Descortinando a Cidade do Samba: Um olhar sobre os barracões do Grupo Especial por João Gustavo Melo

Barracões das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro – Carnaval 2018

Por: João Gustavo Melo

A dez dias das noites mais aguardas pelos amantes do Carnaval Carioca, seguem algumas impressões sobre cada escola. São apenas achismos que podem ou não se confirmar na hora da verdade. Simbora!

Império Serrano

O trabalho do carnavalesco Fábio Ricardo é comovente. O projeto do desfile sobre a China moderniza o visual da verde e branca sem macular as tradições da Serrinha, que corre para concluir o barracão e as fantasias. No ritmo em que está deve entrar na Avenida de forma majestosa, bem ao estilo que a escola gosta e merece. No mais, falar de bateria, samba e chão dessa escola é simplesmente ser óbvio e redundante: trata-se de uma agremiação íntima de cada metro quadrado do chão que desfila. Não perca de vista: a monumental entrada imperiana, toda em dourado com detalhes em verde, com dragões carregando a coroa imperial, de um bom gosto de cair o queixo.

São Clemente

Uma aula de arte brasileira vai passar diante dos seus olhos. Jorge Silveira vai colocar na Avenida um desfile de obras que marcam as diversas fases e artistas que fizeram da Escola Belas Artes uma Academia de grandes mestres. Figurinos espetaculares e alegorias com muita criatividade e excelente volumetria vão dar a sensação de estarmos diante de uma galeria em cortejo. Final de desfile apoteótico com uma grande mensagem de amor à EBA. Fique de olho: no carro do Modernismo, que traz obras de Oswaldo Goeldi e Portinari. Uma aula de criatividade e arrojo no traço de um eterno filho da EBA chamado Jorge Silveira.

Vila Isabel

Se não for pra causar, Paulo Barros nem sai de casa. Por isso, ele vem com a Vila com sangue azul nos olhos e nas veias, com muitas ideias geniais na cabeça em um dos seus trabalhos mais radicais, no bom sentido do termo. Um show de tecnologia para tirar o fôlego do público, mas ao mesmo tempo trazer a reflexão sobre o futuro que inventamos. O que parece, a princípio, um tema árido, é, antes de tudo, um enredo humano. Fique de olho: no conjunto ala/alegoria do disco voador, que vai deslocar o publico a uma ficção futurista luminosa e divertida.

Paraíso do Tuiuti

Os últimos carnavais têm revelado o carnavalesco Jack Vasconcelos como um dos melhores no quesito enredo. Desta vez, ele traz a emoção ao lado de um samba concebido para tomar lugar na antologia do gênero. O apelo à reflexão sobre a história da escravidão vai desfilar na Sapucaí de forma impactante e visceral. O final do desfile denuncia um país que está voltando a embarcar num neotumbeiro com o derretimento dos direitos trabalhistas, projeto negado nas urnas por quatro eleições consecutivas e que somente um golpe parlamentar-jurídico-midiático permitiu que fosse adiante. Fique de olho: no segundo carro, que representa o ser humano como mercadoria exposta em um mercado árabe. Uma mensagem direta para nos lembrar que a escravidão não nasceu na África e que o maior direito pelo qual temos sempre que lutar é a LIBERDADE.

Grande Rio

Uma festa na pista, um bailão colorido na Avenida. É esta a proposta da escola tricolor, que também vai usar e abusar de tecnologia para falar do maior gênio da televisão brasileira. O enredo vai ser contado às avessas, do sucesso dos programas às origens pernambucanas, bem ao estilo do Velho Guerreiro, com muita galhofa, sem perder de vista a qualidade visual da qual Renato Lage não abre mão. A escola vem grandiosa, rica, mas com muita cintura e criatividade. Fique de olho: na ala das baianas, com uma fantasia que Fernando Pinto assinaria com orgulho. São as hippies tropicalistas, com uma profusão de girassóis na barra da saia.

Mangueira

A mensagem de Leandro Vieira é clara: o carnaval é do povo e ninguém mete a mão. No momento em que até mesmo o direito à folia é questionado por uma maldita onda conservadora, a escola se torna cronista da nossa crise existencial. Mas se engana quem acha que será um desfile com teor panfletário. O enredo nos leva a refletir sobre os rumos do Carnaval evocando a saudade e a relação da festa com a cidade. Chama os bambas, extrai de nós o folião adormecido, sacode a poeira do tapete banhado de confetes e nos convida a derrubar o portão que nos separa da nossa grande vocação que é ser feliz. Fique de olho: em todo o último setor do desfile. E das arquibancadas, da frisas, de casa, onde estiver, venha junto com a verde e rosa. E não se envergonhe se a lágrima rolar do seu rosto como um saudoso pierrô…

Mocidade

Uma das campeãs de 2017 virá com um cartão de visitas para botar a baixo a Avenida: o samba. Mas, além disso, a escola desfilará com um visual opulento, trabalhado com extremo cuidado e bom gosto pelo já consagrado Alexandre Louzada, trazendo diversos tons de verde para provar que existe muito mais entre Brasil e Índia do que julga a nossa vã filosofia. Com uma abertura impactante, o público será recebido e abraçado pelas divindades para conclamar a paz em uma inesquecível manhã de Carnaval. Fique de olho: no último setor, que vai colorir a Sapucaí com a representação do festival holi, que acontece anualmente entre fevereiro e março para representar a vitória do bem contra o mal.

Unidos da Tijuca

A escola do Borel tem se notabilizado na última década como uma agremiação lúdica. E pretende exorcizar os problemas do ano passado com uma justíssima homenagem a um dos maiores dramaturgos do país. Miguel Falabella é sempre lembrado pelo povão pelos papéis na TV, mas a produção teatral do artista é fabulosa, merecedora de se tornar, de fato, enredo. Ser tema de uma escola de samba é a maior consagração que um artista em vida poderia receber e a Tijuca abraçou Miguel como o arcanjo de todas as artes, abrindo a segunda com a promessa de um desfile divertido, emotivo e com muita alegria. Fique de olho: na ala das baianas, que representa “As Noivas de Copacabana” e na bateria, vestida de “Caco Antibes”.

Portela

A campeã de 2017, ao lado da Mocidade, mergulha naquelas histórias que estavam pipocando por aí, mas que só Rosa Magalhães teve a coragem de contar na Avenida. Com um enredo que narra a saga dos judeus que vieram da Europa, foram parar em Pernambuco de Nassau e fundaram a cidade de Nova Amsterdã (depois conhecida como Nova Iorque) por si só já é uma atração para não perder a azul e branca de jeito nenhum. Com um visual diversificado, que vai com uma abertura “manuelina” até o encerramento dos skylines da chamada capital do mundo, a Portela promete uma viagem no tempo e no espaço contando uma história dos que erram por tantas terras em busca da sonhada Terra Prometida. Fique de olho: no acabamento e nas (muitas) revoadas do carro abre-alas.

União da Ilha

Um desfile para comer com os olhos. Essa é a proposta do carnavalesco Severo Luzardo, que faz seu segundo trabalho na Ilha com uma proposta ao sabor da escola: um enredo linear, muito bem pesquisado e de dar água na boca. Outros temas sobre a culinária brasileira já passaram diversas vezes na Avenida, mas o enfoque dado pela tricolor é a prova de que pesquisa faz diferença. Com uma divisão clara nos setores, o público vai se fartar de cores e sensações. Fique de olho: na abertura da escola. O conjunto em tons suaves de rosas e brancos, salpicados de vermelhos e dourados é de um requinte e leveza absolutos.

Salgueiro

As senhoras do Ventre do Mundo pedem passagem para contar a saga das negras e seus ideais. Impossível não lembrar o inesquecível Candaces, o que não é demérito algum, já que a luta e afirmação feminina negra não cabe apenas em um enredo. O talento do carnavalesco Alex de Souza se derrama na forma altiva e elegante com que vestirá toda a agremiação, radiante com o trabalho do novo artista. Fique de olho: na quinta alegoria da escola, “Geledés”, que traz uma coruja gigantesca de asas abertas sobre máscaras e grafismos remetendo ao misticismo das senhoras dos pássaros da noite.

Imperatriz Leopoldinense

O enredo sobre uma instituição cultural do porte do Museu Nacional por si só já vale todo o desfile. Some-se a isso um samba que descreve com fidalguia a proposta de trazer as muitas peças de um quebra-cabeça que conta a nossa história artística, histórica e antropológica, aí é partir para o abraço e ser feliz. A escola aposta muito na força da comunidade e da qualidade da bateria, que vem se esbaldando nos ensaios. Um passeio para o qual só a nobreza de Ramos poderia nos convidar. Fique de olho: no lindíssimo carros abre-alas, todo em verde-água e dourado, trazendo à frente a fachada do Museu Nacional e, em cima, a majestosa coroa da escola. Um cartão de visitas de encher os olhos com requinte, bom gosto e grande qualidade artística produzida por Cahe Rodrigues e equipe.

Beija-Flor

Tentando reafirmar-se como uma escola inovadora, a azul e branca da Baixada encerra o carnaval ajudada pela mística de que, desde 1976, sempre que encerrou o desfile, vestiu a faixa de campeã. Com um samba poderoso, um dos mais bonitos da rica discografia da escola, a Beija-Flor aposta numa apresentação com cenografia completamente diferente do que vem mostrando. Trocou os brilhos e elementos decorativos convencionais nas alegorias por um visual mais “seco”, “realista”, mas com efeitos surpreendentes que só serão conhecidos na Avenida. Nas fantasias, muitas soluções criativas que retratam a dualidade de um país mergulhado em mazelas. Não será igual a nenhuma Beija-Flor já vista antes. Torçamos para que a emoção não ultrapasse o limite tênue da amargura. Fique de olho: na bateria, em Selminha e Claudinho, e em cada um dos componentes que por si só já são a marca de uma agremiação talhada para vencer. E encantar.

João Gustavo Melo – Foto: Arquivo Pessoal

João Gustavo Melo é jornalista e pesquisador do Carnaval

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