Foto: Gabriel Cardoso

Sob apagão, Salgueiro reinventa a noite e escolhe o samba de Xande de Pilares para o Carnaval 2018

Lembramos como se fosse ontem: em 2012, os salgueirenses cruzaram a Sapucaí gritando aos quatro ventos: “Salgueiro é amor, que mora no peito”. E a noite de ontem (quarta-feira, 11/10), véspera de feriado, foi uma demonstração desse sentimento. Era noite de final para a escolha do samba-enredo do carnaval de 2018.

A promessa era de fortes emoções: desde cedo, a Rua Silva Teles estava tomada de um povo festeiro, pronto para invadir a quadra da Academia do Samba. Abertos os portões, o grupo de pagode soltou os corpos dos chegados, colocando todo mundo pra sambar. Um balanço que seguiu até a meia noite, quando anunciaram os tambores da Bateria Furiosa, que mais do que nunca teria um papel fundamental na construção desta história.

Apagão, carro de som e Vila Olímpica

Foto: Gabriel Cardoso

A festa seguiu o protocolo do mundo do samba: a batucada envolvente convidou os diferentes segmentos a se revezar no palco, mostrando ao público a força daquela casa. Tudo dentro do planejado, até que, por volta de 1h da manhã, durante a apresentação do grupo de passistas comandado pelo celebrado coreógrafo Carlinhos do Salgueiro, as luzes se apagaram. Apagão total na quadra do Salgueiro. Segundo membros da direção da escola, os cabos de um transformador derreteram. Nenhum deles respondeu sobre a escola ter um gerador.

Os dançarinos continuavam a impressionar, iluminados pelos flashes de celulares e câmeras, dando a impressão de que aquilo era realmente parte do show. E se as caixas de som desligaram, o canto do povo apaixonado não deixou em nenhum momento o silêncio tomar conta da casa. O sambas-enredo da Academia entoados como preces camuflaram por alguns instantes aquele acontecimento estranho. Um inesperado apagão, um problema na rua, em um transformador da Light, levou o Salgueiro a provar é conhecida pela máxima “nem melhor, nem pior, apenas uma Escola diferente”.

A falta de luz destacou o poder da sua comunidade e do seu chão. A Bateria comandada pelo Mestre Marcão segurou a crise com valentia, tocando ininterruptamente por mais de uma hora e meia. A plateia acendeu as luzes dos celulares e continuou cantando, auxiliada pela empolgação dos intérpretes que, mesmo com os microfones desligados, permaneceram no palco empolgando o público.

Mestre Marcão – Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Ao carro de som faltaram os microfones, mas aos salgueirenses sobraram disposição e orgulho da sua bandeira, de modo que interromper a festa nunca foi uma opção.

Merecem destaque, como já adiantado, os diretores e ritmistas da Bateria Furiosa, incansáveis em sua habilidade em transformar música em alegria. E com a mesma garra e vibração, o grupo de passistas não abandonou o palco um segundo sequer, chamando quem estava na pista a não deixar o samba morrer.

Passadas pouco mais de duas horas, um carro de som contratado de última hora transferiu a disputa para o lado de fora, na Vila Olímpica da Escola, ao lado da quadra, que não sofreu com o apagão. Uma decisão típica dos desfiles, quando as agremiações, através de seus dirigentes, precisam driblar qualquer obstáculo para fazer o show continuar. E como na passarela do samba, coube aos diretores de harmonia colocar ordem na casa: transferiram o público e organizaram a área determinando os espaços para a bateria e para as torcidas defenderem os três sambas concorrentes. Um trabalho hábil para não deixar o brilho da noite se apagar.

A final

As apresentações começaram por volta das 3h. Cada parceria se apresentou por 30 minutos, sendo as duas primeiras passadas do samba sem bateria. O carro de som contratado de última hora ficou ao lado do campo de futebol da Vila Olímpica, ao lado da grade. O palco improvisado (apenas no gramado e na terra batida do campo) ficava na marca de escanteio. A harmonia fez um cordão para conseguir separar os cantores, deixando a furiosa bem ao lado para que os cantores não perdessem o compasso.

Primeira apresentação – Parceria de Rafa Hecht

Intérprete Pixulé – Foto: Gabriel Cardoso

A primeira apresentação da noite foi da parceria de Rafa Hecht e começou às 3h. Com Pixulé comandando o time de cantores, a apresentação se tornou muito mais contagiante por conta de sua torcida empolgada. Apesar de ser a menos numerosa da noite e quase sem adereços de mão, foi a torcida mais animada e a que mais cantou do início ao fim dos 30 minutos de apresentação. E o intérprete da Unidos de Padre Miguel, em grande forma, defendeu muito bem.

Segunda apresentação – Parceria de Luiz Pião

Tinga – Foto: Gabriel Cardoso

“Subindo” ao palco improvisado, com um carro de som pesadíssimo, formado pela trinca Tinga, Arthur Franco e Marquinho Art’Samba, a apresentação foi a mais consistente da final. Com uma torcida bem numerosa e com canto bem treinado nos refrãos, além de muitas bolas e bandeiras vermelhas e brancas, a parceria levantou a galera presente no campo da Vila Olímpica. A força dos intérpretes segurou a empolgação da torcida quase até o fim: os minutos finais tiveram mais movimentos dos estandartes de bolas do que de canto dos torcedores.

Terceira apresentação – Parceria de Xande de Pilares e Demá Chagas

Foto: Gabriel Cardoso

Com Emerson Dias, Leozinho Nunes e Luizinho Andanças comandando o carro de som, a apresentação da parceria de Xande de Pilares e Demá Chagas também foi segura e empolgante. A torcida, apesar de ser a mais numerosa e com mais bandeiras, balões e estandartes de bolas, não foi a mais contagiante da noite. Não faltou animação, no entanto, no carro de som: Leozinho e Emerson, dois dos intérpretes mais animados das disputas de samba esse ano, incendiaram o público que rodeava os cantores.

O anúncio

Presidenta Regina Celi – Foto: Gabriel Cardoso

Por volta de 4h40 da manhã, a Presidente Regina Celi assumiu o microfone para o tão esperado anúncio da obra vencedora. Antes, explicou a situação e declarou amor à bateria e seu condutor, essenciais para o sucesso da noite. Com ar de alívio por ter dado tudo certo, declarou que o samba escolhido foi da parceria de Xande de Pilares, Demá Chagas, Dudu Botelho, Renato Galante, Jassa, Leonardo Gallo, Betinho de Pilares, Vanderley Sena, Ralfe Ribeiro e W Corrêa.

Para Dudu Botelho a construção de um samba-enredo, “é não ter regra. Se é letra, se é melodia, as coisas vão se encaixar aos poucos. É claro que você vai entrar no espírito da sinopse e começar a construção do samba. Acaba sendo que a letra é o ponta pé incial, mas um samba-enredo de verdade não precisa ter ordem, não precisa de receita, não precisa … é o que todo mundo fala a fórmula está igual. É preciso ter amor, é isso, você se identificar com aquilo que está fazendo. É conseguir transformar em letra e melodia aquilo que você ama. Eu acho que a gente conseguiu. Eu ganhei quatro sambas já no Salgueiro, na verdade esse é o quinto. Eu te confesso o seguinte, o samba foi abraçado pela comunidade. E fomos campeão. Porque é um samba da Escola e acabou”.

Xande de Pilares fala de seu trabalho e sua missão.

“Eu já cheguei ganhando um Estandarte de Ouro em 2014 [Gaia]. Quase fui campeão em 2015. Mas independente do samba escolhido hoje, eu estarei na Avenida, e provei isso ano passado e ano retrasado para os bundões que vão pra internet escrever um monte de babaquice. Eu trabalhei muito na música pra dizer que sou compositor. Não quero saber quem torce por mim e quem torce contra: eu tenho um trabalho a fazer e uma missão a cumprir. Esses dias foi Dia do Compositor. Eu respeito o trabalho de todos eles.
Acho que é uma obra muito bem criada, que atende as necessidades da escola. Além de sermos detalhistas, tem a questão da sinopse e a questão da melodia. A melodia é o coração. Levamos cinco encontros pra fazer esse samba.
Eu tenho uma vó de 88 anos e uma mãe de 68. Elas me ajudaram a construir essa obra, além, claro, dos meus parceiros. A minha mãe, inclusive, canta comigo o lamento desse samba. E ela foi fundamental nesse processo”.

A final do Salgueiro talvez tenha sido a disputa mais acirrada até agora nas finais das escolas do Grupo Especial. As três obras, ainda que com algumas limitações, passaram muito bem e fizeram uma grande final.

E essa noite “diferente” há de entrar para a história, como o dia em que o coração salgueirense fez a festa, afastando as mesas e os imprevistos para abrir espaço para o samba passar. Uma comunidade com essa voz, jamais deve deixar de ser ouvida. O componente é o artista que tem que brilhar”.

O Salgueiro é a quarta Escola a desfilar na segunda-feira de carnaval, quando levará para a Avenida o enredo “Senhoras do Ventre do Mundo”, desenvolvido pelo carnavalesco Alex de Souza.

Confira os entrevistados da final

Presidenta Regina Celi

Presidenta Regina Celi – Foto: Gabriel Cardoso

“Esse enredo já está sendo pesquisado há mais de um ano e meio. Antes mesmo de o Alex chegar eu já tinha um historiador pesquisando sobre ele. Quando ele chegou, nós apresentamos pra ele a pesquisa, ele simplesmente adorou e deu a cara de enredo que faltava, pegando esse gancho com o verso de Candaces [enredo da escola em 2007]. O Alex é uma pessoa que escuta, chega no barracão 10h, sai às vezes 23h, meia-noite”.

Hudson Luiz

Hudson Luiz – Foto: Gabriel Cardoso

Estreante como intérprete do Salgueiro, Hudson Luiz está confortável à frente do carro de som: “Não sei se foi pensado, mas agradeço a preocupação dos compositores em fazer sambas no tom do nosso carro de som. Eu me senti muito confortável de cantar todos os sambas, desde a semifinal quando tivemos que cantar os concorrentes.
Sobre minha estreia, é um trabalho que eu semeei durante muitos anos. Eu quase nem dormi pensando na noite de hoje. É uma experiência magnífica, eu ainda estou extasiado com essa oportunidade. Mas me preparei muito, pois sabia que um dia ia realizar esse sonho. E esse sonho chegou, cara. Quando eu fui anunciado, me senti muito seguro. Tenho me preparado o dobro, praticado o dobro, fazendo fonoaudiologia… eu quero continuar evoluindo, e nunca vou achar que está bom o suficiente.
A cada dia que passa a gente vai ficando mais à vontade. Amigos como Thiago Brito e Diego Nicolau que já passaram pela Marquês [de Sapucaí] como intérpretes, me dão várias orientações, eles são o meu termômetro pra me preparar. E todos aqui no carro [de som] fazem tudo sem a vaidade de querer passar por cima do companheiro”.

Viviane Araujo

Viviane Araújo – Foto: Gabriel Cardoso

Rumo ao décimo primeiro ano como rainha da Furiosa, Viviane é a que está há mais tempo no posto e fica muito feliz em ser reconhecida pela comunidade do Salgueiro como uma das mulheres mais incríveis do Carnaval. A rainha aproveitou para elogiar o enredo do carnavalesco Alex de Souza: “É um enredo que emociona a nós mulheres. Não só eu, como a todas as mulheres do Salgueiro. Como a nossa grande presidente, uma mulher vencedora, batalhadora. A Regina está buscando forças de onde não tem pra botar esse carnaval na rua. Eu desfilo desde 1995 e eu nunca senti em lugar nenhum o que eu sinto aqui no Salgueiro. Foram dois meses apenas que eu estive longe, mas parece uma eternidade. Esse ano eu não consegui estar tão presente como eu gosto, porque estou com um espetáculo em São Paulo. Mas de longe acompanho tudo, sou uma pessoa muito estudiosa. E tempo a gente corre pra arrumar”.

Fotos da final

Foto: Gabriel Cardoso

Simone Drumond e Ailton Graça – Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

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Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Leonardo Bessa, Tuninho Junior e Hudson Luiz – Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

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Foto: Gabriel Cardoso

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Foto: Gabriel Cardoso

 

Por: Cristina Frangelli, Ruan Rocha, Gabriel Cardoso e Marilda Campbell

Fotos: Gabriel Cardoso

 

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