Intérprete Zé Paulo Sierra Desfile 2019 - Foto: Fernando Tribino / Carnavalizados

Passar uma tarde em Niterói: parceria de Dadinho vence disputa na Viradouro para exaltar as Ganhadeiras de Itapuã

Na semana passada a Mocidade Independente de Padre Miguel abriu a temporada de finais para as disputas de samba. Na noite de ontem (21) foi a vez de Viradouro e Grande Rio escolherem o som que vai ecoar na Avenida, enchendo de ritmo, cores e graça a passarela do samba.

A ansiedade em torno do carnaval de 2020 se agiganta. Em tempos de dificuldades financeiras pela ausência de apoio público e retração de investimentos da iniciativa privada, os carnavalescos tem aproveitado para fazer o que sabem de melhor: criar. Os enredos vem se mostrando precisos e adequados. Muitos dando voz a quem sempre foi mantido calado, como comentamos recentemente ao falar da importância do enredo da Mocidade para o carnaval. O mesmo pode ser visto tanto na escola de Niterói quanto na tricolor de Caxias.

A Viradouro apontou seus holofotes para as Ganhadeiras de Itapuã, com o enredo Viradouro de Alma Lavada. O site de fomento ao turismo e informação da cidade de Salvador, na Bahia, as identifica da seguinte forma:

“As Ganhadeiras de Itapuã são história viva, referência cultural batizada com este nome em homenagem às mulheres que desde o século XIX e início do século XX, faziam ‘lavagem de ganho’ (lavando roupas); ou saíam com seus balaios a pé para vender peixe e quitutes pela cidade e assim ganhar o sustento da família.”

Ganhadeiras de Itapuã – Foto: Leto Carvalho

Isso mesmo! O enredo da Unidos do Viradouro vem dar voz às lavadeiras da Lagoa do Abaeté. Mulheres guerreiras que perpetuam uma luta secular pelo sustento e sobrevivência, que põe para quarar seus dias sombrios, para deixá-los iluminados como o sol que se derrama sobre as dunas claras que cercam o espelho d’água de cor escura.

Essa figura da mulher que não se abala pelas dores da rotina vai mesmo ter destaque no próximo carnaval. Mulheres que ganham voz através do canto e que pelo canto de diferentes comunidades vão ser homenageadas como símbolos de luta e resistência cultural. A ideia do enredo, desenvolvido pela dupla de carnavalescos, Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira, veio pela influência de outra mulher símbolo da cultura brasileira, a atriz e cantora Zezé Motta, que apresentou o trabalho artístico das Ganhadeiras aos carnavalescos. Estes logo se apaixonaram pela história dessas mulheres que lavam suas angústias nas águas do Abaeté. Enquanto lavam, elas cantam. E quando cantam sua alma é livre.

Mesmo caminho para a liberdade que fez do samba patrimônio cultural e representativo do povo brasileiro. Quando o chão da Viradouro cantar para exaltar as Ganhadeiras estará mantendo viva não só a tradição das homenageadas, mas a essência do ritmo que deu voz às favelas, que revelou gigantes artistas em meio à invisibilidade dos desconhecidos.

Com uma proposta de enredo em torno de gente e poesia, a escolha do samba que a escola vai levar para a Avenida não poderia ficar alheia à arte.  O que se viu na quadra do Barreto foi uma noite iluminada, preenchida pela mistura das artistas baianas com os artistas do carnaval carioca. O resultado foi o despertar do encantamento de todos os que estiveram presentes e puderam viver este momento.

Apesar da espera pela escolha do samba, o ponto alto da noite se deu logo no início da festa, quando o palco foi tomado pelo grupo das Ganhadeiras de Itapuã, que vieram em peso sentir de perto o calor do afeto dos admiradores da agremiação. Elas cantaram e encantaram, preenchendo a noite de sábado com cultura popular e um delicioso regionalismo musical. Um show de uma hora que valeu para inspirar o trabalho de um ano inteiro para estender o tapete vermelho por onde elas vão desfilar no domingo de carnaval.

Nas bandas da Viradouro, entretanto, a emoção nunca está completa. A administração da escola tem trabalhado para entregar ao público o que tem de melhor, que é o talento da sua equipe e componentes. O coordenador da ala de passistas, Valci Pelé, foi provocado pelo presidente de honra, Marcelo Calil Petrus, a criar um espetáculo ainda mais impactante que o realizado na fase final da disputa de samba em 2019. E o coreógrafo não se intimidou: atendeu ao pedido exaltando a competência do time que faz a escola pulsar quando se apresenta, seja durante o desfile ou em um show realizado ao longo do ano. Cenários, figurinos, música e interpretação. Estava tudo lá.

O cantor Zé Paulo Sierra, há sete anos no comando do carro de som da Viradouro, sacudiu a quadra com sambas antológicos da escola, sempre acompanhado pela bateria Furacão Vermelho e Branco, comandada pelo queridíssimo Mestre Ciça, e que faz jus ao nome que carrega, devastadora por onde passa.

A integração promovida pelo espetáculo com participação dos segmentos diversos é um sinal de que a Viradouro faz uma justa aposta na arte e no potencial humano para crescer ainda mais e se reafirmar, o que é uma vitória não só para a comunidade, mas para o carnaval e a cultura do samba.

Quando tudo parecia demais, o público presente ainda assistiria à disputa de samba, razão para a grande festa que foi montada na quadra. Três grandes obras mantiveram o clima de celebração madrugada adentro. Chegaram à final as seguintes parcerias:

– Claudio Mattos, Thiago Meiners, Maninho da Cuíca, Oliveira, José Bastos e Marco Moreno;

– Dan Passos, Victor Rangel, Deco, Hélio Porto, Cristiane Mazarim, Ari Jorge, Serjão, Henrique Hoffman e Miranda;

– Dadinho, Fadico, Rildo Seixas, Manolo, Anderson Lemos, Carlinhos Fionda e Alves.

As três parcerias se saíram muito bem no palco, mas o quesito torcida insuflou a última apresentação como as outras não conseguiram. Com a força criada pelo canto da quadra o resultado não poderia ser diferente. Mais uma vez foi possível assistir o pedido da comunidade atendido, quando o samba de Dadinho e companhia foi anunciado como o grande campeão da disputa.

E assim a Unidos do Viradouro encheu seu balaio de tradições, ancestralidade e cultura, rumo a fazer seu ganho, transformando a Marquês de Sapucaí no Abaeté, misturando Rio e Bahia para exaltar a força e o poder da mulher que faz da vida sua razão de luta.

 

Deixar uma resposta

Seu email não sera publicado. Campos obrigatórios *

*