Foto: Gabriel Cardoso

Derrubando o portão: Mangueira promove a manifestação mais animada da Sapucaí

No carnaval existe uma constante: não importa o ano, enredo ou qualquer situação, quando anunciado o desfile da Estação Primeira de Mangueira, o público vai ao delírio. Justo no ano em que o talentoso carnavalesco, Leandro Vieira, prometeu fazer um desfile brincante contra todas as forças que distanciaram a festa do povo e que lutam pela sua extinção, não seria diferente. Leandro, em seu terceiro ano na verde e rosa, decidiu fazer uma grande farra. O povo foi lá e fez a festa!

A Mangueira levou para a Sapucaí o enredo Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco. O título é inspirado na marchinha carnavalesca de 1944, “Eu brinco”, e a agremiação vai fazer uma crítica ao corte da subvenção para as escolas de samba e exaltar o caráter popular do carnaval questionando os padrões e modelos impostos pelos desfiles atuais.

A Comissão de Frente chegou com tudo, em clima de protesto. Sem um grande elemento alegórico, os integrantes vieram no chão, com muito gingado e uma apresentação clara e precisa. A coreografia foi dividida em quatro partes: na primeira encenou-se uma roda de samba, com os bailarinos em torno de quatro mesas; em um segundo momento, as mesas foram desmontadas, transformadas em grades de repressão ao sambista e ao acesso do povo às manifestações populares, carregadas com a frase “deixa nosso povo passar”; por fim, no instante “a Sapucaí é nossa”, os reprimidos pulam as grades e invadem a zona de exclusão, tomando as ruas com sua alegria, canto e dança. Foi uma exibição memorável. Sem um palco cenográfico, apenas com quatro grades, roupas leves, uma coreografia bem executada e samba no pé, a Comissão traduziu o enredo e abriu o caminho para a Escola passar.

O que se viu dali em diante foi de muito bom gosto. Um destaque para o uso das cores pelo carnavalesco, que com diferentes tons, conseguiu ser inovador mesmo no uso repetitivo do verde e rosa. Uma forma elegante de desenvolver um bom espetáculo visual.

O primeiro setor rememorou os “antigos carnavais”. O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Matheus Olivério e Squel Jorgea vieram vestidos de Pierrot e Colombina, o casal mais famoso da folia, somente nas cores preto e branco, em uma associação a uma fotografia antiga. Seus guardiões, Arlequins, configurando o triângulo amoroso carnavalesco.

O Abre-Alas, também conectado aos antigos carnavais, foi concebido numa estética retrô, com muito requinte e apreço aos detalhes. Um ótimo início de desfile para a Estação Primeira.

O segundo setor trouxe “a essência da folia: a brincadeira”, onde foram resgatados o entrudo, o Zé Pereira, o banho de mar à fantasia. No segundo carro alegórico, botequins como lugares de encontros e diversão durante o carnaval. Não há nada que exale mais carioquice que os botequins.

O terceiro setor veio para lembrar as origens das Escolas de Samba. A Deixa Falar, as baianas tradicionais da Praça Onze, o Vai como Pode, bloco que daria origem à Portela, e o Arengueiro, que originou a Mangueira. Foram citados os desfiles da Presidente Vargas e um de seus maiores ícones, Fernando Pamplona, carnavalesco do Salgueiro que revolucionou a estética da festa. No terceiro carro, a Candelária e a Presidente Vargas decorada conduziram o público a um momento bem diferente da cidade e dessa “ofegante epidemia que se chamava carnaval”. Chegando na Sapucaí, fez-se referência a Joãosinho Trinta com uma ala de mendigos como parte do enredo “Ratos e Urubus”, defendido pela Beija Flor, em 1989.

No quarto setor, Vieira levou os foliões para o seu lugar: a rua! Cacique de Ramos e Bafo da Onça voltaram a desfilar um após o outro, mas dessa vez em pura harmonia. Passaram, também, pela rua Marquês de Sapucaí, os bate-bolas, o cordão da Bola Preta, as bandas de sopro. A alegoria do setor, intitulada “somos a voz do povo”, reafirmou a ideia de reinvenção dos carnavais pelos próprios foliões, nas ruas, esbanjando sua espontaneidade. Integrantes de alguns blocos de rua da cidade foram convidados para integrar a composição da alegoria.

O quinto setor veio para propor a bagunça que é a folia das ruas, despojada, desapegada de glamour, apenas com o desejo de aproveitar. Nesse conceito, o último carro da festança mangueirense sintetizou todo o enredo e trechos do samba, propondo que fossem deixadas de lado as vaidades e o brilho, para curtir sem pudor este momento tão especial da cultura popular brasileira.

No geral, o surpreendente foi ver a simplicidade retratada de forma tão requintada. Mesmo desnudando-se da vaidade, Leandro trouxe uma Escola linda para a Avenida, provando que mesmo seu dinheiro e apoio é possível fazer da criatividade a fonte para o luxo.

Em nenhum momento do desfile o tom de protesto foi abandonado. Mais claro, impossível, quando um boneco de judas com a cara do prefeito, Marcelo Crivella, surgiu em uma das alegorias ao lado a frase: “prefeito, pecado é não brincar o carnaval”. O público, com a cruz repressora entalada na garganta, bradou o samba do início ao fim, como quem se liberta de uma dor ainda que de forma momentânea, na luta de não ter que conviver com ela por mais três anos.

A empolgação, na verdade, começou ainda no setor um, quando o esquenta foi feito ao som de marchinhas. A tradicional Marcha do Cordão da Bola Preta, “Quem não Chora, Não Mama”, sacudiu o primeiro módulo de arquibancadas e pediu passagem para o povo da rua de Mangueira passar.

O carro de som, comandado por Ciganerey e com o apoio luxuoso de Péricles, fez bonito, tendo nas mãos um samba de letra fácil e convidativa, pronta para ser aprendida por qualquer desavisado. O Bateria do mestre Rodrigo Explosão, com seu característico surdo de primeira segurando a cadência, manteve a potência da festa em alta.
Com tantos fatores positivos, não dá para negar que a Mangueira veio aí. Certamente figura entre as favoritas.

A Estação de Primeira de Mangueira foi a 5ª colocada no Carnaval 2018.

 

Confira as imagens do desfile:

Matheus Olivério e Squel Jorgea – Foto: Gabriel Cardoso

Intérprete Ciganerey – Foto: Gabriel Cardoso

Evelyn Bastos – Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Carnavalesco Leandro Vieira – Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

Comissão de Frente – Foto: Gabriel Cardoso

Foto: Gabriel Cardoso

 

Por: Ruan Rocha, Gabriel Cardoso, Pablo Sander e Cristina Frangelli

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