Blocos de Rua: solicitações de última hora da prefeitura ameaçam realização de cortejos

Com pouco menos de uma semana para o começo oficial do Carnaval, muitos blocos estão correndo o risco de não conseguirem autorização para desfilar. O motivo: a prefeitura do Rio está fazendo solicitações de última hora para liberar os cortejos.

É o caso do É Tudo ou Nada?!, bloco de alunos e ex-alunos do Colégio Pedro II. Faltando exatamente uma semana para o desfile do bloco, que sai na terça-feira de Carnaval, a organização foi surpreendida com a exigência de mais documentos.

“Fomos pegos completamente de surpresa. Aos 45 do segundo tempo, fomos surpreendidos HOJE com a informação de que não temos Cart e Fare”, afirma Maíra Brum, uma das organizadoras do bloco.

O Cart e o Fare são documentos para eventos especiais, solicitados para grandes aglomerações, emitidos respectivamente por unidades de saúde e pelo Corpo de Bombeiros. Segundo Karen Fernandes, presidente do É Tudo Ou Nada?!, são documentos que poderiam ter sido solicitados antes, com antecedência, mas ambos não constavam na primeira lista de pendências emitida.

“Estamos desde abril correndo atrás de bombeiros, batalhão, hospital e ajuda necessária pra sair de maneira legal nas ruas do Humaitá. Entregamos todos os documentos que nos foram solicitados, cumprimos todas as exigências. E na lista de pendências que recebemos, não havia nenhuma menção à falta do Cart e do Fare. O problema não é o documento em si, mas é que agora, com o prazo apertadíssimo, corremos o risco de não consegui-los, e teríamos que contratar uma ambulância para o evento”, detalha Karen.

A presidente do bloco afirma ainda que caso não consiga todos os documentos pendentes para obter a liberação a tempo, o bloco não teria como arcar com as despesas por uma ambulância, o que praticamente acabaria com as chances de desfilar.

“É algo que vai muito além do nosso orçamento e planejamento. É praticamente impossível conseguir um patrocinador de última hora. Passamos a manhã toda ligando para empresas e o custo médio de uma ambulância UTI com maqueiro e médico é de quase três mil reais, não temos de onde tirar isso. Criamos uma vaquinha e estamos torcendo para conseguir, mas, sem isso, a chance de desfilar é praticamente zero”, confessa.

A vaquinha para ajudar o Bloco É Tudo Ou Nada?! já está disponível neste link: https://app.picpay.com/user/etudoounada

O que mais surpreende a organização do bloco é a demora na emissão da lista de autorizações e pendências. De acordo com Karen, a Riotur deveria ter emitido as autorizações em outubro do ano passado, porém o fez apenas em janeiro. Para a organização, o pedido às vésperas do cortejo parece ser uma tentativa de dificultar sua realização.

“Todos os anos nós fazemos tudo para garantir o bem-estar de todos os foliões. O que nos tirou o chão foi o fato de a prefeitura solicitar isso com uma semana pro nosso dia. O Rio de Janeiro está passando por um descaso com a cultura, onde nosso bispo está tentando dificultar o cenário de festa do Estado. Estamos vendo nossos blocos parceiros cancelando seus desfiles. Blocos que desfilam há mais de 10 anos e movimentam a economia da área. É inaceitável”, relata Karen Fernandes.

11 blocos já foram cancelados

Nessa última semana, ao todo onze blocos que desfilariam, foram cancelados: Batuke Imperial; Areia; Pinta Mas Não Borra; Cordão do Prata Preta; Imaginô? Agora Amassa!; Orquestra das Crianças; Pipoca no Mel; Quem Vai, Vai, Quem Não Vai, Não Cagueta; Pérola da Guanabara; Banda da Haddock Lobo; Cardosão de Laranjeiras. Entre os motivos, a falta de documentação para a liberação dos cortejos é o principal. O cortejo do Chora Me Liga, que estava previsto para desfilar no último sábado no Centro do Rio, também não aconteceu. E não foi por desistência dos organizadores: o desfile foi barrado pela Polícia Militar por falta de documentação.

Em nota, a Riotur informou que os cancelamentos não partiram da prefeitura do Rio. “Os blocos estavam na programação e optaram por não realizar seus desfiles. A única explicação é o bloco Chora Me liga, que foi indeferido pela PM”. Procurado pelo Carnavalizados, o órgão não atendeu as ligações.

“Se o Rio tem salvação, que seja pelas mãos de um bloco, a redenção”

Curiosamente, o enredo do Bloco É Tudo Ou Nada deste ano é sobre a importância dos blocos de rua para a cidade. Assinado pelo editor do Carnavalizados, Gabriel Cardoso, o enredo “De bloco em bloco, a gente chega lá”, aborda a folia como resistência e, principalmente, como esperança.

“O retrocesso é o caos. Sempre vai ser. Muitos blocos estão desfilando em protesto. E a gente vai mostrar na rua que ninguém vai reprimir a nossa cultura, a nossa festa”, completa Gabriel.

Confira a sinopse do Bloco É Tudo Ou Nada?! para o Carnaval 2019

BLOCO É TUDO OU NADA?!
ENREDO: DE BLOCO EM BLOCO, A GENTE CHEGA LÁ
AUTOR: GABRIEL CARDOSO

Querem tirar nosso direito à esperança.
Haha! Logo da gente,
Que se fantasia de fadinha pra realizar desejos.
Pra desejar coisas melhores
Dias melhores.

Porque a gente quer alegria
Samba, marchinha e coreografia.
Quer cerveja, batuque, sopro de metais
Coisas reais, pessoas anormais
Máscaras, fantasias, glitter (nossa, muito glitter)
Muito close, muito lacre, muito carão
Muito litrão
Meu deus, a gente quer mais! A gente quer MEMES!

E quer respeito. Acima de qualquer coisa.

Pois o Carnaval é nosso. A rua é nossa. E o bloco é de todxs.
O Carnaval liberta. A rua desperta. E o bloco é de todxs.
Verás que filho de bloco não foge à cultura da rua
Que qualquer coisa na mão de bloco vira folia.
Vira festa. Vira resistência.
Doa a quem doer.

Artigo quinto da Constituição dos Marginais: o bloco no espaço público é direito do folião.
O bloco no espaço público é ponto de ebulição.

Bloco vem de “comparsa”, sabia?
Escuta a vovó
Antes do bloco só havia o caos.
E não confunda o caos com a algazarra. Nossa bagunça é organizada.
A gente se prepara o ano inteiro pra isso. E espera o ano inteiro por isso.
O retrocesso é o caos.
O obscuro é dos maus.

E pregam o silêncio dos bons…

Ainda me vem a madame pentecostal fazer a egípcia! Ha!
Fingindo não ver a gente se proliferar
Se multiplicar
Em cada esquina, em cada botequim
Em cada beco sem saída
Em cada corda vocal que insiste em repetir
Que ninguém vai reprimir, nem proibir.
Que a gente não vai sair
Pelo contrário: vai invadir!

É chegada a hora de retomar as praças
Derrubar os portões
Chutar os cones
Carimbar nossa identidade

Se o Rio tem salvação
Que seja pelas mãos de um bloco, a redenção
É Tudo ou Nada, minhas amizades.
Levamos nas mãos, o futuro
E nessa catarse coletiva, nessa democracia da folia, a gente chega lá.
E expurga toda a caretice e preconceito dessa cidade.

O nosso bloco vai pra rua, SIM! Então, como é que é?!