Foto: Rafael Arantes

Jorge Silveira fala sobre o enredo de 2018: “É o Carnaval da minha vida”

São Clemente levará para a Avenida os 200 anos da Escola de Belas Artes

São muitas as motivações que levam um carnavalesco a escolher um enredo. A “cara” da escola, a disponibilidade de recursos financeiros, impacto visual, curiosidade, reaproveitamento de materiais, um livro, um filme, uma música… tudo pode se tornar tema para um desfile.

Para Jorge Silveira, a motivação para construir seu primeiro enredo na São Clemente para o Carnaval de 2018 vem de uma vida inteira. Vice-campeão com a Unidos do Viradouro com o elogiado E todo menino é um Rei e com a Dragões da Real (Carnaval de São Paulo) com Dragões canta Asa Branca, ambos este ano, Silveira espera repetir o sucesso com Academicamente Popular, enredo que contará a história dos 200 anos da Escola de Belas Artes da UFRJ, do Rio de Janeiro, e que foi escolhido pelo carnavalesco como demonstração de amor, carinho e gratidão.

“Eu sou o que sou, artística e intelectualmente, graças a essa escola. Esse enredo começa na minha cabeça em 1999, quando prestei vestibular e ingressei na Escola de Belas Artes como aluno. Comecei a vislumbrar um universo de possibilidades, abri minha visão artística e minha capacidade de entender o mundo através da arte e de entender a arte a partir da Escola”, afirma Jorge Silveira.

Foto: Acervo Pessoal

Escola de Belas de Artes. “EBA”, para os íntimos. Que sigla feliz. Não poderia combinar melhor com o Carnaval. E foi justamente misturando um pouco do Carnaval com a Academia que Jorge começou a reconhecer seu destino. O carnavalesco contou que em um dos seus dias de aula recebeu um folhetim, um jornal interno da instituição, que trazia na capa uma baiana rodando. “Era a baiana do Milton Cunha, na Beija-Flor. E dentro desse jornal tinha uma matéria que falava sobre os anos 60, quando o professor Fernando Pamplona levou da EBA uma série de profissionais para o carnaval carioca. O título da matéria era ‘Academicamente Popular’. Nem preciso dizer que guardo esse jornal até hoje”, revela.

O destino parecia querer mesmo que Jorge Silveira falasse da Escola de Belas Artes em 2018. Tanto que as coincidências não param por aí: segundo o carnavalesco, foi o presidente da São Clemente, Renatinho, quem escolheu o enredo. “O mais louco é que não fui eu quem sugeriu! O Renato é, sobretudo, uma pessoa muito estudiosa e um grande xereta de internet. Então, quando começaram a ventilar o meu nome, ele foi investigar e saber quem eu era, começou a se interessar pela possibilidade de me chamar. E foi assim que chegou até o enredo, porque eu desenvolvi esse trabalho sobre a EBA para o Carnaval Virtual em 2012, e tudo está até hoje disponível num blog que eu mantenho (http://jorgeluizsilveira.blogspot.com.br/). Ele viu e achou interessante transformá-lo em realidade.”

Foto: Acervo pessoal

Outra coincidência foi a visita de Jorge ao pórtico original da Escola de Belas Artes, localizado em uma das alamedas do Jardim Botânico, Zona Sul no Rio. “O primeiro prédio (da EBA) foi feito no Centro do Rio, próximo ao Saara. O pórtico desse prédio foi removido de lá e o Patrimônio o reconstruiu no Jardim Botânico, e quando o enredo foi aprovado, fui até lá com o Ricardo, meu assistente. Foi através daquela porta que Debret e todos os artistas da Missão Artística Francesa passaram. Eu precisava ir até lá, sentia que precisava pedir permissão a eles para fazer esse trabalho. É íntimo, é uma coisa minha, é uma coisa espiritual (e o Jorge contou só pra mim!). Mas a partir daí todos os caminhos começaram a se abrir, tudo começou a funcionar a nosso favor. Recebi autoridades da arte que, como aluno, talvez nunca tivesse contato. E eu não chamei nenhuma delas. Elas simplesmente se manifestaram dizendo “queremos contribuir com o seu trabalho, e se tiver que ir pro barracão colar paetê, a gente vai”, conta o carnavalesco.

Nervosismo, pavê de leite condensado e ineditismo

Nosso papo no Casarão Cultural da São Clemente foi interrompido pelo próprio presidente da agremiação, o Renatinho. De um bom humor transbordante, o mandatário veio até o segundo andar nos oferecer feijoada e pavê de leite condensado.

“Come, garoto! Não quero você desmaiando de fome lá na frente!”, brincou o presidente. Ao que o carnavalesco, aos risos, respondeu: “Não. Não posso, Renato. Não consigo. Estou nervoso e esse troço vai me dar dor de barriga.”

Obviamente, eu aceitei. E meu amigo Jorge Silveira perdeu uma boa oportunidade de experimentar o pavê de leite condensado, que estava incrível. Aliás, a única oportunidade, já que os potes com o doce acabaram pouco tempo depois. Mas ele não queria mesmo comer nada já que, dali a pouco, ele subiria ao palco improvisado no casarão para apresentar seu enredo.

Jorge estava mesmo nervoso.

“É a história da minha vida, sabe? Eu não construí esse enredo só porque acho legal. E quando conversei com ele (o presidente Renatinho) e ele próprio me sugeriu falar sobre a EBA, eu comecei a chorar. Fiquei muito gratificado por ele ter buscado a mim e ter enxergado justamente nesse enredo a possibilidade de embalar a São Clemente no carnaval em 2018. São 200 anos e o Renato me procurou. Isso não é por acaso”, aponta Jorge.

Jorge Silveira e o presidente Renatinho na apresentação do enredo e da nova porta-bandeira da escola, Amanda Poblete – Foto: Rafael Arantes

O mais impressionante (para não dizer entristecedor) é que a maior escola de artes do Brasil e da América Latina, com sede bem aqui, no Rio de Janeiro, nunca havia sido enredo. Uma instituição que impactou de maneira decisiva o Carnaval através de seus profissionais e que continua formando novos – e talentosos – artistas até os dias de hoje. “É uma história pequena, né? São só 200 anos de arte”, brinca o carnavalesco. “Vou falar de uma escola da qual a maioria dos profissionais do Carnaval já beberam da fonte. Lá atrás, o casal Nery fez o carnaval do Salgueiro (de 1959) que faria Fernando Pamplona se apaixonar pela escola. Depois, vieram o próprio Pamplona e Rosa Magalhães (carnavalesca da Portela, que estava na São Clemente antes de Jorge). Hoje em dia ainda temos a Rosa, mas temos novos nomes, como Leandro Vieira (Mangueira), Jack Vasconcelos (Paraíso do Tuiuti), Annik Salmon (da Comissão de Carnaval da Unidos da Tijuca), todos profissionais que são meus colegas lá da Escola e aqui também, fazendo Carnaval. Então é no mínimo curioso que uma instituição com essa relação direta com o Carnaval do Rio nunca tenha tido sua história contada antes.”

Desfile das campeãs e missões

Jorge revelou que o trabalho no barracão já está bem adiantado. O figurino está todo pronto, assim como as alegorias já estão todas desenhadas. As plantas das alegorias e os protótipos também estão quase finalizados.

É preciso destacar – e parabenizar – que tamanha rapidez se deve muito ao comprometimento da São Clemente com cronograma e organização. A escola da Zona Sul foi a primeira do Grupo Especial a finalizar os desenhos e começar seus protótipos. Saiu atrás apenas da Unidos de Padre Miguel, do Grupo de Acesso.

Toda a dedicação e empenho têm uma explicação: Jorge Silveira quer ir para o Desfile das Campeãs em 2018. Ele até se desligou da Dragões da Real, escola de São Paulo onde também era carnavalesco, para se dedicar exclusivamente ao projeto da São Clemente. “Pedi licença para a Dragões, pois meu trabalho aqui está sendo dobrado. Estamos trabalhando muito duro para conseguir ir para o Desfile das Campeãs. Saí de lá (da Dragões) no melhor momento, de maneira amistosa, homenageado, aplaudido e ovacionado. Saí com a sensação de dever cumprido e sei que a escola hoje entra para brigar pelo título.”

Dragões da Real 2017 – Foto: Alan Morici/G1

Por aqui, a escola da Zona Sul abraçou o projeto e está dando todas as ferramentas para que o sonho de Jorge (e obviamente dela também) se concretize. “Vai ter interatividade, modernidade, alegorias que se transformam e se comunicam com o público. Vai ter teatro, alegria. Minha missão com a escola é contar a história com o bom humor e a carioquice típicos dela. Mas acima de tudo, fazê-la se enxergar capaz de ir até onde nunca foi com algo que nunca fez”.

Outra missão do carnavalesco é fazer com que o desfile da preto e amarelo tenha a repercussão e a visibilidade que a Escola de Belas Artes merece. Recentemente, o prédio da instituição pegou fogo, e não é a primeira vez que ela perde uma sede. A EBA chega então aos seus 200 anos, infelizmente, sem uma sede definitiva. E Jorge Silveira espera que seu Carnaval possa abrir os olhos do poder público para o descompromisso e o descaso com a maior escola de arte da América Latina e uma das matrizes de formação do Carnaval.

Tal qual a fênix, esperamos ver sempre a EBA ressurgir e renascer. E esperamos que Jorge e São Clemente façam um Carnaval que possamos ver duas vezes.

“Foram grandes as barreiras e desafios vencidos. Até mesmo o fogo que atingiu a sede da EBA recentemente não tem o poder de apagar sua história. Pois é das chamas que ela há de se reerguer, como uma fênix de que renasce: ‘quem chorava, vai sorrir’. (…) Ao adentrar a passarela em 2018, a escola de samba da Zona Sul será a grande confirmação de que era destino da EBA dar as mãos ao povo em forma de um carnaval Academicamente Popular.”

Trecho extraído da sinopse da São Clemente – Carnaval 2018.

 

 

 

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