais amou
Não sabe o que é se libertar
Não viu o trem, nem o colar.
O sonho sempre vem pra quem sonhar!
Vai, vai, vai, vai, vence logo esse medo
“Prega uma peça” à esperança.
Vem no galopé o corcel, feito azul do céu
E a magia da criança
Em busca da alegria, seu poder de encantar
Criando sonhos, recriando a fantasia a brincar

No tablado consagrando a criação
É a arte, vida em transformação
Meu tigre chegou, aplausos no ar
É Clara que me faz sonhar!

 

Sobre a série “Sete enredos com a temática infantil”

Quem é amante do Carnaval sabe o quanto alguns desfiles de escolas de samba fizeram viajar nas lembranças da infância. E o Carnavalizados preparou este conteúdo exclusivo como uma forma de homenagear nossas crianças, o futuro do nosso mundo, mas também como forma de homenagear a criança que há dentro de cada um de nós, resgatando o universo infantil dos desfiles de Carnaval. Pois, quando nos tornamos adultos, nossa criança interior fica distante, guardada num baú de histórias e memórias, no qual pouco mexemos. E recordar esses trabalhos feitos na Avenida é uma forma de relembrar tudo aquilo que nos divertia e nos trazia alegria.

Como é bom ainda ser criança! E como é bom para o Carnavalizados poder te ajudar a matar a saudade da criança que habita em você.

É um presente pra você, adulto, criança crescida, que acompanha o nosso trabalho.

Divirta-se. Oni Beijada!

 

Por: Claudio Rocha e Gabriel Cardoso

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