Carnavalesco Severo Luzardo - Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Barracões 2019 – União da Ilha do Governador, um pedaço do Rio onde Brilha o Sol e o Sorriso do Ceará

A festa mais aguardada do ano se aproxima e o Carnavalizados aporta no endereço onde os sonhos são transformados em realidade. Ferro, madeira, isopor, fibra, tinta e verniz. Pouco a pouco materiais diversos vão ganhando forma para despertar olhares apaixonados na Marquês de Sapucaí. Esta é a Cidade do Samba, o complexo industrial da arte, onde milhares de trabalhadores dedicados dão vida à ilusão.

O primeiro barracão visitado pela equipe do Carnavalizados foi o da União da Ilha do Governador, onde mais uma vez fomos muito bem recebidos pelo carnavalesco, Severo Luzardo, que, orgulhoso, no apresentou a construção do seu enredo e desfile.

Quarta escola a desfilar na segunda-feira de carnaval, a Ilha vai contar:

“A Peleja Poética Entre Rachel e Alencar no Avarandado do Céu”, uma homenagem ao estado do Ceará, para o qual o carnavalesco não economiza elogios. Entusiasmado com o projeto e com as viagens que fez por diferentes cidades, Luzardo declara a satisfação com o casamento entre o tema e a escola, que abraçou sua proposta de uma visão cultural e poética desse lugar do Brasil. Apesar de estampados no título, Rachel de Queiroz e José de Alencar não são o centro dessa história, mas os olhos com que o carnavalesco olhou para o Ceará. Segundo ele, os dois grandes nomes da literatura nacional, ambos nascidos em Fortaleza, serviram para fundamentar sua narrativa: “Raquel e Alencar escreveram com uma propriedade absoluta sobre sua gente, sua terra, seus costumes. Eles expressavam de uma forma maravilhosa o estado do Ceará. Então quem melhor poderia falar do Ceará eram eles”.

Esclarece que ao criar a peleja poética ele elimina a figura dos autores para falar de suas obras, da forma como o Ceará é retratado no trabalho deles. Este olhar é o ponto de partida para a composição que a Ilha vai usar para colorir a passarela do samba. O carnavalesco afirma que em suas pesquisas e viagens encontrou um estado muito bonito e guerreiro. Reconhece a existência de uma indústria política da fome no nordeste que pressiona a região, mas afirma que não pretende, em momento algum, vitimizar o povo ou o local, justamente por não reconhecer no cearense essa vitimização: “isso virou uma indústria, mas o cearense não se vê assim”. Não nega, entretanto, que é possível encontrar nos textos de Rachel, por exemplo, trechos em que uma realidade dura é descrita. “Mas fazer do cearense uma vítima não foi o objetivo”, garante. “Uma das primeiras coisas que assisti foi uma peça de teatro sobre o Ceará, que dizia que o cearense é um povo que luta pela felicidade e pelo sorriso de sua gente. E é isso que eu vejo, um povo que luta pela felicidade”.

Severo, então, nos conta suas descobertas sobre o desenvolvimento do estado, destacando os altos índices de educação. Alinhado a isto, ressalta, a literatura de cordel, que atravessa gerações sem perder a contemporaneidade. Revistinhas com uma linguagem leve e popular, que divertem e informam os acontecimentos do dia na política e outros campos. Um costume que resiste pelo hábito da leitura e que floresce o raciocínio e a formulação de questões sociais.

Outro ponto que lhe chamou atenção foram os investimentos em fontes de energia renováveis, em especial os parques eólicos que sobrevoou: “eu viajei muito em pequenos aviões de amigos. Voava baixo e via as praias, as rendeiras embaixo da carnaúba e as torres de energia eólica. A tecnologia entra de forma sustentável. É o futuro, o desenvolvimento, mas sem perder as tradições. Uma coisa não aniquila a outra”. E seu carnaval terá um pouco de tudo isso: a renda tradicional, trançada em trabalho artesanal, entremeada ao futuro dos cata-ventos que iluminam as casas e ruas. Passado e futuro em um novelo de descobertas presentes.

Nessas viagens costurou suas ideias. Conviveu e promoveu uma boa integração entre artistas, intelectuais e o povo da região, o que culminou com a colaboração de várias pessoas para a formação do enredo e para o seu desenvolvimento material, no que diz respeito à confecção de fantasias e carros alegóricos.

É aí que entramos no grande trunfo do carnavalesco para erguer o seu projeto. Já que o olhar para o estado homenageado é nativo, embasado na obra de dois autores nascidos e criados na região, sua execução seguiu o mesmo percurso. E, assim, valorizou mais o original que as reproduções:

“Como que dignifico essa maneira linda deles de criarem a obra? Como que eu toco na obra dos autores? Então decidi fazer pelas mãos dos cearenses. Por exemplo: o melhor bordado de filé é o de Jaguaribe. Fui até lá, fiz uma reunião com o prefeito e com as associações. Expliquei que tenho a chance de fazer uma ala, mas não temos como pagar 500 reais para 100 fantasias. Mas se vocês bordarem, vai pra avenida o bordado autêntico. E Jaguaribe fechou! A renda de bico fechou! A renda de renascença também fechou!
Para o Abre Alas eu precisava de 3 mil metros de franja de carnaúba. O sindicato da Carnaúba veio ao barracão para entender o tamanho do carro e a necessidade. Doze cooperativas fizeram a colheita da folha da carnaúba, a secagem, o corte, a franja e agora estão no tingimento. Ao final vão me mandar. Estão registrando tudo e vamos registrar a colagem na alegoria, para termos todo o trabalho de como a carnaúba sai do Ceará e passa pela avenida.
E assim foi com o descansa prato e com as redes. Fizemos uma reunião com o prefeito de Jaguaruana (maior polo de produção de redes). Quando chegamos lá tinham 100 produtores de rede. A produção às vezes acontece na garagem deles, mas lá tem uma a certificação de qualidade.”

Questionado se em um ano de muitas dificuldades financeiras para o carnaval essa teria sido uma nova forma de captação, Severo explica: “é uma forma de captação, mas não diria diferente. Não ganha dinheiro, mas ganha material. Eu apresento hoje o Ceará feito pelas próprias mãos. Eu poderia ter feito tudo no barracão, fake, mas será tudo original”.

“Nós unimos o Ceará inteiro. Eu fui na feira da Beira Mar (orla de Fortaleza) – que é tipo a feira de Ipanema—, atrás dos descansa pratos. Eles fizeram três mil para nós. Filmaram todo o processo antes de mandar para cá. E hoje tem um telão na feira com o samba da União da Ilha e o processo de confecção; antes de cada jogo do Ceará Futebol Clube toca o nosso samba; a Ilha tocou no réveillon de Fortaleza. Existe uma sinergia que está fazendo o povo vibrar. É bom falar de um estado onde eles participam.”

A autenticidade de que fala surpreende quando nos aproximamos das alegorias e fantasias da Ilha. O esmero e os detalhes de um trabalho artesanal feito em escala industrial. Muitos desses detalhes, no olhar distante das arquibancadas e cabines dos jurados, devido ao tamanho, podem parecer impressões ou outras técnicas artísticas costumeiramente empregadas nos barracões. Por isso a importância de salientar a autenticidade. Ao ver uma renda, tenha a certeza da sua originalidade, produzida em alguma cidade do Ceará por um grupo de rendeiras alçadas à condição de artistas. O mesmo para as redes e para referências a obras de arte.

O carro abre alas, por exemplo, contará com uma escultura aumentada do escultor Assis Filho, feita exclusivamente para o desfile. O carnavalesco apresentou sua ideia e Assis modelou em tamanho pequeno uma imagem que foi reproduzida com 6 metros de altura, em um carro de 18,5 metros, o maior da carreira de Severo Luzardo.

Assis não é o único artista cearense a expor no desfile insulano. O famoso brinquedeiro, Dim Brinquedim, também verá sua obra reproduzida na avenida. Uma admiração que Luzardo faz questão de ressaltar: “o Dim é conhecido internacionalmente e devemos homenagens a ele no brasil; inclusive eu já citei em enredos três vezes. Ele cedeu um painel pra reproduzir”. Outro expositor no museu a céu aberto chamado União da Ilha será Zé Tarcísio, que o carnavalesco apresenta como um marco na arte contemporânea brasileira.

A autenticidade vem nas rendas e redes, esculturas e painéis, e igualmente nas fantasias. Os tecidos com estampas personalizadas foram produzidos em parceria com os cearenses, de modo que cada estamparia carregue também a história e identidade de um povo.

Para retratar a moda o carnavalesco trará a obra de Espedito Seleiro, que faz produtos com couro: “fui até ele e perguntei se poderíamos ter uma ala que o homenageasse. Ele chorou! Pediu um figurino desenhado por mim para desfilar. O processo deveria ser inverso, eu tinha que rastejar pedindo a ele para desfilar em agradecimento a tudo o que fez pela arte brasileira”. O mesmo orgulho brilha em seus olhos ao apresentar os croquis dos figurinos da Velha Guarda, presente do estilista Ivanildo Nunes: “uma roupa do Ivanildo custa 18 mil reais! Esses homens e mulheres vão guardar essa roupa com a assinatura dele para o resto da vida”.

O setor da moda seguirá com uma homenagem a Lindemberg Fernandes – estilista famoso por criar peças inspiradas em suas lembranças afetivas—, e com a moda de dormir, que deve chamar atenção, quando as “Angels” da Ilha atravessarem a pista exibindo uma coleção de lingerie de Nayane Rodrigues, uma referência à grande produção de lingerie do estado do Ceará.

Durante o agradável bate papo com Severo Luzardo uma expressão tornou-se recorrente: cadeia produtiva. Criminalizado pelos homens no poder, o carnaval carioca vai muito além de uma festa de uma semana, com quatro noites de desfiles na Marquês. O megaevento movimenta uma rede de empregos diretos e indiretos ao longo de todo o ano, uma produção artística e cultural incomparável e um fator de atração turística e financeira fundamental para o desenvolvimento da nossa cidade e do nosso estado.

No centro desse turbilhão artístico/industrial a União da Ilha movimentou uma cadeia produtiva enorme, incontável. Severo destaca que somente dentro do barracão da Cidade do Samba são 150 funcionários garantindo o sustento de suas famílias. Mas faz questão de deixar claro que essa é uma cadeia que se multiplica, vez que abrange todos os fornecedores que fazem coisas para a Ilha em suas cadeias produtivas próprias. Além disso existe a movimentação da quadra com seus eventos, funcionários e fornecedores; das articulações e negócios para fazer o espetáculo acontecer. “Cada ensaio de rua que a Ilha faz na Estrada do Galeão leva às ruas uma avalanche de gente que mobiliza a região”, completa o carnavalesco. “É uma cadeia produtiva que não é pensada nem honrada como deveria”.

E a Ilha foi mais longe. Moveu sua escala de produção para o Ceará, onde remunerou rendeiras, fabricantes de redes, produtores de carnaúba, comerciantes. Todas as doações recebidas em apoio dos cearenses foram pagas a quem de fato produziu, seja por sindicatos, associações, cooperativas ou pelas prefeituras das cidades envolvidas. Instituições que identificaram no carnaval carioca uma verdadeira e legítima fonte de geração de emprego, renda e visibilidade turística para seus municípios, algo que visivelmente falta aos atuais administradores do Rio de Janeiro com seus projetos ideológicos/financeiros/religiosos.

Quando questionado sobre o que mais o incomoda como carnavalesco, Severo foi enfático: “são 42 anos fazendo carnaval e eu tenho respeito por essa festa. Eu vejo carnaval como a cultura e como uma cadeia produtiva enorme, que sustenta famílias com trabalho. Me incomoda o desrespeito dos nossos governantes em tratar o carnaval de forma minoritária, como se fosse apenas mais alguma coisa”.

E assim finalizamos uma conversa inspiradora. Um encontro em que pudemos visitar a criatividade de um artista que superou a ausência de investimentos no carnaval e garantiu um belo trabalho para a sua escola. O que mais chama a atenção é a humildade com que dividiu sua obra com outros artistas em nome de uma autenticidade cearense, o que dará força e identidade ao seu desfile. “Os artistas são eles”, afirma. “Eles que fizeram! Os artistas são Rachel e Alencar, que escreveram de maneira apaixonante esse estado tão lindo. São os artesãos que dignificaram toda essa obra, fazendo 15 mil peças que vão estar na avenida com a gente trazendo essa energia”.

Todos esses artistas estarão representados na Sapucaí, quando cerca de 2.400 componentes atravessarão a passarela pulsando a emoção que o carnaval proporciona. Em cada uma das 29 alas que a Ilha vai levar para a Marquês estará brilhando o sol do Ceará.

Confira alguns detalhes do Carnaval que a Ilha vai apresentar na Sapucaí:

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

Detalhes União da Ilha 2019 – Foto: Pablo Sander / Carnavalizados

 

 

 

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