Manu da Cuíca e Luis Carlos Máximo - Foto: Thiago Mattos

“Do céu deu pra ouvir”: Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo vencem disputa e colocam o morro da Mangueira para cantar

O último sábado, feriado de Nossa Senhora Aparecida, fez os amantes do samba sorrirem feito criança. Com três finais espalhadas pelo Rio, o clima de carnaval deu o ar da graça para não deixar mais a cidade. União da Ilha, Estácio de Sá e Estação Primeira de Mangueira escolheram seus sambas neste dia, todas com quadras lotadas e eufóricas à espera da decisão.

No Palácio do Samba a expectativa é sempre gigantesca, o que foi amplificado este ano pelo campeonato da escola em 2019, com o enredo Histórias para Ninar Gente Grande. O público pode conferir e se despedir de um samba histórico, que emocionou a Sapucaí no decorrer do desfile oficial e ao encerrar o Desfile das Campeãs. Para substituir um ano tão especial, o carnavalesco, Leandro Vieira, que vai para o seu quinto carnaval verde e rosa, desenvolveu o enredo A Verdade vos Fará Livre, em que humanizará a figura de Jesus Cristo, um homem tão simples quanto nobre, como qualquer morador de uma comunidade carioca.

Além disso, o tema irá discutir sobre o discurso de intolerância religiosa e de exclusão e a forma como os ensinamentos de Cristo tornaram-se uma arma de dominação e opressão que vai de encontro a tudo aquilo o que pregou. Mais um enredo imerso em uma poesia reflexiva, o que tem se tornado uma característica dessa parceria de sucesso entre Leandro Vieira e a Mangueira.

O pensamento crítico, aliás, pontuou também a forma como a disputa aconteceu. A escola decidiu repensar o modelo atual, praticado entre todas as coirmãs, mas comumente repreendido como excludente devido aos altos custos gerados para o compositor, o que aniquilou as possibilidades de poetas sem suporte financeiro alcançarem um campeonato em suas escolas. Dentre as principais mudanças, a Mangueira proibiu a presença de torcidas comerciais, de intérpretes de outras agremiações e de parcerias com mais de quatro compositores. Todo o processo de gravação das obras foi realizado pela própria escola, que estabeleceu uma taxa de inscrição para cobrir os custos, o que não deixou de ser criticado no mundo do samba.

Os erros e acertos do novo modelo ainda precisam ser analisados, mas o simples gesto de olhar para dentro e tentar resgatar a alma da escola de samba como um lugar de fala dos artistas da comunidade já confere à Mangueira um olhar de respeito.

Em seu novo padrão de disputa, a escola levou à final três sambas dos seguintes compositores:

– Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo;

– Beto Savana, Índio da Mangueira, Luiz Paulo Jr. e Sandra Portella;

– Rodrigo Pinho, Pedro Terra, Bruno Souza e Leandro Almeida.

A ausência das torcidas organizadas, que costumam lotar a frente do palco durante as apresentações, resultou em um ambiente menos explosivo que o de costume, mas com um brilho muito mais realista da aceitação de cada samba pelos presentes, vez que foi possível identificar o quanto cada obra conquistou o público a cantar e vibrar ao longo dos seus 25 minutos de execução.

Encerradas as exibições, não demorou até que o anúncio da campeã sacudisse o Palácio do Samba. A composição de Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo saiu vitoriosa da disputa, tornando-se o novo hino que a verde e rosa vai levar para a Avenida como uma reza, uma exaltação à igualdade e esperança entre os homens.

Confira a letra do samba do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira:

Compositores: Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo

Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também

Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra do Buraco Quente
Meu nome é Jesus da Gente

Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão

Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais que a escuridão

Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem Messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão

Do céu deu pra ouvir
O desabafo sincopado da cidade
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
E num domingo verde-e-rosa
Ressurgi pro cordão da liberdade

Confira algumas imagens da final da Estação Primeira de Mangueira:

Parceria Campeã – Foto: Thiago Mattos

Parceria Campeã – Foto: Thiago Mattos

Parceria Campeã – Foto: Thiago Mattos

Quadra – Foto: Thiago Mattos

 

 

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