Primeiro Casal de Mestre-sala e Porta-Bandeira Claudinho e Selminha Sorriso - Beija-Flor Desfile 2019 - Foto: Fernando Tribino/ Site Carnavalizados

Conheça um pouco da origem dos casais de Mestre-Sala e Porta-Bandeira

Por: Paulo Cesar Alcantara

Não se pode negar que um dos principais assuntos discutidos nos bastidores do carnaval, durante todo o ano, seja o desempenho do casal de mestre-sala e porta-bandeira. E as perguntas são inúmeras: Onde eles estão? Para onde irão? Quem firmou contrato, quem foi demitido e quem fez a renovação, na famosa dança das cadeiras?

Realmente é um dos quesitos mais esperados e observados em um desfile de escola de samba, desde a passagem à apresentação do casal. E no meio de tanto brilho e glamour existem muitas cobranças, vindas de todas as partes para essa dupla. Pois muitos sonham em portar o mais importante elemento representativo de uma comunidade, com suas tradições e características peculiares de cada bairro: o pavilhão da agremiação.

A porta-bandeira deve deslizar, bailar e flutuar, medindo gestos graciosos com muita elegância e charme ao carregar o pavilhão, enquanto o mestre-sala a corteja, protege e evolui em uma dança de sedução, no qual a finalidade principal é a proteção da bandeira e de sua parceira. Inúmeros artistas se destacaram nesses postos — e muitos até podemos dizer que se eternizaram —, por conta de suas apresentações memoráveis na história do carnaval carioca.

Primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira Julinho Nascimento e Rute Alves – Unidos do Viradouro Desfile 2019 – Foto: Fernando Tribino/ Site Carnavalizados

O casal vale tanto em nota quanto qualquer outro quesito. Para ser mais claro: se forem quatro setores, serão quarenta pontos, variando conforme as regras da Liga. Duas pessoas apenas podem garantir 40 pontos. É muita responsabilidade! E diante de tantas cobranças, tanto valor, tanto zelo e tanta vaidade envolvendo essas funções, hoje a disputa é imensa entre os aspirantes ao cargo de mestre-sala e porta-bandeira de uma agremiação do grupo especial.

E esse sonho começa, muitas vezes, quando ainda se é uma criança! Existem, de fato, dois reconhecidos projetos que preparam crianças e adolescentes para a arte do bailado de mestre-sala e porta-bandeira: uma delas é a Escola de Mestre-Sala, Porta-Estandarte e Porta-Bandeira Mestre Dionísio, coordenada por ele próprio; e a outra é O Minueto do Samba, coordenada pela professora Viviane Martins e Carlinhos Brilhante, mestre-sala Estandarte de Ouro em 1988, pela Vila Isabel, no ano de Kizomba, a Festa da Raça, o primeiro título da azul e branco do bairro de Noel.

Para se entender melhor sobre a simbologia no bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira das agremiações carnavalescas nos dias de hoje, se faz necessário conhecer e entender o surgimento dos saudosos ranchos carnavalescos da Praça Onze, onde tudo começou. Eles desfilavam pelas principais ruas da cidade do Rio de Janeiro. Entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX, para ser mais preciso.

Então vem comigo, que no caminho eu te explico melhor o surgimento e a evolução do casal mais esperado no desfile das escolas de samba.

Mestre Carlinhos Brilhante e Márcia Maravilha – Desfile Unidos de Vila Isabel 1994 – Foto: Divulgação

Pois bem, as atuais escolas de samba começaram seus desfiles ainda como ranchos, grupos e associações que realizavam cortejos nos dias de carnaval, com a presença simbólica da corte pelas ruas do Centro do Rio, representada na figura do rei e da rainha. Observem a presença da nobreza em nossos ritos: ela servirá de base para muitos significados, como, por exemplo, a vestimenta do casal, que, até os anos de 1980, parecia ter saído dos livros de história da arte no período Rococó. Diga-se de passagem, esse costume de inclusão desses personagens da monarquia se dá em razão do enorme saudosismo por grande parte do povo em querer o retorno do regime monárquico! Já reparou que temos até o hoje o hábito de eleger o rei e a rainha para tudo e qualquer coisa? A monarquia ainda perambula em nosso imaginário. Mas isso é outro assunto para outro momento; voltemos, então, ao foco da história de hoje.

Onde estávamos? Ah! Lembrei. Após a reforma do então prefeito Pereira Passos — que tombou os cortiços e alargou as ruas do centro da cidade, e ainda ficou imortalizado na história por esse feito — ficou então assim decidida definitivamente a divisão da cidade entre as “classes sociais”, se assim podemos dizer. A elite ocupava a antiga Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, com seus carros abertos em grandes desfiles da sociedade; a Zona Sul, com seus desfiles de fantasias feitas em papel crepom por baixo das roupas de banho para o saudoso “Banho de mar à fantasia”. Coube então aos outros “segmentos sociais” festejarem na antiga Pequena África — ou Bairro Vermelho, como também ficou bastante descrito —, hoje aclamada como a nossa Praça Onze querida. E é sobre os personagens que nela surgiram que vamos falar hoje.

Os desfiles não eram organizados como hoje em dia; pelo contrário, não era sequer controlado. Então podemos imaginar o enorme contingente desordenado de foliões, cantando e brincando por inúmeros caminhos aleatórios por entre as ruas da cidade. O trajeto de qualquer cortejo, porém, tinha a obrigação moral de passar em frente à casa de Tia Ciata, baiana respeitada dentro e fora dos movimentos e ritos, cuja benção era fundamental para que todos pudessem brincar o carnaval protegidos da maldade ou dos maus espíritos, com o ritual que incluía o ato de beijar o estandarte. Por isso que, até hoje, o ato de beijar a bandeira de uma escola é considerado uma honra para os convidados escolhidos pelo casal (e para isso, lembremos que não é aconselhável: estar trajado inadequadamente, não estar de sandálias de dedo ou descalço, de boné, camisa aberta, de short ou vestidos e saias curtas, ou portando lata de bebida nas mãos; essas são só algumas das atenções que devemos prestar em sinal de respeito ao pavilhão, se quisermos ter a honra de beijá-lo).

Agora, sabia que o “pavilhão”, como também é chamada a bandeira da escola, nem sempre teve esse formato retangular na horizontal flamejante, e nem tinha a função de executar tais rodopios? Temos que frisar que o símbolo da escola era trazido em formato de estandarte por homens malandros e capoeiristas. Esses homens tinham a responsabilidade de portar o estandarte e protegê-lo dos possíveis ataques de grupos rivais, pois a relação de “coirmãs” entre as escolas de samba que (aparentemente) existe hoje, não existia nos idos anos. Em cada esquina poderiam se encontrar com outros grupos; e quando isso acontecia, a coisa não ficava nada boa.

Vocês se lembram de uma brincadeira de infância chamada “pique-bandeira”? Pois bem, era muito parecido! Um grupo de um lado, no inicio da rua, e outro grupo de frente, no final da rua, ambos seguindo na mesma direção, e nenhum dos dois interessados em “abrir alas” para o outro passar.

O clima esquentava de verdade entre os brincantes e muitas vezes a pancadaria era certa, cujo vencedor era o que conseguia passar na base da força bruta pelo outro grupo ou aquele que conseguisse arrancar o estandarte do portador da escola rival e levá-lo para seu território, expondo o objeto como prêmio em sua quadra. É claro que com essas truculências envolvendo os festejos de Momo nas ruas do Rio de Janeiro, no início dos anos 1930, havia muitas vitimas. Então houve a necessidade de se ter um guardião com as mãos livres para desfilar e proteger o estandarte caso fosse preciso; a partir daí é que o estandarte passou a ser conduzido por uma mulher, e sendo protegido com os capoeiras que vinham ao redor, muitas vezes armados com navalhas e lâminas de aço inox, embutidos e escondidos em seus leques, lenços e balizas (objetos característicos dos atuais mestres-salas). Jair Rodrigues, inclusive, tem uma canção gravada no ano de 1999, chamada O conde, que narra um sambista que tem amor por sua escola e exalta o bailado de Wilma Nascimento, considerada pelos críticos e sambistas da época como o “Cisne da Passarela”.

Vilma Nascimento – O Cisne da Passarela – Portela 1978 – Foto: Perfil pessoal

Após inúmeras tentativas de organização dos ranchos, conseguiram criar um prêmio com alguns requisitos, e assim tornaram o evento mais organizado, o que foi muito bom para os amantes dos festejos de Momo. Afinal de contas, existem inúmeros cerimoniais de grande importância que nos ligam aos nossos ancestrais e que acontecem até hoje dentro das quadras. Por exemplo: uma prática bem pouco percebida entre os sambistas, mas que é linda demais é o ritual de recepção dos casais de mestres-salas e porta-bandeiras em quadras de escolas coirmãs. Nesse caso, a agremiação anfitriã disponibiliza um componente de sua direção, geralmente da Harmonia, e este será responsável pela recepção do casal na porta da escola e a condução dos convidados para dentro da quadra. Mas cabe ao “dono” da casa pegar a bandeira cuidadosamente e levá-la para dentro, seguido pelo casal convidado que, dependendo da fama e da visibilidade, terá seguranças em seu entorno.

O peso e a responsabilidade que carregam de conquistar a nota máxima de um quesito que pode decidir o campeonato torna anualmente a competição acirrada e de superação de limites dos casais. São preparos físicos além das composições de coreografias inéditas e adaptadas ao enredo, com coreógrafos e ex-integrantes de peso para virem à frente do casal apresentando-os aos jurados, atraindo também atenção de curiosos, comentaristas, da imprensa e dos avaliadores de prêmios, que acontecem logo após o carnaval.

O quarteto composto pelos ex-dançarinos Machine, a professora Viviane Martins, mestre Manoel Dionísio e Carlinhos Brilhante, elaboraram em março de 2018 a cartilha que fala sobre os hábitos, costumes e postura adequados para os mestres-salas e porta-bandeiras. Esse documento é utilizado em palestras, seminários, encontros e cursos de MS e PB, para que a nova geração compreenda a importância de seus papeis em conduzir o pavilhão de uma escola.

* Paulo Cesar Alcantara é professor de história na rede do ensino fundamental II e ensino médio na rede privada, gestor cultural do Prêmio Machine e Babado Junino, colunista de cultura e ancestralidade no blog “e aí?” 

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