Carnavalesco Alex de Souza _ Foto: Rogerio Neves

Série Barracões 2020: Salgueiro mira os holofotes em Benjamin de Oliveira para falar das artes e de representatividade

Há 150 anos, em junho de 1870, nascia em Pará de Minas, Benjamin de Oliveira, conhecido como o primeiro palhaço negro do Brasil. Apesar da fama circense, sua trajetória é de um artista multifacetado, com uma carreira promissora na dramaturgia, na dança, na música. Um talento que conquistou multidões e que retornará ao centro do palco, no maior espetáculo da Terra, no carnaval do Salgueiro. Quem nos apresentou o barracão, falou sobre a inspiração para o enredo e sobre como a história desse ícone das artes ganhará vida na Marquês de Sapucaí foi o carnavalesco, Alex de Souza, que assina o enredo da vermelho e branco pelo terceiro ano consecutivo.

A permanência e ambientação na escola durante períodos mais longos costumam possibilitar aos profissionais uma maior impressão de seu estilo e características artísticas. Alex, entretanto, nos revela que isso não é uma preocupação no seu trabalho. Seu objetivo é encontrar uma boa história a ser contada e desenvolvê-la da melhor forma possível, garantindo o sucesso do desfile e a alegria da comunidade. O carnavalesco, então, revela as motivações que o levaram a defender o enredo, O Rei Negro do Picadeiro:

“Eu queria uma coisa que trouxesse uma carga de emoção. A história dele é linda e é muito importante de ser contada. Além disso, mantém a tradição da escola de ter um protagonista negro, uma prática que vem desde os tempos do Arlindo e do Pamplona. O interessante é que ao mesmo tempo desloca essa figura do negro de sempre ser o escravo, o africano, ou alguém ligado ao candomblé. Ele está no circo, no teatro, é um personagem das artes, da música, da dança.”

Detalhes Barracão do Salgueiro – Foto: Alex Nunes

Alex de Souza destaca, ainda, o estilo do homenageado, que, mesmo em tempos de forte exclusão dos negros do universo social do país, sempre se apresentou com muita elegância e imponência.

“Ele é uma figura muito chique, muito imponente. Tem fotos dele de fraque, como a grande estrela que era. E eu acho isso muito importante de ser revisitado. Esses 150 anos não podiam passar despercebidos.”

O encantamento do carnavalesco nasce do grande talento do homenageado, o que lhe inspirou a jogar de volta as luzes da ribalta sobre o artista.

“Ele é um dos primeiros grandes artistas negros de todas as artes cênicas, da música e da dança. É um sujeito extraordinário!

“Além de ator era autor, diretor, músico e dançarino. O Benjamin gravou discos; foi o primeiro negro a aparecer na tela do cinema, porque, ao fazer no circo uma paródia da ópera O Guarani, teve o espetáculo filmado para passar no cinematógrafo. Além disso, dominava as diversas técnicas circenses, como acrobacia, malabarismo…

“Enfim, é um grande pioneiro das artes no Brasil, um dos talentos mais completos que esse país já viu. Muito mais que um palhaço, ele foi um artista completo.”

Questionado sobre quais os caminhos traçados para descortinar a vida e a obra desse personagem tão diverso para o público e a comunidade salgueirense, Alex de Souza aponta que seu enredo tem um caráter biográfico e cronológico, de modo que o desenvolvimento percorrerá as fases da vida de Benjamin, da infância aos tempos áureos da carreia.

“Vamos seguir a biografia dele. Começamos com o Benjamin aos 12 anos, quando fugiu com o circo Sotero, onde passou parte da adolescência”.

“Em seguida ele foge com uma trupe cigana; depois atravessa a vida de circo em circo até se tornar a estrela da companhia, uma grande figura do circo Spinelli, principalmente. É aí que começa a trajetória como palhaço e também como aquele que trouxe o circo-teatro para o Brasil, retratando no picadeiro peças importantes: grandes clássicos e histórias que ele mesmo escreveu.”

Detalhes barracão Salgueiro – Foto: Alex Nunes

O último setor da escola abrirá a boca de cena para os outros artistas que tiveram a trilha desbravada por Oliveira. Tantos artistas negros que herdaram desse personagem a bravura e o talento, bebendo nessa fonte de inspiração para doar ao povo suas emoções em nome da arte.

“No final a gente faz uma homenagem aos artistas negros que vieram depois dele em toda a arte dramática: humoristas, atores, diretores… Com esse encerramento a gente celebra os 150 anos do nosso protagonista”, revela o carnavalesco.

Detalhes barracão Salgueiro – Foto: Alex Nunes

A homenagem a um de seus mais importantes heróis serve também para contar a história do circo, uma arte que vem perdendo espaço com as evoluções tecnológicas e o avanço de outras mídias. Através das alegorias e fantasias a lona será armada e a Academia do Samba vai montar o picadeiro para o seu povo passar e encantar.

“Em paralelo à biografia, o desfile conta um pouco da história do circo no Brasil do final do século 19 e início do século 20. Vamos trazer toda uma atmosfera retrô em que ele passeia durante a sua trajetória, desde garotinho até chegar a ser a figura mais importante do circo.”

E se cenário é o circo ele tem que vir colorido de alegria, pois a lona e o picadeiro abrem uma possibilidade de cores que podem ser trabalhadas pelo carnavalesco. A força vermelha do pavilhão estará presente, como sempre desejam os admiradores da Academia. Mas ao lado dele outro conjunto de cores irá harmonizar o desfile com o enredo retratado, de modo que a escola alcance a Praça da Apoteose com uma passagem festiva e alto astral, digna da leveza dos espaços representados.

Não devemos entender por leveza, entretanto, uma volumetria menor, mas no aspecto de cores e tons. O conjunto composto por cinco alegorias e dois tripés promete chamar atenção, inclusive com uma grande escultura do dono da festa.

“Eu quero fazer desse aniversário de 150 anos uma coisa de alto astral. A gente não deixa de ter um enredo com um tom consciente, mas trazendo alegria para nos animar.

“Nosso enredo é bastante reflexivo. Ao mesmo tempo tenta encantar o público com o mundo dos espetáculos.”

A reflexão a que Alex se refere trata da presença dos negros nas artes em geral, na forma como são retratados e no pouco protagonismo que conquistam, mesmo esbanjando talento. Ao questionarmos se devemos encarar o enredo como um tema de ordem crítica, o carnavalesco ameniza:

“Na verdade é uma grande celebração que você pode levar para o lado de reconhecimento e pouca participação negra nas artes cênicas. A gente vai trazer artistas como Antônio Pitanga, Nando Cunha, Aílton Graça, Hélio De La Peña. Temos grandes figuras negras nas artes cênicas e muitos se inspiraram no Benjamin para tocar a carreira. É um enredo de representatividade.”

Representatividade, aliás, é algo que faz parte da história do Acadêmicos do Salgueiro, como nos lembrou o carnavalesco no início da entrevista. Desde os tempos de Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues a escola ressalta personagens e histórias negras. Dessa forma, Alex de Souza não encara o enredo como uma tentativa de chamar atenção, mas como um tema e uma batalha que sempre foi recorrente para toda a comunidade salgueirense.

“É uma homenagem sincera e é na escola certa!

“Uma homenagem justa e bonita. Não é para causar. Esta escola muito antes da lacração, já lacrava.”

O Salgueiro é a terceira escola a desfilar na segunda-feira de carnaval, dia 24 de fevereiro.

Lá vem Salgueiro! 

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