Arte: Carlos Carvalho

A “Chapa Branca”: Farda e Fantasia nos Desfiles da Beija-flor

Por Carlos Carvalho

Quero agradecer ao site Carnavalizados pelo convite. Vida longa para coluna “Carnaval em Tese”! É necessário criar um diálogo entre o carnaval e nossa sociedade e esse momento é muito importante para todos nós, pesquisadores, profissionais e amantes do carnaval.

Percebi nos últimos dois anos um aumento de críticas aos enredos “políticos”. Para quem as faz, carnaval e política não podem “se misturar”. Uma afirmação leviana, levando-se em conta que o carnaval é um ato político. Vamos entender: nos desfiles carnavalescos, podemos encontrar, ao longo da história, diversos momentos em que a manifestação política se fez presente. Nem sempre em desaprovação, vez que em muitas situações a gestão pública goza do benefício material e textual que o carnaval pode proporcionar.

Nesse universo, durante minha pesquisa de mestrado e, atualmente, no doutorado, analisei enredos conhecidos como “Chapa Branca”, executados entre 1973 e 1975. Uma fase em que o G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis apresentou enredos ufanistas, ainda hoje polêmicos devido ao contexto governamental desses anos.

Ao fazermos uma leitura política e cultural desse período, percebemos nos periódicos da época a interpretação dos enredos como enaltecimento às realizações do governo durante o chamado milagre brasileiro. Textualmente enredo e samba traçavam relações com a ideologia militar. Isso caracterizou a imagem negativa relacionada à agremiação nilopolitana, com o estigma de Unidos da Arena, fardo dado pela imprensa escrita em referência ao partido político dos apoiadores do regime.

O termo chapa-branca deve-se à relação existente entre as realizações do governo militar, nitidamente expressos em seus sambas, resultado do uso da ideologia nas manifestações culturais para divulgação positiva do dito milagre brasileiro. A atuação do regime militar teve início a partir da criação do Conselho Federal de Cultura, durante a presidência do Marechal Castelo Branco (1964-1967). O governo investiu não só nas censuras aos opositores, mas também nas práticas culturais de valorização ao seu projeto ideológico. Fez parte da estratégia do Conselho formular a política cultural nacional, o que fortaleceria o alcance nacional e as propostas de modernização das instituições.

O ponto de partida para definirmos a expressão “chapa-branca” vem do dicionário etimológico de Nascentes (1966), em que explica que “os automóveis oficiais usam uma chapa branca”. Logo tornou-se senso comum e usada até hoje a associação do termo chapa branca às placas de carro e assuntos relacionados aos governos.

“Na historiografia do samba, costuma-se atribuir à Beija-Flor de Nilópolis a pecha de agremiação chapa branca (talvez seja melhor dizer ‘chapa verde oliva’) da ditadura, com enredos de louvação ao Brasil dos militares.” (Simas, 2015, p.47)

O elemento enredo

O enredo, conhecido como tema central, pode ser considerado o eixo para elaboração de um texto documental. A partir do tema, pode haver desdobramentos em diversos outros assuntos de acordo com a visão de cada carnavalesco, conforme sua idealização. As mudanças estruturais na elaboração dos enredos começaram em 1953, de acordo com Lopes/Simas (2015), um “tempo em que, popularmente, a palavra enredo ainda era usada também como sinônimo de alegoria”.

Ao longo da história, os textos são compreendidos como base argumentativa para todos os fins do carnaval. Enquanto o enredo fala, o samba canta, fornecendo o conteúdo temático e simbólico para o desfile das escolas. O Estado, enquanto uma entidade que exerce o poder sobre as atividades sociais, preocupado com a integração nacional, garantiu o fortalecimento dos meios de comunicação, fator determinante durante os Anos de Chumbo (1968-1974), período em que o regime alterou a visão do carnaval com os enredos que enalteceram as realizações do governo com enfoque de um país promissor durante o Milagre Brasileiro.

Em 1973, a agremiação nilopolitana, ainda pertencente ao grupo dois das escolas de samba, apresentou o enredo “Educação para o desenvolvimento”. Apesar da ausência de imagens, quando analisamos as relações entre a letra do samba-enredo e as reportagens retiradas de alguns periódicos, observarmos aproximações com os projetos políticos de reformulação da educação, como por exemplo, as divulgações do MOBRAL e da Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Abordo, em minhas pesquisas, as reformulações educacionais da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), com introdução de disciplinas no currículo escolar, como a Educação Moral e Cívica. Conteúdos de aproximação das classes menos favorecidas para reforçar o projeto ideológico guiado pela Segurança Nacional. Nesse sentido, o segundo lugar conquistado pela Beija-Flor em 1973, o que lhe garantiu o direito de desfilar entre as grandes agremiações do primeiro grupo, despertou na agremiação a simpatia pela continuidade em defender temáticas nacionalistas.

Diante desse acontecimento, a agremiação seguiu a linhagem dos enredos em exaltação aos projetos de um país promissor. Em 1974, com o enredo “Brasil ano 2000”, mais uma vez lançou um olhar progressista sobre o país. Para esse enredo, o autor Manuel Antônio Barros baseou-se nas previsões futurologistas do estrategista militar norte americano Herman Kahn, que antecipou um país alicerçado nas inovações tecnológicas e no crescimento da ciência. Para desenvolver o projeto visual das fantasias e alegorias, a agremiação contou com as carnavalescas Lícia Lacerda e Rosa Magalhães, que revelaram as referências cinematográficas e nas transformações visuais da moda daquele período, como influência direta na execução do tema proposto.

Através do depoimento, parto da ideia de que elas tinham a liberdade para criar a partir do enredo textual apresentado pela agremiação, que vislumbrava um país próspero. Com referências encontradas em fotografias de jornais, foi possível detectar a cultura material contida na grandiosidade daquele desfile. Fantasias e alegorias carregadas de elementos futuristas. Abaixo podemos perceber a aproximação das referências visuais das carnavalescas e o seu desfile “Brasil ano 2000”:

Figura 1

Figura 2

Figura 01 – Fantasia Beija-Flor, 1974. Fonte: Revista Manchete, 1974.
Figura 02 – Cena do filme Barbarella, 1968.

Em 1975, em sua última tentativa, a Beija-Flor tratou o enredo “O grande decênio”: um grande fardo da agremiação, que fez uma homenagem aos dez anos da “Revolução Militar” e as consequências de seus projetos na sociedade brasileira. Assim, a alcunha dada à agremiação de “Unidos da Arena” (TAVARES; FREIXO, 2015) foi relacionada aos enredos de 1973 a 1975, segundo os autores, ao associarem as temáticas desenvolvidas pela escola de samba aos projetos de realizações durante o regime militar. A imagem de uma escola “patriótica” reforçou a ideia negativa que foi associada à agremiação. A desconstrução dessa negatividade em torno de sua bandeira foi uma árdua tarefa, mesmo quando apostou na contratação do carnavalesco Joãosinho Trinta.

De fato, a associação entre a agremiação e os militares causou uma imagem negativa para a escola de samba difícil de apagar. Porém, os enredos “chapa branca” independem de seus criadores estéticos. Temos como exemplo o ano de 1974, quando a estética se afastou dos ideais do regime militar, com o futuro criado pelas carnavalescas. Isso provou que, embora o visual estético dependa de uma base textual, ela não pode ser ideológica; ou seja, não há uma imposição de exigências ou necessidades. Além disso, é possível afirmar que os enredos têm a capacidade de agrupar e socializar um grande número de pessoas com pensamentos diversos para a escola de samba, pois, independente do enredo escolhido, os componentes levantam a bandeira de seu pavilhão.

Com isso, concluo que os enredos “chapa branca” dependem de suas relações sociais e políticas, mas independem dos recursos financeiros e influências estéticas. São parte de um desdobramento textual e visual em concomitância, sem discordâncias ou criações que se afastem de sua ideia inicial.

Querem saber mais? Em breve teremos o lançamento do livro “Chapa Branca: farda e fantasia nos desfiles da Beija-Flor (1973-1975)

 

Carlos Carvalho é mestre e doutorando em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com pesquisa direcionada aos enredos chamados de “Chapa Branca”. Atua como professor de História, Arte e Teatro no Ensino Fundamental e Médio; como professor convidado na Pós-graduação Lato Sensu em Figurino e Carnaval, na Universidade Veiga de Almeida (UVA). Teve seu início profissional no carnaval carioca em 1998, como pesquisador de enredo para grandes carnavalescos e em 2015 como membro do Departamento de Carnaval (pesquisador/carnavalesco) do G.R.E.S. Unidos da Tijuca. Em 2018 teve sua estreia como jurado de alegorias e adereços no carnaval de Niterói.

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